Desde que a obesidade começou a ser vista como um dos grandes males do século, uma corrente de médicos e cientistas caminha no sentido oposto: provar que ser gordinho e saudável é possível. Entre os argumentos estão exames clínicos atestando por A mais B que, mesmo fora do peso ideal, pressão arterial e colesterol podem estar em níveis satisfatórios e sadios. Os defensores dessa teoria podem se preparar para uma notícia desanimadora. Pesquisadores canadenses devolvem definitivamente à obesidade o lugar de maior vilão da saúde. Segundo pesquisa divulgada pelo time, ainda que com colesterol, glicose e pressão arterial normais, o excesso de “fofura” pode ser ainda fatal.
Nutricionistas e endocrinologistas do Hospital Mount Sinai, em Toronto, no Canadá, reuniram-se para derrubar de vez o mito do gordinho saudável. O estudo publicado na revista científica Annals of Internal Medicine, neste mês, analisou dados de mais de 61 mil pessoas, acompanhadas por cerca de uma década. Junto a esse monitoramento, os cientistas revisaram mais de mil trabalhos científicos em torno da temática feitos entre 1950 e 2013. “A informação sugere que o aumento do peso corporal não é condição benigna, mesmo com a ausência de problemas metabólicos, e é um argumento contra o conceito de obesidade saudável”, declarou Ravi Retnakaran, professor e pesquisador da Universidade de Toronto.
Os cientistas levantam a possibilidade de que as últimas pesquisas indicando que um obeso é tão saudável quanto alguém com o peso ideal provavelmente consideraram somente o peso e os fatores de risco para doenças sem aprofundar a avaliação da saúde metabólica real do indivíduo. Quando essa análise foi feita por eles, os resultados assustaram. O risco de infarto em pessoas acima do peso é 24% maior se comparado ao daquelas com peso saudável e sem distúrbios metabólicos.
A pesquisa não apenas alerta para o perigo das gordurinhas a mais. Ela também reforça as consequências graves que pessoas com problemas metabólicos, independentemente do peso, podem sofrer. De acordo com o trabalho, esse grupo apresenta o maior risco de eventos cardiovasculares, como acidentes vasculares cerebrais (AVC) e infartos, além da morte prematura. “Os dados sugerem que tanto os pacientes que são obesos e metabolicamente doentes quanto os que são obesos, mas metabolicamente saudáveis têm risco elevado de morte por doenças cardiovasculares. Nesse sentido, a ‘obesidade saudável’ pode ser considerada um mito”, conclui Retnakaran.
Para o diagnóstico do paciente com sobrepeso ou obeso, foi considerado o índice de massa corpórea (IMC). No primeiro caso, o resultado ficou entre 25 e 30. No outro, acima de 30. Segundo o presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Mário Kehdi Carra, o obeso hoje visto como metabolicamente saudável é aquele com açúcar, gordura e pressão sanguínea normais, entre outros marcadores. “O mito está na pessoa que fala que é gorda, mas tem saúde. Em algum momento, ela vai começar a ter problemas metabólicos. Mesmo que tenha só o sobrepeso.”
Carra detalha que a obesidade produz lentamente uma ação de resistência a diversos hormônios vinculados ao metabolismo. O mecanismo disso tudo é molecular, como se a célula fosse perdendo a capacidade de jogar fora as toxinas e, dessa forma, ficasse impossibilitada de metabolizar o açúcar e a gordura. A inflamação que a gordura provoca nas células seria o principal ator desse processo. “O paciente obeso é um inflamado crônico, ele está sempre como se estivesse na iminência de ter uma doença.”
Longo prazo
Além de reconhecer que não existe obesidade saudável, é preciso que a comunidade médica se concentre no tratamento da obesidade, como qualquer outra doença crônica que requer atenção a longo prazo. “É fato que, quando a pessoa tem um resultado de glicemia ou pressão alterado, todo mundo se preocupa. Quando é o peso alto, ninguém se preocupa. As pessoas sabem que têm que perder peso, mas não ligam e não encaram a obesidade como se fosse uma doença”, chama a atenção Maria Edna de Melo, diretora da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) e endocrinologista da Universidade de São Paulo.
Carra reforça o pensamento de Melo ao dizer que a obesidade é uma doença crônica. Uma vez com esse diagnóstico, o paciente terá a doença para a vida inteira. “Você pode diminuir de peso, controlar a doença, mas, no dia em que reduzir em 50% a atividade física, a obesidade vai voltar, como o diabetes e a hipertensão”, afirma. O médico, porém, afirma que, ao diminuir 10% do peso, o obeso melhora cerca de 70% da saúde.
» Risco de vida
Designa um conjunto de fatores de risco ou valores analíticos cuja base é a resistência insulínica. Segundo os critérios brasileiros, a síndrome metabólica acontece quando estão presentes três dos cinco critérios: obesidade central, hipertensão arterial, glicemia alterada ou diagnóstico de diabetes, altos níveis de triglicerídeos e colesterol. Nesse caso, há um risco de mortalidade geral duas vezes mais alto que na população normal e de mortalidade cardiovascular três vezes maior.
Fim de um mito
“Esse conceito do obeso saudável não procede. Como o próprio estudo demonstrou, após mais de 10 anos, os indivíduos que são obesos, apesar de terem o perfil metabólico favorável, têm o risco aumentado de eventos cardiovasculares. Mesmo com todos esses parâmetros normais — pressão arterial, insulina em jejum, colesterol LDL —, tardiamente eles terão um risco maior que aqueles com peso normal e índices ideais. Não é totalmente esclarecido como isso acontece. Nós sabemos que o tecido adiposo que está aumentado no indivíduo obeso tem uma ação metabólica e secreta substâncias que têm efeito inflamatório. O tecido gorduroso é metabolicamente ativo. Ele absorve e secreta substâncias e acredita-se que isso possa estar envolvido diretamente nessa evolução. Existem algumas teorias, mas a corrente mais forte vê a ação do tecido adiposo como se fosse um órgão e, pelo fato de existir em excesso, provoca a desregulação hormonal e outros diversos fatores inflamatórios. Isso é a obesidade isoladamente. O ‘obeso saudável’ incorre ainda assim no risco aumentado no desenvolvimento de doenças cardiovasculares e, em especial, a doença arterial aterosclerótica, que pode acometer o coração na forma de infarto; os vasos do sistema nervoso central, levando a um acidente vascular cerebral; ou mesmo outros vasos.”
João Luis Barbosa, cardiologista do Instituto Nacional de Cardiologia
Nutricionistas e endocrinologistas do Hospital Mount Sinai, em Toronto, no Canadá, reuniram-se para derrubar de vez o mito do gordinho saudável. O estudo publicado na revista científica Annals of Internal Medicine, neste mês, analisou dados de mais de 61 mil pessoas, acompanhadas por cerca de uma década. Junto a esse monitoramento, os cientistas revisaram mais de mil trabalhos científicos em torno da temática feitos entre 1950 e 2013. “A informação sugere que o aumento do peso corporal não é condição benigna, mesmo com a ausência de problemas metabólicos, e é um argumento contra o conceito de obesidade saudável”, declarou Ravi Retnakaran, professor e pesquisador da Universidade de Toronto.
Os cientistas levantam a possibilidade de que as últimas pesquisas indicando que um obeso é tão saudável quanto alguém com o peso ideal provavelmente consideraram somente o peso e os fatores de risco para doenças sem aprofundar a avaliação da saúde metabólica real do indivíduo. Quando essa análise foi feita por eles, os resultados assustaram. O risco de infarto em pessoas acima do peso é 24% maior se comparado ao daquelas com peso saudável e sem distúrbios metabólicos.
A pesquisa não apenas alerta para o perigo das gordurinhas a mais. Ela também reforça as consequências graves que pessoas com problemas metabólicos, independentemente do peso, podem sofrer. De acordo com o trabalho, esse grupo apresenta o maior risco de eventos cardiovasculares, como acidentes vasculares cerebrais (AVC) e infartos, além da morte prematura. “Os dados sugerem que tanto os pacientes que são obesos e metabolicamente doentes quanto os que são obesos, mas metabolicamente saudáveis têm risco elevado de morte por doenças cardiovasculares. Nesse sentido, a ‘obesidade saudável’ pode ser considerada um mito”, conclui Retnakaran.
Para o diagnóstico do paciente com sobrepeso ou obeso, foi considerado o índice de massa corpórea (IMC). No primeiro caso, o resultado ficou entre 25 e 30. No outro, acima de 30. Segundo o presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Mário Kehdi Carra, o obeso hoje visto como metabolicamente saudável é aquele com açúcar, gordura e pressão sanguínea normais, entre outros marcadores. “O mito está na pessoa que fala que é gorda, mas tem saúde. Em algum momento, ela vai começar a ter problemas metabólicos. Mesmo que tenha só o sobrepeso.”
Carra detalha que a obesidade produz lentamente uma ação de resistência a diversos hormônios vinculados ao metabolismo. O mecanismo disso tudo é molecular, como se a célula fosse perdendo a capacidade de jogar fora as toxinas e, dessa forma, ficasse impossibilitada de metabolizar o açúcar e a gordura. A inflamação que a gordura provoca nas células seria o principal ator desse processo. “O paciente obeso é um inflamado crônico, ele está sempre como se estivesse na iminência de ter uma doença.”
Longo prazo
Além de reconhecer que não existe obesidade saudável, é preciso que a comunidade médica se concentre no tratamento da obesidade, como qualquer outra doença crônica que requer atenção a longo prazo. “É fato que, quando a pessoa tem um resultado de glicemia ou pressão alterado, todo mundo se preocupa. Quando é o peso alto, ninguém se preocupa. As pessoas sabem que têm que perder peso, mas não ligam e não encaram a obesidade como se fosse uma doença”, chama a atenção Maria Edna de Melo, diretora da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) e endocrinologista da Universidade de São Paulo.
Carra reforça o pensamento de Melo ao dizer que a obesidade é uma doença crônica. Uma vez com esse diagnóstico, o paciente terá a doença para a vida inteira. “Você pode diminuir de peso, controlar a doença, mas, no dia em que reduzir em 50% a atividade física, a obesidade vai voltar, como o diabetes e a hipertensão”, afirma. O médico, porém, afirma que, ao diminuir 10% do peso, o obeso melhora cerca de 70% da saúde.
» Risco de vida
Designa um conjunto de fatores de risco ou valores analíticos cuja base é a resistência insulínica. Segundo os critérios brasileiros, a síndrome metabólica acontece quando estão presentes três dos cinco critérios: obesidade central, hipertensão arterial, glicemia alterada ou diagnóstico de diabetes, altos níveis de triglicerídeos e colesterol. Nesse caso, há um risco de mortalidade geral duas vezes mais alto que na população normal e de mortalidade cardiovascular três vezes maior.
Fim de um mito
“Esse conceito do obeso saudável não procede. Como o próprio estudo demonstrou, após mais de 10 anos, os indivíduos que são obesos, apesar de terem o perfil metabólico favorável, têm o risco aumentado de eventos cardiovasculares. Mesmo com todos esses parâmetros normais — pressão arterial, insulina em jejum, colesterol LDL —, tardiamente eles terão um risco maior que aqueles com peso normal e índices ideais. Não é totalmente esclarecido como isso acontece. Nós sabemos que o tecido adiposo que está aumentado no indivíduo obeso tem uma ação metabólica e secreta substâncias que têm efeito inflamatório. O tecido gorduroso é metabolicamente ativo. Ele absorve e secreta substâncias e acredita-se que isso possa estar envolvido diretamente nessa evolução. Existem algumas teorias, mas a corrente mais forte vê a ação do tecido adiposo como se fosse um órgão e, pelo fato de existir em excesso, provoca a desregulação hormonal e outros diversos fatores inflamatórios. Isso é a obesidade isoladamente. O ‘obeso saudável’ incorre ainda assim no risco aumentado no desenvolvimento de doenças cardiovasculares e, em especial, a doença arterial aterosclerótica, que pode acometer o coração na forma de infarto; os vasos do sistema nervoso central, levando a um acidente vascular cerebral; ou mesmo outros vasos.”
João Luis Barbosa, cardiologista do Instituto Nacional de Cardiologia