Saúde

Em vez de ajudar no combate ao tabagismo, cigarros eletrônicos levam usuários a fumar mais

Segundo especialistas, os jovens são as maiores vítimas do perigoso artefato

Paloma Oliveto

A ideia é tentadora: continuar desfrutando dos prazeres do vício sem, contudo, colocar a saúde em risco. Foi com a promessa de ajudar a parar de fumar de maneira pouco traumática que os cigarros eletrônicos se tornaram populares. Produzidos sem tabaco, eles não fazem fumaça e são vendidos em diversos sabores, como aqueles que imitam o gosto dos produtos da Philip Morris e da Dunhill. Mas, além de haver evidências de que o vapor do e-cigarro seja nocivo ao trato respiratório, um estudo realizado entre quase 76 mil jovens mostrou que o equipamento não é eficaz para quem deseja se livrar da dependência. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proíbe a comercialização e o uso desse tipo de cigarro, mas é fácil comprá-lo na internet e no comércio informal, onde custa a partir de R$ 50.


De acordo com o novo artigo, publicado no Journal of Adolescent Health e realizado a partir de dados de uma pesquisa epidemiológica da Coreia do Sul, jovens de 13 a 18 anos que mostraram interesse em parar de fumar com a ajuda do dispositivo não só continuaram com o vício, como passaram a fumar em dobro. Um mês depois de adotar o método alternativo, os tabagistas estavam, na verdade, consumindo tanto o cigarro normal quanto o eletrônico.

Além disso, os pesquisadores estão preocupados com um percentual de adolescentes que nunca experimentou o cigarro tradicional, mas é fumante habitual do eletrônico. O estudo indicou que esse é o caso de 1,4% dos coreanos. “Esses jovens fazem parte do grupo que nunca fumou um cigarro normal e, por isso, é tradicionalmente considerado de baixo risco para o vício em tabagismo. Contudo, eles se tornaram dependentes da nicotina graças ao uso dos e-cigarros, o que significa que esses equipamentos representam um novo padrão de vício em nicotina entre adolescentes”, alerta Stanton A. Glantz, principal autor do artigo e pesquisador do Centro de Controle, Pesquisa e Educação sobre Tabaco da Universidade da Califórnia em São Francisco. O especialista também destaca que, em três anos (de 2008 a 2011), o uso de cigarro eletrônico pelos adolescentes coreanos aumentou 20 vezes.

Assim como o cigarro tradicional, a versão eletrônica tem nicotina. A diferença está na ausência de tabaco
Na pesquisa, foram analisados dados de 75.643 estudantes sul-coreanos, coletados pelo Ministério da Saúde do país. A equipe de Glantz concentrou-se nas perguntas e respostas sobre o uso de cigarro comum e eletrônico. Entre os fumantes, 40% dos que tentaram parar nos 12 meses que antecederam o questionário e não haviam conseguido também estavam usando os eletrônicos na época da pesquisa. As estatísticas mostraram que o risco de adotar o e-cigarro como hábito diário foi 1,58 vez maior no grupo dos tabagistas que tinham utilizado o dispositivo na tentativa de cessar o vício, comparado com fumantes de cigarro normal que não haviam feito essa investida.

Com nicotina
Embora não leve tabaco na composição, o cigarro eletrônico possui nicotina. Diferentemente do que acontece com as pastilhas e os adesivos usados no tratamento antifumo, essa substância vai para o pulmão do usuário. O aparelho é constituído por um atomizador (artefato que asperge o líquido em minúsculas gotas) e um cartucho vendido à parte, que contém a nicotina e o propilenoglicol, químico sem cheiro e sem sabor usado para criar a névoa falsa, semelhante à fumaça. Quando o fumante suga o ar pelo cigarro eletrônico, um sensor ativa a bateria, que aquece a ponta. Ela fica vermelha e quente, simulando um cigarro normal. Enquanto isso, o atomizador vaporiza o propilenoglicol e a nicotina. Na inalação, o vapor leva uma dose de nicotina aos pulmões, sendo que o resíduo do aerosol é exalado para o ambiente.

“Como em qualquer lugar, a publicidade do e-cigarro na Coreia vende o produto como se fosse um ajudante para parar de fumar, apesar do conhecimento por parte do governo que esse tipo de cigarro não é comprovadamente seguro nem eficaz”, observa o sul-coreano Sungkyu Lee, coautor do estudo e também pesquisador da Universidade da Califórnia em São Francisco “O problema é que alguns adolescentes estão respondendo ao apelo mercadológico, embora esse tipo de cigarro não tenha sido usado como um substituto, na realidade”, diz.

Para Lee, os adolescentes se tornam uma isca fácil para a indústria do e-cigarro porque aliam a falsa ideia de que o produto é inócuo à tradicional visão libertária associada a ele. “Os jovens estão sendo atraídos por diferentes sabores, além da imagem de independência e sexo associadas ao cigarro”, critica. “O que está acontecendo com essa versão eletrônica é o que já vimos no passado, quando a propaganda do cigarro normal passava essa mesma imagem e não havia alertas sobre os riscos à saúde.”

Diretora do Instituto de Pesquisa em Saúde da Universidade de Illinois em Chicago, a psicóloga Robin Mermelstein diz que os jovens são, hoje, a grande aposta da indústria do cigarro eletrônico. “Jovens estão sempre dispostos a testar novos produtos e experimentar uma variedade de novidades”, acredita. “Em relação ao cigarro eletrônico, esse é um novo produto que tem sido percebido como sendo seguro e alternativo ao tabaco, mas não sabemos, realmente, o quão mal ele pode fazer para a saúde”, adverte. Embora a indústria não se dirija especificamente a adolescentes, a psicóloga lembra que os sabores do líquido que abastece o dispositivo têm forte apelo entre esse público: chocolate, caramelo, morango e chiclete são alguns deles.

Menos restrições
Mermelstein, que pretende conduzir em Chicago uma pesquisa semelhante à realizada na Coreia do Sul, acredita que o e-cigarro possa aumentar o consumo do tabaco em fumantes. “Por exemplo, eles podem usar esse cigarro em ambientes onde fumar o cigarro normal é proibido. Com todas as restrições antitabagismo, os e-cigarros servem de ponte entre esses períodos em que eles não podem fumar. Então, em vez de facilitar as pessoas no processo de parar de fumar, esse produto está, na verdade, prolongando o vício”, opina.

O pesquisador Stanton A. Glantz diz que é urgente restringir o acesso ao cigarro eletrônico. Como o produto não contém tabaco, tanto nos EUA quanto na Coreia do Sul, ele escapa da legislação que incide sobre o cigarro normal, dispensando, por exemplo, a necessidade de o fabricante exibir alertas sobre os possíveis danos à saúde na embalagem. Além disso, crianças podem comprá-lo normalmente.

Uma nota técnica apresentada em agosto passado pela Golman Sachs indica que, nos últimos dois anos, as vendas de cigarro eletrônico dobraram. A estimativa é de que esse mercado feche 2013 com faturamento de US$ 1 bilhão apenas nos Estados Unidos. Por isso, o banco de investimentos internacional o incluiu na lista dos produtos mais economicamente promissores.

Para saber mais: sem aval da OMS
A Organização Mundial da Saúde não aconselha o uso de cigarros eletrônicos como alternativa para tratamento contra o tabagismo. De acordo com a OMS, faltam “dados mostrando que eles são seguros, eficazes e de qualidade aceitável”. Fabricantes do artefato chegaram a usar o nome e o logotipo da entidade como forma de garantia dos benefícios. A organização reagiu oficialmente em 2008, alegando que falta comprovação científica desse efeitos. No início deste mês, o Conselho Superior de Saúde da Bélgica, composto por pneumologistas, oncologistas e toxicologistas, divulgaram um documento defendendo que o artefato seja vendido apenas em farmácias. De acordo com especialistas, a eficácia do produto ainda não foi comprova e ele pode estar funcionando como “um cavalo de Troia para o verdadeiro cigarro”. No documento, há ainda a recomendação de que sejam realizados mais estudos sobre vantagens e desvantagens do cigarro eletrônico e a “proibição da afirmação de que eles fazem bem à saúde”.