Saúde

Sobram dúvidas sobre a contracepção logo após o nascimento de um filho

A amamentação dificulta uma nova gestação, mas ela pode acontecer. Levantamento indica que 12% das lactantes engravidam antes de o bebê completar seis meses

Mírian Pinheiro

Mal havia se adaptado à nova realidade, a de ser mãe, Gyselle Macoski Leite, 33 anos, foi surpreendida com um presente inusitado do destino: a gestação de Carolina. A funcionária pública sempre quis ter dois filhos com idades próximas. Mas, apesar do sonho realizado, “a diferença não precisava ser assim tão pequena”, avalia. Afinal, quando soube da segunda gravidez, havia apenas cinco meses do nascimento de Gabriel. “Bateu um desespero, pois eu estava me adaptado ao primeiro filho. Praticamente voltei da licença-maternidade e engravidei de novo”, relembra. Hoje, o casal de crianças tem 4 e 5 anos. Se tivesse tido mais informações sobre métodos contraceptivos durante o resguardo, Gyselle acredita que o intervalo entre as certidões de nascimento teria sido maior.


Gyselle descobriu a gravidez de Carolina quando Gabriel tinha cinco meses: faltou informação sobre o melhor método contraceptivo
Inúmeros fatores, como falta de informação, amamentação, amenorreia, demora para retornar à vida sexual e menores intenções reprodutivas, levam as mulheres a não se protegerem de uma nova gravidez logo após o nascimento de um filho. Embora a amamentação consiga dar à mãe um bom grau de proteção até seis meses depois do parto, atrasando a ovulação e o retorno da menstruação, é aconselhável o uso de um método contraceptivo combinado. Um levantamento publicado no mês passado pelo Population Council, uma organização não governamental que realiza pesquisas internacionais em saúde pública, constatou que, no mundo, 12% das mulheres que estavam amamentando e sem menstruar engravidaram em seis meses após o parto. Além disso, 26% das lactantes já estavam ovulando nesse período.

Segundo especialistas, a contracepção deve ser iniciada praticamente logo após o nascimento do bebê. Entre 30 e 40 dias, a mulher precisa ser submetida a uma bateria de exames que avaliará o estado do útero, dos ovários e das mamas. É aí que ela saberá se estará ou não liberada para atividades sexuais. Nesse período, ela já deve considerar o planejamento familiar. Os especialistas aconselham que o método seja pesquisado já no pré-natal. No entanto, é importante que a escolha do tratamento passe indispensavelmente pela avaliação do médico. Isso porque o método errado poderá influenciar diretamente a amamentação e, portanto, o crescimento do bebê.

“A informação das pacientes é quase zero. Elas realmente não conhecem os métodos contraceptivos e não sabem quais podem ser usados. Os anticoncepcionais comuns, à base de estrogênio, podem influenciar na lactação e no crescimento do recém-nascido. Por isso elas não devem utilizar o contraceptivo que tomavam antes de engravidar. Outras vezes, acham que só a amamentação é suficiente para prevenir a gravidez e, embora seja mais difícil engravidar nesse período, há uma boa chance”, adverte José Bento, ginecologista e obstetra dos hospitais Albert Einstein e São Luís, em São Paulo.

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De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), além de diminuir a quantidade de leite, os contraceptivos orais com estrogênio aumentam o risco de tromboembolismo venoso, quando um coágulo bloqueia o fluxo de sangue dentro de um vaso sanguíneo. Dependendo do grau de obstrução, ela pode ser fatal.

Alternativa
Um estudo feito por pesquisadores da Universidade de Campinas e publicado em agosto deste ano no periódico Fertility and Sterility indica os dispositivos intrauterinos e os anticoncepcionais à base do hormônio sintético progestógeno para as mamães. Essas opções não geraram efeitos adversos nas mulheres e nos recém-nascidos. De acordo com o experimento, até nove semanas após o nascimento da criança, a produção e o consumo de leite não foram afetados pela terapia hormonal nem pelo DIU.

Saumya RamaRao, representante da Population Council, afirma que as lactantes e as mulheres no pós-parto fazem parte do grupo que menos recebe informações sobre contraceptivos. “Isso leva a resultados deficientes de saúde para mães e bebês. Uma análise multinacional descobriu que 17% das mulheres dizem que não usam contraceptivos por estarem amamentando. Existem variações regionais, que vão de 11% no sudeste da Ásia, passando por 17% na África Subsaariana e chegando a 19% no sul da Ásia Central”, detalha.

 

Causas múltiplas
É a ausência da menstruação. Pode acontecer em decorrência do estresse e de tumores, mas a gravidez é a causa mais comum. Mulheres que praticam exercícios físicos exaustivamente, seguem dietas radicais e utilizam hormônios masculinos também podem ter amenorreia. O tratamento pode ser feito com hormônios e até mesmo com psicoterapia, no caso das amenorreias psíquicas. Pacientes obesas podem ser aconselhadas a perder peso.


Difícil de emagrecer
Mãe de primeira viagem, Gysel-le conta que, além das dificuldades de lidar com duas crianças pequenas, há outras dores de cabeça, como o ganho de peso, em casos de gestações muito próximas. “Eu ainda não tinha perdido os 20kg que havia ganhado na primeira gestação. Como engravidei novamente, ficou mais difícil emagrecer”, conta a mãe de Gabriel e Carolina. Uma pesquisa publicada, em abril, no Maternal and Child Health Journal revela que ter filhos em um intervalo curto de tempo pode aumentar a morbidade — a capacidade de ter doenças — e mortalidade materna.

O consórcio de pesquisadores dos EUA descobriu ainda que as mulheres com vários filhos nascidos em intervalos curtos, com ou sem ganho excessivo de peso na gravidez, tiveram um risco substancial de obesidade após o parto em comparação àquelas que pariram em períodos de tempo maiores. Os resultados sugerem que o intervalo de 18 a 23 meses pode ser o ideal para a prevenção de resultados adversos para mãe e bebê. “Intervalos menores de 12 meses não fornecem o tempo adequado para a perda de peso nem para a reposição das deficiências nutricionais maternas — por exemplo, de ácido fólico e de ferro — que ocorrem durante a gravidez”, diz Esa Davis, pesquisadora do Departamento de Medicina da Universidade de Pittsburgh e uma das autoras do estudo.

Gyselle também ressalta que não pôde ter um parto normal na segunda gravidez porque o primeiro foi por cirurgia cesariana. “O meu obstetra disse que a cicatrização ainda não estava completa e isso poderia ser uma complicação a mais caso eu tivesse um parto demorado”, conta. Ana Célia Bonfim, ginecologista e obstetra do Hospital Santa Luzia, explica que o útero tem um tempo para se recuperar e voltar ao tamanho anterior à gestação. Muitas vezes, a cesariana não fornece condições boas para que o órgão volte a ser esticado rapidamente.

“Teoricamente, é preciso esperar um tempo de dois anos. Muitas vezes, a mãe é empurrada para outra cesariana, uma epidemia social que não dá a ela a chance de ter um parto normal.” A médica destaca a importância do planejamento familiar para evitar o problema. “Alguns são métodos irreversíveis, mas podemos planejar com segurança, com contraceptivos que não interfiram na vida nem da mãe nem da criança”.