Down (o antigo Bang With Friends, em que se selecionam os interesses para uma transa), Anomo (para quem não quer se identificar), Grindr (nos moldes do Tinder, mas direcionado para gays), Brenda (para o público lésbico) e Badoo (que também é uma rede social e um dos pioneiros entre os aplicativos) são alguns exemplos de uma lista que parece estar longe de terminar. De olho na adesão mundial, desenvolvedores de aplicativos ampliaram a oferta e lançaram os polêmicos Lulu – em que as mulheres avaliam os homens – e o Tubby, para eles as avaliarem. Mas na última sexta-feira foi revelado que o Tubby não passava de um boato. O anúncio aconteceu dois dias após a decisão da 15ª Vara Criminal de Belo Horizonte, que proibiu o app de ser disponibilizado no Brasil.
Tudo, na verdade, não passa de uma atualização de recursos antigos. Programas de namoro no rádio e na TV, serviços de teleamizade e os próprios sites de relacionamento, ainda bastante procurados, nada mais são do que tecnologia para unir possíveis pares. Muda o dispositivo. E a amplitude. Atrelados a redes sociais como o Facebook, os aplicativos de paquera têm um número de participantes sem precedentes. Está aí também o perigo dos que avaliam performance como o Lulu: uma informação – nem sempre favorável – pode ser reproduzida e compartilhada para milhares de pessoas.
Os riscos de violência na internet – entre elas o bullying – e de um esvaziamento da interação presencial, entretanto, não são os únicos temores dos especialistas ouvidos pelo Bem Viver. A superficialidade do primeiro contato, a banalização da paquera e o culto à aparência também preocupam. Certos de que é apenas uma moda, que logo será substituída por outra, estudiosos do comportamento humano e das questões de gênero estão atentos à realidade que favorece fenômenos como esse, mas também à herança deixada por eles.
Resta saber: a qualidade desses encontros é maior ou menor em relação aos que ocorrem de forma presencial ou o ambiente dos aplicativos nada mais é que uma reprodução da sociedade?
Paquera virtual, por quê?
Encontrar alguém por perto: no mesmo bar, no mesmo bairro, na mesma cidade. A ferramenta de localização geográfica, que relaciona os usuários mais próximos, é o diferencial dos novos aplicativos de paquera. E o que tem feito a diferença. A adesão em massa leva cada vez mais pessoas a esse tipo de app. Afinal, as chances de conhecer alguém interessante em um universo tão grande tornam-se mais reais. Quais seriam, entretanto, os motivos de tamanho sucesso? Por que homens e mulheres, héteros e gays, gente de todas as idades, estariam buscando ajuda?
O “real”, o tradicional, o presencial parece já não bastar. O fenômeno dos aplicativos de paquera é a cara da contemporaneidade: falta tempo, sobra tecnologia. Para a psicóloga e psicanalista Eliana Rodrigues Pereira Mendes, presidente do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, a vida tornou-se tão complexa que o encontro casual, possível no passado, já não é suficiente. As cidades teriam tomado magnitude capaz de dificultar encontros. Mas não é só isso. Para a especialista, talvez a fórmula barzinho esteja um pouco desgastada, o que daria ainda mais possibilidades aos sites, redes sociais e aplicativos de paquera.
O gerente de contas R.S., de 33 anos, descobriu o Tinder há poucas semanas e tem conversado com uma garota que chamou sua atenção, mas o papo ainda não saiu do aplicativo. Recém-saído de um longo relacionamento, achou no app um jeito mais fácil de voltar à paquera. “Na teoria, quem está lá é solteiro e procura alguma coisa. É um jeito diferente de conhecer pessoas, mas não sei dizer se é mais eficaz. Um terço do trabalho, entretanto, fica resolvido. Quando nos interessamos por alguém, precisamos saber se somos correspondidos. No Tinder essa parte está resolvida”, acredita.
O interesse inicial é totalmente pautado na aparência, nada diferente do que ocorre fora dos aplicativos. Na lista de pessoas apresentadas pelo Tinder (é possível escolher o sexo de interesse, idade e raio de distância), coloca-se de um lado quem chama a atenção e de outro quem nada despertou. Tudo pela foto, apesar de o aplicativo também sinalizar amigos e interesses em comum a partir do cruzamento de dados com o Facebook. Para Eliana Mendes, esse seria outro fenômeno de nosso tempo: a ultravalorização da aparência.
“Na sociedade em que vivemos, não basta namorar alguém. É preciso namorar o mais bonito, o mais interessante, aquele que desperta inveja. Estamos voltando aos tempos de Esparta: as pessoas precisam ser maravilhosas. A isso se soma um decréscimo dos valores mais simbólicos da sociedade: compromisso, honra, respeito, amabilidade, coisas que hoje têm menor valor. O self-service é uma boa metáfora para nosso tempo. Temos abundância de escolhas, mas nos perdemos nelas. Entre fazer uma escolha harmonizada, somos despertados pelo mais bonito e corremos o risco de uma decisão indigesta”, defende.
SUCESSO Foi Grindr – o aplicativo de paquera direcionado para gays – o primeiro a fazer sucesso. De repente, o celular, sempre à mão, ganhava mais uma função: tornava-se um radar capaz de identificar os rapazes solteiros mais próximos. As meninas que gostam de meninas logo ganharam seu equivalente: o Brenda. Pesquisadora da lesbianidade na ficção, a doutoranda Adriana Agostini, de 45 anos, descobriu o aplicativo no início do ano em uma pesquisa rotineira por produtos direcionados a esse público. Além do interesse de pesquisa, havia também um interesse pessoal.
Assinante de um site de relacionamento internacional há alguns anos, Adriana já conhecia o formato do matchmaker, que cruza perfis por afinidade e interesses comuns, e enxergou no Brenda mais uma possibilidade de conhecer alguém. Não vê, contudo, algo tão diferente da realidade presencial. "No final, esses aplicativos refletem o que encontramos pelas ruas: nos bares, a maioria é muito jovem, tem gente feia, gente bonita. A facilidade é essa localização imediata das lésbicas mais próximas, pois esses aplicativos, com essa ferramenta da localização geográfica, fazem essa identificação", explica.
Não se espera que uma mulher heterossexual faça um perfil no Brenda. Esse seria outro diferencial do app: ali a pessoa já está se posicionando. E, mais uma vez, há ali uma reprodução da sociedade . "Algumas pessoas continuam no armário. Tem muito perfil sem foto, com foto de paisagem, com nicknames. Mesmo em um aplicativo em que, a princípio, as pessoas deveriam relaxar, muitas mulheres, receosas, continuam no armário. Acho engraçado. Nunca entrei para ver, mas será que em um aplicativo para héteros tem gente que esconde a cara?", questiona.
Para Adriana, o público jovem é maioria e as estrangeiras aproveitam melhor o aplicativo. Na Espanha, onde passou as férias, recebeu dicas de lugares e restaurantes que deveria conhecer e chegou a sair com um grupo de meninas que conheceu pelo aplicativo. No Brasil, responde às mulheres que puxam papo, mas nunca conheceu ninguém pessoalmente. Até semana passada, quando teve um problema de saúde na família, uma emergência, pediu ajuda a uma médica com quem tinha teclado pelo Brenda, mas não conhecia pessoalmente. Uma outra garota, veterinária, também já tinha dado indicações para o tratamento de Frida, sua inseparável schnauzer.
Se existem ou não segundas intenções, fato é que para Adriana o Brenda tem se revelado também uma rede solidária. Faz sentido, já que o aplicativo tem pessoas com os mesmos interesses. Relacionamentos podem surgir, assim como amizades. Afinal, a ideia é unir pessoas afins. "O aplicativo é útil, traz facilidades, mas as pessoas não podem ficar escravas de nenhuma tecnologia. Não é para chegar no bar, abrir o app e talvez perder a oportunidade de paquerar alguém que está na mesa ao lado. O olho no olho é sempre mais gostoso. Já tive vários ganhos, mas a namorada ainda não apareceu", brinca.
Polêmicos e perigosos
Vale menos que um pão na chapa. Fica pra dormir. Filhinho da mamãe. Usa mais o espelho que eu. Lava e cozinha. Dorme de conchinha. Perfeito pra minha irmã. Mãos mágicas. Deveria vir com o manual. Prefere o videogame. As frases, em formato de hashtags (palavras-chave), fazem parte da lista do Lulu, o polêmico aplicativo que classifica o desempenho dos homens. Seu correspondente feminino, o Tubby, prometeu opções mais pesadas: uma possível vingança dos homens à vingança das mulheres.
O Tubby chegou a ser proibido de operar no Brasil. A decisão foi do juiz Rinaldo Kennedy Silva, da Vara Especializada de Crimes Contra a Mulher de Belo Horizonte, que aceitou o pedido de uma medida cautelar feito por diversas associações femininas. A ação teve base na Lei Maria da Penha (11.340/06), por promover a violência contra a mulher. Descobriu-se, nesta semana, que o aplicativo não passava de uma “pegadinha”, fato que ajudou a jogar ainda mais lenha na discussão.
Uma nota, uma avaliação. Tudo compartilhado, publicizado em uma rede social sem que a vítima nem sequer seja informada. Para a psicanalista Eliana Mendes, os homens sempre classificaram e avaliaram as mulheres entre os amigos. As mulheres que aderiram ao aplicativo estariam, claramente, dando um troco, como se isso fosse um sinal de poder. Professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marlise Matos também vê o Lulu como uma forma machista de agir produzida pelas próprias mulheres: uma forma ainda apequenada, mesquinha, de revanchismo.
Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher e Centro do Interesse Feminista e de Gênero, Marlise acredita que as mulheres que se entusiasmam com essas novidades não teriam a completa clareza de que, agindo assim, colaboram para reforçar uma sociedade desigual, injusta e antidemocrática em relação aos gêneros. O grande problema de tal comportamento seria deslegitimar a vontade das feministas de ver estabilizada, entre homens e mulheres, uma nova cultura e política para as relações de gênero que não seja mais uma ofensiva machista e sexista.
A estudante universitária C.B.C., de 23 anos, tem um pé atrás com os aplicativos da moda. Chegou a baixar o Tinder, que a princípio lhe pareceu um cardápio. “Os feios são colocados de um lado e os bonitos de outro. Isso é tratar a pessoa como um produto”, defende a garota, que conheceu um rapaz pessoalmente. Mas para o Lulu não valeu a mesma lógica. “Entrei e achei engraçado. Tem que sacanear. Estava de rolo com um menino e dei nota zero para ele só para não fazer propaganda do produto. Mas acho o Lulu pesado.”
Trata-se de um fenômeno da “sociedade do espetáculo”, com sua cultura permanente do efêmero, do volátil e da necessidade de interação imediata, simultânea e on-line. Para a pesquisadora, muitas mulheres fazem isso porque acham engraçado, afirmam que se trata apenas de mais uma “brincadeira”, e não se dão conta de como, por meio desse tipo de comportamento, o que estão fazendo, de fato, é atingir diretamente a vida de todas as mulheres, especialmente das jovens e adolescentes, já cansadas de ter, permanentemente, uma exposição brutal e violenta da sua vida sexual e privacidade.
É o que mais preocupa. A disseminação de aplicativos como o Lulu fortalece as muitas práticas, já existentes, da interminável violência contra as próprias mulheres. “Comportar-se dessa forma é perpetuar o ciclo da violência de gênero que tanto tentamos combater. É agir para gerar ainda mais sofrimento, mais dor e até mesmo morte (como a adolescente gaúcha que se suicidou depois de ter uma foto íntima disseminada na internet). Evidente que os homens irão ‘reagir’, e desta vez com ainda mais violência. Podemos esperar por isso”, acredita.
Historicamente, o feminismo tem tentado desconstruir a complexa e perversa engrenagem sociopolítica que, invariavelmente, coloca as mulheres no lugar de objetos – quando não de mercadorias – e não de agentes, de sujeitos, de protagonistas de sua própria história. “Quando lançamos mão de um aplicativo na internet, com características de expansão, que são infinitas, e que faz, exatamente, a mesma coisa com os homens, ou seja, que os torna objetos de nossa avaliação, há algo muito equivocado.”
Para os mais experientes
Avaliadores de desempenho podem até ser novidade. Já o modelo de cruzar interesses para encontrar pessoas afins está consolidado. Sites de relacionamento como o Coroa Metade, focado no público com mais de 40 anos, existem há anos. Esse tipo de endereço eletrônico chega a representar 19% do tempo que usuários passam na internet, segundo dados da Experian Hitwise. O objetivo é o mesmo dos aplicativos, até o formato. O que muda é a mobilidade dos apps, que levaram a experiência para fora de casa.
A esteticista Régia Márcia de Souza, de 55 anos, entrou no primeiro site de relacionamento em 2003, logo depois de se separar. De lá até aqui já conheceu várias pessoas interessantes e chegou a namorar. Isso não muda a expectativa de conhecer alguém com a ajuda da tecnologia. Na próxima semana, quando faz aniversário, ela vai receber em Uberlândia, onde vive, a visita de Mário, que conheceu nesse ambiente dois meses atrás.
“Gosto muito de entrar na internet e tenho pouco tempo para sair. O site facilitou para eu encontrar pessoas”, conta. Segundo o dealizador do Coroa Metade, Airton Gontow, o que facilita os encontros é a capacidade de buscar um companheiro ou companheira de acordo com as características que a pessoa deseja. E na onda dos aplicativos, ele acredita que a tendência é os dispositivos ficarem cada vez mais interativos. “Felizmente, hoje e no futuro, a melhor e mais importante ferramenta ainda é o ser humano. A internet é apenas uma maneira de aproximar as pessoas. Nada substitui o encontro real.”