A médica Alline Maria Rezende Beleigoli avaliou, de forma pioneira no Brasil, o impacto do sobrepeso e da obesidade sobre a expectativa de vida em 1.606 pessoas acima de 60 anos. O acompanhamento foi feito ao longo de dez anos na cidade de Bambuí (MG) e levou em conta o índice de massa corporal (IMC), a circunferência abdominal (CA) e o biomarcador peptídeo natriurético tipo B (BNP), que vem sendo amplamente utilizado para diagnosticar, estratificar o risco e avaliar o tratamento em pacientes idosos com doenças cardiovasculares.
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A mesma surpresa aconteceu na análise da presença do BNP. Esse marcador é produzido pela sobrecarga do sistema cardiovascular. Embora a obesidade esteja associada a condições que geram essa sobrecarga, o estudo apontou níveis reduzidos de BNP em obesos . “Esses achados paradoxais apontam que as medidas do IMC e da quantidade de BNP não refletem adequadamente o risco de mortes entre os idosos brasileiros”, afirma a pesquisadora.
A circunferência abdominal, por outro lado, significou um pequeno aumento na mortalidade dos pacientes. “Para qualquer valor de IMC, o aumento da medida da cintura foi relacionado a aumento do risco. Embora discreto, este efeito não deve ser desconsiderado. Os testes foram repetidos dezenas de vezes e a influência desse fator se manteve”, explica Beleigoli.
A médica faz um outro alerta muito importante: ao contrário do que alguns podem pensar a partir desses resultados, a falta de cuidados com a saúde não traz benefícios. “Os idosos que praticavam atividade física viveram mais do que os sedentários, independentemente do IMC. A prática de exercícios traz mais mobilidade, densidade óssea e independência. Além disso, os fumantes morreram muito mais cedo. Ou seja: os bons hábitos, e não a magreza, podem ser a chave para uma vida mais longa”, revela Alline, reforçando que uma dieta rigorosa para perda de peso não significa, necessariamente, mais saúde.
Esta foi a primeira vez que uma população idosa foi acompanhada por tanto tempo para um estudo desse tipo no Brasil. Esses resultados paradoxais já haviam aparecido em pesquisas semelhantes realizadas nos Estados Unidos, Europa e Ásia, mas o tema é controverso e motiva debates apaixonados nas comunidades médica e científica.
Perguntas, respostas e limites
A pesquisadora alerta, no entanto, que o IMC acima de 33 significou uma taxa de mortalidade mais alta – ou seja, há limites bem claros para o 'efeito protetor' dos 'quilinhos a mais'.
Uma outra questão levantada pelo trabalho foi: qual é a definição exata do sobrepeso e da obesidade em idosos? Na medida em que envelhecem, as pessoas costumam ficar mais encurvadas e perder alguns centímetros de altura, o que não necessariamente significa que elas estão acumulando mais massa gorda no corpo – ou seja, uma pessoa com IMC mais elevado pode não ser obesa. “O IMC mede a massa em geral, tanto magra quanto gorda; e se comporta de forma diferente no jovem, no adulto e nos idosos. Este índice não pode ser levado ao pé da letra, tanto para determinar se alguém é obeso quanto para definir a necessidade de uma dieta de emagrecimento”, alerta a médica.
Uma outra explicação para os resultados pode ser a importância da gordura no corpo do idoso, servindo como reserva metabólica. Essa reserva ajuda na recuperação de algumas doenças. “Nós estamos acostumados a pensar que a gordura é sempre ruim, mas a massa gorda está no corpo por alguns motivos, nem todos negativos. E um deles pode ser essa reserva. Tanto os idosos magros quanto os idosos com sobrepeso sofriam de doenças diversas, mas o segundo grupo apresentou um aspecto melhor na recuperação”, afirma Alline.
Nova forma de diagnóstico
No caso do marcador biológico BNP, os pacientes obesos apresentavam baixas quantidades do peptídeo. “Isso pode ser explicado pelo fato de o BNP atuar no tecido adiposo, reduzindo a quantidade de gordura no organismo. Será que o fato de o obeso apresentar índice reduzido de BNP não é uma das causas da própria obesidade?”, questiona a pesquisadora.
A resposta a essa pergunta pode gerar uma nova forma de diagnóstico de doenças cardiovasculares em pessoas com excesso de peso. “Vamos considerar uma hipótese: para uma pessoa com peso normal, um índice de BNP superior a 100 é indicativo de insuficiência cardiovascular. No obeso, uma taxa menor já poderia ser considerada um alerta”, esclarece a pesquisadora.
Para Alline Beleigoli, o foco deve ser no estilo de vida saudável, mas sem preocupação excessiva com a perda de peso. É preciso avaliar quando um IMC alto realmente é sinal de falta de saúde. Mas a médica pondera que, embora idosos com sobrepeso ou leve obesidade tenham apresentado mais quantidade de vida; ainda não foi possível avaliar se eles tinham mais qualidade de vida. “Idosos que carregam mais peso podem sentir mais dores e ter dificuldade para andar, por exemplo. Essa questão deve ser analisada mais profundamente”, afirma a médica.
Os resultados da pesquisa apontam, no entanto, que o hábito de os profissionais de saúde indicarem um peso A ou B para os pacientes deve ser reavaliado. “Essa recomendação deve ser individualizada e considerar outros fatores. A indicação de emagrecimento não pode basear-se em apenas um índice”, explica a professora do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG.
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A população do estudo é formada pelos adultos com idade igual ou superior a 60 anos do 'Estudo de Bambuí sobre Saúde e Envelhecimento', pesquisa organizada pelo Instituto René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz. Por meio de entrevistas e exames anuais, a pesquisa está em andamento no município desde janeiro de 1997, sob coordenação da professora Maria Fernanda Lima Costa, que co-orientou o trabalho de Alline, ao lado do professor Antônio Luiz Pinho Ribeiro.
Das 1742 pessoas com mais de 60 anos à época do início da pesquisa, 1606 (92%) aceitaram participar. No início do estudo, 514 idosos apresentavam sobrepeso e 189 eram obesos.
Para a tese 'Relações entre medidas antropométricas, peptídeo natriurético tipo B e mortalidade em dez anos de idosos do estudo de Bambuí sobre saúde e envelhecimento', foram utilizados dados obtidos até 2007, além do monitoramento das certidões de óbito. O trabalho foi conduzido dentro do Programa de Pós Graduação em Ciências da Saúde do Adulto da Faculdade de Medicina da UFMG, e venceu o prêmio Capes de Teses 2013.