Cena 1: mulher cheia de sacolas, feliz, entrando e saindo de lojas de sapatos a produtos para casa. Cena 2: homem contente, carregado de sacolas, adquirindo de CDs a gravatas. Cena 3: mulher e homem insatisfeitos, tristes e sofrendo por compras que são uma resposta inócua por trás de um comportamento patológico. Indivíduos incapazes de controlar os impulsos.
De acordo com a psicóloga, a compra compulsiva ou oniomania é caracterizada por atos excessivos, incontroláveis, repetitivos e irresistíveis em comprar, seja diante de um apelo, um evento ou sentimentos negativos, que resultam em prejuízos significativos no funcionamento social, familiar e financeiro. "Os indivíduos acometidos por esse transtorno apresentam pensamentos invasivos e repetitivos que tendem a aumentar a fissura em obter, induzindo o sujeito a fazer gastos desnecessários."
Na opinião do médico Maurício Leão, presidente da Associação Mineira de Psiquiatria (AMP), a compulsão de compras vai da normalidade à doença. "Nossa sociedade consumista estimula e induz o consumo. A cultura do consumismo tem incentivo externo e pode sofrer interferências do psiquismo. Nesse caso, como mecanismo de compensações para angústias, sentimentos de perda e frustrações. A compra se torna compensação na condição de diminuir o sofrimento, por alívio e até prazer."
Estudos recentes indicam maior prevalência da oniomania em mulheres e estima-se algo em torno de 2% a 8% da população em geral, sem vinculação à classe social da pessoa. "Indivíduos com essa vontade irresistível tendem a ser dominados na ação de comprar muitos itens sem escolher o objeto de desejo real. O alívio das tensões só vem por meio das compras. Mas, em seguida, são tomados pelo sentimento de culpa, remorso e vergonha. Cria-se então um ciclo vicioso." A psicóloga apresentou seu projeto de pesquisa sobre os transtornos de controle dos impulsos em que desenvolve um protocolo de tratamento para compradores compulsivos por meio de técnicas cognitivo-comportamentais.
A dificuldade da pessoa em aceitar e assumir esse transtorno também esbarra na divergência da classificação diagnóstica. Priscilla Lourenço explica que antes o transtorno de comprar pertencia à categoria de transtorno espectro obsessivo compulsivo. Contudo, como a compra é entendida como busca imediata de prazer e não redução de ansiedade, ela estaria inserida no transtorno de controle dos impulsos, definido no último DSM-5 (manual diagnóstico e estatístico feito pela Associação Americana de Psiquiatria).
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“Estima-se uma taxa de prevalência de até 32% na associação de pacientes com diagnóstico para compras compulsivas com depressão, por causa da íntima relação entre a fissura precedida à compra, em que o alívio imediato obtido por meio da aquisição tende a reduzir sintomas e sensações tidas como desconfortáveis, diminuindo, momentaneamente, a depressão e a ansiedade”, diz a psicóloga.
SOFRIMENTO
Priscilla reforça que muitos pesquisadores definem a compra compulsiva como transtorno do espectro obsessivo-compulsivo, uma vez que essa desordem apresenta elementos do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), bem como componentes dos transtornos de controle dos impulsos. Ou seja, os compradores compulsivos têm uma obsessão com a compra e uma compulsão que os leva a aquisições excessivas e repetitivas. “O desejo de comprar faz com que o indivíduo obtenha um produto independentemente de sua necessidade, no intuito de amenizar sua vontade. Essa compra não é planejada e é desnecessária", diz.
Por dentro da oniomania
Características do transtorno:
Preocupação excessiva e perda de controle sobre o ato de comprar
Aumento progressivo do volume de compras
Tentativas frustradas de reduzir ou controlar as compras
Comprar para lidar com a angústia, ou outra emoção negativa
Prejuízos nos âmbitos social, profissional e familiar
Problemas financeiros causados por compras
Roubo, falsificação, emissão de cheques sem fundos ou outros atos ilegais para poder comprar, ou pagar dívidas.
Tipos de tratamento:
Acompanhamento médico psiquiátrico individual
Grupo de apoio na abordagem cognitivo-comportamental
Psicoterapia individual/motivacional
Acompanhamento familiar
Fonte: Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso (Pro-Amiti), serviço do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Angústia, estresse e ideia fixa
Entre os critérios de diagnóstico do comprador compulsivo estão a preocupação frequente com as compras (ruminação), comprar acima das possibilidades e objetos que não precisa, angústia e estresse, entre outros. Essa listagem é sugerida pela psiquiatra e professora norte-americana Susan McElroy e sua equipe da Universidade de Cinccinati, estudiosos no tema de muitos anos.
Conforme a psicóloga Priscilla Lourenço, os pacientes têm similaridade com o modelo de colecionismo (ser colecionador não significa ter um transtorno) e o transtorno pode acometer pessoas perfeccionistas, rígidas, com histórico de abandono, problemas de afetividade, que não entendem a real necessidade do bem. Mas esse sofrimento tem remédio, ainda que haja poucos estudos mais aprofundados, "mesmo o tema merecendo atenção e exploração, já que a compra compulsiva é um transtorno da atualidade e aumenta a cada ano."
Quanto ao diagnóstico, Priscilla adaptou e validou um procedimento de acordo com o perfil da população brasileira a partir de estudos de Faber e O. Guinn (1992) na composição de uma escala, chamada Compulsive Buying Scale (escala de compra compulsiva) e a versão da Richmond Compulsive Buying Scale de Ridgway, Kukar-Kinney e Monroe (2008).
SAÚDE MENTAL
No ato de comprar, estão presentes vários sintomas como manias, depressão e a forma inconsequente de lidar com as finanças. "Ao sair da esfera da cultura contemporânea e se tornar um consumo desenfreado, gerar sofrimento, trazer prejuízo emocional e perda do contato com a realidade, o tratamento é buscar um profissional da saúde mental que definirá a forma adequada, efetiva e rápida com associação medicamentosa e com psicoterapia. A cura vai depender do diagnóstico, da gravidade da situação e da resposta ao tratamento, que vai do quadro agudo e acompanhamento por tempo indeterminado até o caminho da cura", diz Maurício Leão.