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A tese é de Linda Henkel, pesquisadora da Universidade de Fairfield, nos Estados Unidos. Filha de um fotógrafo, a psicóloga cresceu em meio a câmeras, mas disse que nunca viu tanta gente fazendo uso delas como agora. Impressionada com o gesto universal de estender o braço e tirar uma foto com celular, Linda decidiu investigar como o novo hábito está afetando a capacidade de se recordar.
“Há alguns anos, estava no Grand Canyon e me lembro de uma pessoa que chegou à borda do cânion, fez uma foto com sua câmera e em seguida foi indo embora, como se pensasse: ‘pronto!’. Ela nem parou para dar uma olhadinha naquela maravilha da natureza”, diz a pesquisadora. Somada a essa experiência, a psicóloga diz que, no dia a dia, observa turistas que disputam espaço em filas, aparentemente apenas para fazer fotos e postá-las, em seguida, nas redes sociais.
Depois de conduzir duas pesquisas com estudantes em um museu, ela constatou que, na ânsia de registrar cada segundo de uma experiência, as pessoas não prestam atenção ao que estão olhando. Resultado: ao ver as fotos que fizeram, nem se recordam de ter estado frente a frente a obras como a Monalisa, a mais disputada por câmeras no Louvre, em Paris. “Nessa compulsão por fotografar as atrações, as pessoas estão perdendo o que está ocorrendo bem abaixo de seus narizes”, lamenta.
Na primeira parte da pesquisa, 28 estudantes de graduação foram levados para um tour no Museu de Arte Bellarmine, pertencente à Universidade de Fairfield. Um terço dos voluntários jamais havia visitado uma instituição do tipo na vida. Metade dos participantes foi escolhida, aleatoriamente, para observar 15 obras, e a outra metade deveria fotografar os demais 15 artefatos selecionados pelos cientistas. Entre as peças havia pinturas, esculturas, antiguidades e cerâmicas. Todos foram orientados a ler em voz alta o nome do objeto. Em seguida, a turma da observação deveria ficar 30 segundos em frente à obra, enquanto o outro grupo demoraria apenas 20 segundos, fazendo a foto logo depois.
No dia seguinte, os pesquisadores aplicaram testes de memória nos participantes. Eles tinham de escrever o nome de todos os objetos que viram, responder a perguntas sobre detalhes específicos das obras de arte e passar por um experimento de reconhecimento de imagem. Não foi surpresa para Linda que os estudantes que fotografaram as peças se lembraram menos delas do que aqueles que apenas as observaram, uma consequência que a psicóloga chama de “efeito do dano de fotografar”. “Evidentemente que o problema não é a fotografia nem o ato de fotografar. O problema é que as pessoas estão usando celulares e câmeras como muletas, elas contam com a tecnologia para se lembrar de suas experiências por elas”, afirma a especialista.
No segundo experimento, 46 estudantes fizeram um tour semelhante no museu, focando-se em 27 objetos. Eles tinham de observar com atenção nove peças, fotografar outras nove e fazer imagens de algum detalhe das restantes, como o pé de uma estátua ou a alça de uma ânfora de cerâmica. Para cada uma das atividades, os participantes tinham 25 segundos. Novamente, os jovens foram submetidos a um teste no dia seguinte, no qual precisavam se recordar dos artefatos visualizados no passeio. Lembraram melhor aqueles que apenas observaram ou que fizeram fotos em zoom.
Segundo a psicóloga, ao ter de destacar alguma parte do objeto na fotografia, os voluntários obrigavam-se a prestar atenção no que viam, já que escolhiam o que focariam e clicariam, e não simplesmente apertavam um botão da máquina. “Quando se olha para algo com atenção genuína, aquilo vai ficar na sua memória”, acredita.
Para o próximo semestre, a psicóloga pretende ampliar o estudo, vendo se há alguma diferença na formação da memória quando as pessoas escolhem o que fotografar, e não simplesmente são instruídas a clicar algo, como foi feito agora. “Pode ser que, ao tirar fotos daquilo que a interessa, a pessoa preste mais atenção ao que está vendo e, dessa forma, retenha a informação visual. Contudo, também poderemos constatar que, ao usar algo para pensar por nós ou lembrar por nós, nossa memória sempre sairá prejudicada”, analisa.
Associações abstratas
Computadores modernos codificam a memória como um vasto conjunto de informações independentes que são acessadas aleatoriamente. Do ponto de vista funcional, isso significa que a agenda do laptop encontra o telefone de uma pessoa sem precisar vasculhar qualquer dado sobre a aparência ou a profissão desse indivíduo. Já o cérebro humano armazena a memória de forma muito diferente. Ao tentar se lembrar do telefone do melhor amigo, uma pessoa provavelmente vai se recordar do rosto dele, de uma conversa que tiveram ou do nome de um filme que viram juntos. É o que faz as memórias humanas tão ricas: a formação por meio de associações. Quando passa por uma experiência, o cérebro junta os cheiros, sons, aspectos visuais e as impressões pessoais associadas àquela situação. Essa relação é a memória do evento. Diferentemente das memórias de computador, a humana é abstrata e depende da atividade uma ampla rede de neurônios, dispersos por todo o cérebro.
O processo, de uma perspectiva biológica e comportamental, depende criticamente do reforço, que pode vir em forma de repetição ou prática. As pessoas lembram que dois mais dois é quatro porque ouviram isso muitas vezes. Por isso, para que a memória seja formada, ela depende da atenção que se dispensa ao que está sendo vivenciado ou observado. Dificilmente é possível recordar de um quadro exposto em um museu, por exemplo, se o visitante mal olhou para ele.
Tecnologia como "muleta"
De acordo com pesquisadores das universidades americanas de Harvard, Columbia e Wisconsin-Madison, não são apenas as câmeras e os celulares que têm sido usados como muletas, prejudicando as recordações. Depois de fazer quatro experimentos, eles constataram que, assim como os computadores podem ter um drive externo, as pessoas estão utilizando a tecnologia como sua “memória externa”.
“Quando queremos nos lembrar de algo, simplesmente fazemos um Google em nossos smartphones ou laptops. Não precisamos mais fazer muito esforço para encontrar o que queremos. Se temos o nome de uma atriz ou de um filme na ponta da língua, jogamos algumas informações no computador e, instantaneamente, o que queremos lembrar está à nossa disposição”, afirma uma das autoras, Betsy Sparrow, pesquisadora do Departamento de Psicologia da Universidade de Columbia.
Na série de testes desenvolvidos pelo grupo de cientistas, os participantes tinham de responder a questões sobre conhecimentos gerais com e sem ajuda dos programas de busca Google e Yahoo!. Mais tarde, precisavam se lembrar das respostas fornecidas. “Quando as respostas tinham sido encontradas na internet, a probabilidade de os participantes se esquecerem delas mais tarde foi muito maior. Estamos ficando cada vez mais dependentes de gadgets para diversas coisas, inclusive para recordar. Pode ser uma observação nostálgica, mas eu gostaria que nosso grau de simbiose com as ferramentas computacionais fosse menor”, observa Sparrow.
Coautora do estudo, publicado no ano passado na revista Science, a psicóloga Jany Liu, da Universidade de Wisconsin-Madison, diz que é entusiasta da tecnologia, mas confessa que teme os efeitos do uso exagerado da internet e dos gadgets como muletas.
“Muito antes de a internet comercial existir, já havia sistemas de memória coletiva. Por exemplo, uma enciclopédia ou um dicionário. O problema é que, ao recorrer sem parar às ferramentas tecnológicas para lembrar por nós, estamos abrindo mão de uma função importantíssima para nosso cérebro. Acho que precisamos usar computadores e celulares como auxiliares, não como substitutos”, opina.