Sem oxigênio não há vida, e isso ninguém questiona. Mas o ar que respiramos também pode ser terapêutico. Está nas câmaras hiperbáricas – um equipamento totalmente fechado no qual é possível insuflar oxigênio puro e atingir uma pressão acima da pressão ambiente – a esperança de tratamento para uma série de doenças, entre elas o pé diabético. Estudos científicos já indicaram que até 85% das amputações no pé diabético foram precedidas por úlceras que poderiam ter sido tratadas com a oxigenoterapia hiperbárica, ainda não disponível no Sistema Único de Saúde (SUS).
O tratamento consiste na inalação de oxigênio a 100%, a uma pressão, no mínimo, duas vezes e meia maior que a atmosférica. Segundo a enfermeira Carla Teixeira Silva, mestre em ciências da enfermagem com ênfase em oxigenoterapia hiperbárica pela Universidade do Porto (Portugal), essas condições só podem ser atingidas dentro das câmaras, onde os pacientes realizam de 15 a 40 sessões, dependendo da gravidade do caso e da resposta. O paciente fica em repouso, respirando normalmente, enquanto oxigênio em grande quantidade vai se dissolvendo no sangue até chegar aos locais menos oxigenados.
Mariza D’Agostino Dias, médica intensivista e especializada em câmara hiperbárica, vivenciou os primeiros tratamentos do tipo no Brasil há cerca de 20 anos. Naquela época, já existiam algumas câmaras em São Paulo, mas nenhuma regra para sua utilização. A tecnologia nem sequer era algo novo, pois as câmaras surgiram nos anos 1940. Foi o uso acadêmico do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) que levou à regulamentação do tratamento. O Conselho Federal de Medicina passava a reconhecer o uso da câmara para algumas situações de infecção e inflamação.
Segundo Mariza, especialista no assunto e profissional do Hospital 9 de Julho, na capital paulista, o oxigênio tem que ser suprido continuamente, porque todos os mecanismos do corpo dependem dele em algum momento de sua função, e não há reservas no organismo. Se o oxigênio é insuficiente, o corpo não trabalha como deveria. É o caso de ferimentos que não cicatrizam. Quando há uma lesão, desencadeia-se uma reação que leva à cicatrização, recompondo o tecido. Mas para que essa programação se cumpra é necessário que o tecido disponha de oxigênio suficiente para o funcionamento das células.
Sem oxigênio, surgem as feridas de difícil cicatrização. Além de não fechar, elas acabam se infeccionando porque perdem as defesas contra as bactérias. “É por isso que o diabético tem dificuldade de cicatrização. A doença leva a uma falta de oxigenação crônica nos membros periféricos”, explica Mariza Dias.
Cerca de 60% dos pacientes que fazem oxigenoterapia hiperbárica são pessoas com pé diabético, quadro que pode levar a sérias complicações e até a amputação dos membros por causa da má vascularização, dano nos nervos da região acometida, perda de sensibilidade que aumenta o risco de traumas, ou infecções.
A oxigenoterapia hiperbárica não só trata as feridas, como também previne amputações, embora não exista indicação desse tipo de tratamento se não há lesões. “Se existe a ferida, o tratamento funciona como profilaxia de futuros problemas. Pessoas com pé diabético que não fazem a oxigenoterapia hiperbárica têm possibilidade de amputação de 33%, enquanto aqueles que fazem o tratamento têm o risco reduzido para 8%”, alerta Mariza Dias. Doenças crônicas como pé diabético e úlceras de varizes exigem 38 sessões. O tratamento de lesões agudas, queimaduras, traumatismos e abcessos é mais rápido.
MECANISMO DE AÇÃO
Apenas 20% do ar que respiramos é oxigênio. Os outros 80% não são necessários para o funcionamento do corpo, sendo descartados. E esse oxigênio não é puro. Segundo o médico hiperbarista Roberto Carlos de Oliveira e Silva, do Centro Mineiro de Medicina Hiperbárica, o tratamento com oxigenoterapia hiperbárica tem como princípio a oferta de grande quantidade de oxigênio aos tecidos, já que os tecidos pobres em oxigênio (isquêmicos) são propensos a infecções e destruição tecidual (necrose).
Dentro da câmara hiperbárica com compressão, o oxigênio que penetra pelos pulmões por meio da respiração dilui-se no plasma e atinge tecidos com pouca irrigação e por consequência pobres em oxigênio.
“Com o auxílio desse oxigênio ofertado, as funções celulares e hormonais são reativadas, proporcionando um ambiente adequado para o combate a infecções e progressiva cicatrização das lesões. Mas a oxigenoterapia hiperbárica é um tratamento de associação, empregado juntamente com intervenções cirúrgicas, antibióticos, suporte nutricional e curativos”, destaca.
Procedimento tem protocolo rigoroso Há um protocolo rígido para a realização da oxigenoterapia hiperbárica com segurança para os pacientes. Segundo Roberto Carlos de Oliveira e Silva, as roupas devem ser de algodão; é proibida a utilização de metais e equipamentos eletrônicos e não é permitido qualquer tipo de adereço ou acessórios. Também não se pode entrar com papéis dentro da câmara. Devem ser removidos todos os cremes, maquiagens, pomadas e soluções alcoólicas, iodadas e oleosas. Aparelhos ortopédicos metálicos devem ser cobertos por tecido de algodão e marca passo externo tem que ser retirado.
O paciente em tratamento deve se alimentar antes da sessão para evitar que ocorra queda dos níveis de glicose sanguínea durante as duas horas de permanência na câmara. Também deve urinar antes da sessão para evitar desconforto. Além disso, todas as feridas permanecem fechadas com seus respectivos curativos. “As feridas nunca ficam abertas. Não há necessidade da exposição da ferida ao oxigênio sob pressão. O tratamento é por via inalatória.” A oxigenoterapia hiperbárica é contraindicada em casos de perfuração do pulmão, gravidez e no caso do uso de algumas drogas para o tratamento de câncer.
Oxigenoterapia hiperbárica
É um método terapêutico no qual o paciente, no interior de uma câmara hiperbárica, é submetido a uma pressão duas ou até três vezes maior que a pressão atmosférica ao nível do mar, respirando oxigênio puro a 100%. O método provoca um aumento da quantidade de oxigênio transportada pelo sangue 20 vezes maior que o volume que circula em indivíduos respirando ao nível do mar.
Assim, o oxigênio produz uma série de efeitos terapêuticos, como:
• combate infecções bacterianas e por fungos;
• compensa a deficiência de oxigênio decorrente de entupimentos de vasos sanguíneos ou sua destruição (em casos de esmagamentos e amputações de braços e pernas, normalizando a cicatrização de feridas crônicas e agudas);
• neutraliza substâncias tóxicas e toxinas;
• potencializa a ação de alguns antibióticos, tornando-os mais eficientes no combate às infecções;
• e ativa células relacionadas com a cicatrização de
feridas complexas.
A câmara
A câmara hiperbárica é um compartimento fechado, resistente à pressão, que pode ser pressurizado com ar comprimido ou oxigênio puro. Geralmente de formato cilíndrico, a câmara é construída de aço ou acrílico. Ela pode ser:
• Multipacientes
De grande porte, acomodam vários pacientes simultaneamente, que recebem o oxigênio por meio de máscaras e capacetes de plástico apropriados. Eles podem ficar sentados ou deitados. A pressão dentro da câmara aumenta com a utilização de ar. A sessão dura 120 minutos.
• Monopacientes
De tamanho menor, acomodam apenas um paciente, deitado, que respira o oxigênio diretamente da atmosfera da câmara, sem máscara. A pressão dentro da câmara aumenta utilizando-se oxigênio puro. A sessão dura 90 minutos.
Indicações
• Embolias gasosas;
• Doença descompressiva;
• Embolia traumática pelo ar;
• Envenenamento por monóxido de carbono ou inalação de fumaça;
• Envenenamento por cianeto ou derivados cianídricos;
• Gangrena gasosa;
• Síndrome de Fournier;
• Outras infecções necrosantes de tecidos moles: celulites, fasciites, e miosites;
• Isquemias agudas traumáticas: lesão por esmagamento, síndrome compartimental, reimplantação de extremidades amputadas;
• Vasculites agudas de etiologia alérgica, medicamentosa ou por toxinas biológicas (aracnídeos, ofídios
e insetos);
• Queimaduras térmicas
e elétricas;
• Lesões refratárias: úlceras de pele, pés diabéticos, escaras de decúbito; úlceras por vasculites autoimunes; deiscências de suturas;
• Lesões por radiação: radiodermite, osteorradionecrose e lesões actínicas de mucosas;
• Retalhos ou enxertos comprometidos ou de risco;
• Osteomielites;
• Anemia aguda, nos casos de impossibilidade de transfusão sanguínea.
"Sou um recuperado" -NILTON SEBASTIÃO RIBAS - 48 ANOS, TOPÓGRAFO
Ele veio de longe, de Belém do Pará. Assim que foi diagnosticado com um câncer de pele, em outubro, passou por dois procedimentos cirúrgicos para a remoção de algumas lesões. O primeiro, realizado em São Paulo, deu certo. O segundo, em Belém, trouxe uma série de complicações para o gaúcho, que mora no Pará por causa do emprego. “Foi uma tragédia. O médico fez um enxerto de pele na minha orelha, mas não pegou. Minha orelha, por dentro, ficou sem pele, em carne viva.” A lesão crônica precisava de um tratamento especializado e Nilton foi encaminhado para Belo Horizonte pelo plano de saúde da empresa. A cirurgiã plástica que assumiu o caso receitou: 40 sessões de oxigenoterapia hiperbárica. O topógrafo nunca tinha ouvido falar do método e ficou assustado com o primeiro contato com a câmara. “Fiquei preocupado com a pressão. Mas é como viajar em um avião pequeno ou mergulhar a 15 metros de profundidade. Começa com uma sensação de desconforto no ouvido, mas depois a gente se acostuma”, conta. Na metade do tratamento, uma das lesões de Nilton, na cabeça, já estava curada. As outras lesões estão em fase final de recuperação. “Fico duas horas por dia dentro da câmara, assentado. Temos dois intervalos de cinco minutos para beber água e ir ao banheiro. Mas hoje sou um recuperado. É um método excelente, pois resolveu meu problema. Não sinto nenhuma dor durante a sessão, só depois: sinto a sensação de a pele sendo puxada”, comemora.