Por que falar sobre o homem nesse último volume da coleção para a editora da Unesp, que você deu início com a História das mulheres no Brasil?
Essa é uma resposta ao vazio que existe desde os anos 1990, quando, em estudos de gênero, voltava-se apenas para a mulher. Em outros livros, também falo sobre as dificuldades pelas quais os homens estão passando e achei uma contrapartida interessante organizar um livro sobre o assunto neste momento. Percebi que outros colegas gostariam de tratar esse tema: como é a vida desse novo homem numa sociedade patriarcal e machista. A sociedade patriarcal também faz o homem sofrer com determinações do tipo “homem não chora”, “homem tem que dar no couro”, entre outras. Essa conjuntura de informações que fazem encher os consultórios de aconselhamento sexual nos leva a fazer uma reflexão do que ficou do passado e como o homem vive hoje. Antes, ele era o reizinho da casa, o todo-poderoso e, hoje, está fragilizado diante de mudanças não só no campo do trabalho. O homem brasileiro também é largado e abandonado pela mulher, que solicita mais os divórcios. Antes, o pai dava as ordens e, hoje, as relações são horizontais. Também houve uma infantilização do adulto.
Em meio à diversidade de facetas que um único homem apresenta, é possível descrever esse homem contemporâneo?
Não. Qualquer definição seria reducionista. O Brasil é plural e difere em cada região. Cada qual tem uma forma de pensar. Nos centros urbanos, já vemos uma maior consciência, uma parcela de homens pensando sobre esses novos papéis. Homens assumindo publicamente que são casados com outros homens e que têm filhos, por exemplo. Mas o impacto dessas transformações no Brasil chega em velocidades diferentes do que ocorre na Europa e nos Estados Unidos. A mídia e a tecnologia se encarregam de disseminar esses novos papéis, mas a maneira como são apreendidos varia de lugar para lugar. Muitas mulheres reclamam que o homem, hoje, não assume o papel do masculino. Seja como provedor, seja como amante.
O que leva essa perda da força viril do homem de compartilhar com a mulher a linha de frente das decisões da casa e do relacionamento?
Os consultórios estão lotados com essa queixa. Há muitos jovens com dificuldade de ereção e o consumo de Viagra no Brasil é assustador. Esse é um dado novo, que revela uma igualdade entre os parceiros e pede respeito ao momento em que o homem está cansado. O que devemos, então, é procurar as causas e não as consequências para esse estado. O que está por trás disso são essas novas mulheres, muito fálicas, desnudas. Lembro dos artigos do Jabor em que ele bate nessa tecla: mulheres como máquinas de fazer sexo, máquina de não envelhecer, de trabalhar… Assim, o homem brocha. Repensar as relações a partir desse novo homem vai ser uma coisa muito positiva para essa geração e para as próximas. Outra coisa que vamos ver nessa geração Y é a possibilidade do fim dos gêneros, esse conceito criado pelas universidades americanas para estudar o homem e a mulher vai acabar. Um dia se vive como homem, noutro se vive como mulher. Caso do Laerte, acredito. Só que ele parece uma tia velha e vamos ver isso entre os jovens. As tribos urbanas vão caminhar nesse sentido e vamos ter que exercitar nossa tolerância e concepção do outro de maneira mais afetiva. Com isso, a família muda, mas existirá sempre. É uma dessas instituições da humanidade e da cultura que se adapta às mudanças. Ela tem resiliência a essas transformações. Tanto que, hoje, tem-se uma família mosaico. Homens e mulheres e mil papéis.
Quando você faz uma reflexão sobre expressões como “homem não chora” e “bom cabrito não berra”, notam-se algumas das pressões sofridas pelo homem com o passar dos séculos e por conta de uma cultura machista e patriarcal. Quais são as pressões contemporâneas?
Outrora, o poder era dele, o comando era do pai. No século 19, mesmo com o fim dos monarcas, a vida burguesa transformou o homem em rei do lar. Hoje, é bem diferente. Não só pelas famílias-mosaicos, nas quais os homens transitam entre pai e padrasto, como também pelos homens homossexuais que adotam crianças. A própria legislação mudou a palavra “dever” para “cuidar” quando se refere ao papel do pai. No entanto, quando estão solteiros, eles buscam uma vida de juvenilização. Essas mudanças dentro e fora da casa são muito visíveis e mostram o quanto eles estão perdidos. Outra questão é a relação com a mulher. Há uma espécie de crepúsculo do macho, tratado em um dos textos do livro, em que se fala da liberação da mulher, da emancipação, da descoberta do sexo, e como tudo isso muda a imagem do machão. Porque, à medida que o machão passa a ser visto como alguém violento, como se via nos anos 1960 em filmes como West Side Story ou na figura de Marlon Brandon em Um bonde chamado desejo, essa figura começa a ser colocada em xeque. O machão começa a causar desconforto. Só que esse homem que substitui o machão ainda não encontrou seu lugar. Ele volta à figura do homem que consome a mulher como objeto de desejo. No texto, um antropólogo mostra que o momento em que a mulher se descola do papel de submissa e de par do machão, o cara se acomoda em um estado juvenil e patriarcal.
Por que os homens ainda não se rebelaram?
Aqui no Brasil, né? Na Europa, já existem grupos de homens que postulam essa noção de vítima das mulheres. Nos Estados Unidos, também há homens que querem maior participação na educação dos filhos, que falam o quanto são ignorados socialmente em detrimento das mulheres — fatores que acabaram vitimizando o homem. No prefácio, falo como é incrível o número de grupos de homens que se dizem vítimas das mulheres. Só que no Brasil, se um homem entra em um grupo desse, ele vai sentir preconceito. Ainda faltam aos homens uma consciência e a coragem para enfrentar uma nova posição.
Quando falamos de possíveis mudanças que o homem pode colocar em prática, elas estariam atreladas ao comportamento da mulher?
O que vemos no pano de fundo é que, de fato, as mulheres são protagonistas interessantes e fundamentais para delinear o papel dos homens. No Brasil, o problema do machismo está enraizado na mulher. Ela é a grande transmissora. É ela que fala para os filhos não lavarem a louça. Ela não deixa o homem fazer atividades em casa e toma a frente de tudo. Essa situação só mudará quando a mulher mudar. E, por enquanto, ela encontra seu papel social nessa figura que a completa: o homem. Ela quer ser imprescindível em casa e/ou na cama. Acho que estamos em um momento de grande tensão e sofrimento na sociedade. Essa geração tem que ser excepcional em casa, ser bonita, inteligente e gostosa. Elas ficam divididas entre filhos e trabalho. E ainda há outra tensão: as mulheres são extremamente violentas entre si. Houve uma fissura nos anos 1990, com a democratização da pílula e com uma reviravolta total na constituição familiar que aumentou o número de divórcios e o número de mulheres como chefes de família. Enquanto o véu da mulher for o espelho e ela só conseguir ser amada e desejada pelo olhar do homem, vamos continuar alimentando o machismo. Ela quer um homem para chamar de seu, mesmo que ele seja uma porcaria. E se não o tem, elas não conseguem caminhar com as próprias pernas. Tem gente que pode achar isso moralismo, mas basta acompanhar a vida de jovens que vivem uma pluralidade de relações. Há necessidade de uma maior educação para a mulher e para o homem. Em suma, o homem precisa sair da armadura do patriarcalismo, além de olhar para a mulher de outra forma. Acho que os homens têm que olhar para as mulheres pensando que podem ser parceiras e não apenas uma trepada ou uma mãe.