Novo episódio na polêmica de games para crianças alimenta debate sobre prós e contras

Dois estudos apontam pontos positivos e negativos dos jogos eletrônicos. Enquanto um conclui que títulos violentos prejudicam o autocontrole e estimulam a trapaça na vida real, o outro sugere que a diversão ajuda a criatividade e a capacidade de resolver problemas

por Paloma Oliveto 07/12/2013 09:00

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Vai faltar espaço na sacola do Papai Noel para tanto videogame. De olho no Natal, os principais fabricantes de consoles já apresentaram seus lançamentos no Brasil, país onde 23% da população com mais de 10 anos jogam algum tipo de jogo eletrônico, segundo uma pesquisa do Ibope. Além do preço alto da brincadeira — um dos mais cobiçados é o PlayStation 4, que custa, em média, R$ 2,5 mil —, muitos pais se preocupam com títulos violentos, acusados por diversos estudos de promover agressividade entre crianças e jovens.

Um artigo publicado no jornal da Associação Americana de Psicologia (APA) reforça essa ideia, indicando que adolescentes fãs de games brutais são mais propensos a trapacear na vida real. A discussão, contudo, está longe de acabar. O mesmo periódico da APA também divulgou um estudo segundo o qual jogar videogame pode fornecer benefícios sociais, cognitivos e para a saúde. “Contrário às crenças convencionais de que os videogames são intelectualmente preguiçosos e sedativos, constatamos que jogar esses jogos promove uma grande variedade de habilidades cognitivas. Isso é particularmente verdadeiro para os de tiro, geralmente chamados de ação, muitos dos quais são violentos”, diz o estudo.

Reprodução: Rockstar Game
Cena de Grand Theft Auto - San Andreas: estudo achou ligação entre o jogo e problemas de autocontrole (foto: Reprodução: Rockstar Game)
Autor de uma terceira pesquisa recente sobre o tema, o psicólogo Christopher J. Fergunson, da Universidade Internacional A&M, do Texas, concorda que o embate científico confunde a cabeça dos pais. Para Fergunson, que publicou um artigo no Review of General Psychology, é preciso deixar claro que, sozinho, um jogo eletrônico não tem a capacidade de se tornar uma arma ou um “turbinador de cérebros”. Para ele, os malefícios e benefícios sociais e cognitivos dependem da personalidade de cada um.

Na opinião do psicólogo, jogar games violentos pode, sim, tornar alguns adolescentes mais hostis — principalmente aqueles que, independentemente dos games, se enfurecem facilmente, são menos maleáveis e conscienciosos. “Para a grande maioria das crianças, os jogos não fazem mal nenhum, mas podem, para uma minoria com problemas de saúde mental e de personalidade pré-existentes, ser perigosos”, defende. Já os meninos e as meninas sem traços antissociais se beneficiam aprendendo novas habilidades e melhorando a coordenação, além da orientação visual e espacial, diz Fergunson.

Depois de rever diversos estudos a respeito do uso de games por crianças e adolescentes, ele diz que há, inclusive, evidências de que os jogos podem ser uma ferramenta complementar à psicoterapia. “Por muito tempo, nós, psicólogos, nos concentramos no lado ruim do videogame, nos focando excessivamente no potencial de os jogos desencadearem vício e agressão, além de terem um impacto negativo no desempenho na sala de aula. Mas, à medida que o videogame se torna mais popular, pesquisas feitas nos Estados Unidos e na Europa mostram o contrário. As crianças estão com menos problemas comportamentais, são menos violentas que as do passado e se saem melhores em testes escolares. A era dos games violentos não criou uma geração de jovens problemáticos, como sempre se temeu”, decreta.

Doces e trapaças

O psicólogo Brad Bushman, professor da Universidade de Ohio, discorda do colega. Depois de realizar um teste com 172 estudantes de 13 a 19 anos, ele encontrou duas associações negativas com os videogames violentos: menos autocontrole e mais trapaça. Na pesquisa, cujo resultado foi publicado na revista Social Psychological and Personality Science, uma parte dos jovens jogou games mais brutais (Grand Theft Auto III e Grand Theft Auto: San Andreas), e outra parte ficou com os joguinhos mais inocentes (Pinball 3D e MiniGolf 3D) por 35 minutos. Durante o experimento, uma tigela com 100g de balinhas de chocolate era deixada ao lado do computador. Os participantes podiam comê-las livremente, mas eram alertados de que um alto consumo de doce em um curto período de tempo faz mal à saúde.

De acordo com Bushman, aqueles que jogaram os games violentos comeram até três vezes mais a quantidade de doce que os outros adolescentes, indicando, segundo o psicólogo, falta de autocontrole. Depois de jogar, os participantes também tinham de resolver um teste de lógica, sendo que, a cada item certo, ganhariam um tíquete, que poderia ser trocado por prêmios. Os pesquisadores diziam o número de acertos e cada jovem retirava de um envelope os cupons a que tinham direito. Eles faziam isso sem saber que estavam sendo observados.

No fim, trapaceou mais, pegando mais tíquetes do que deveriam, aqueles que jogaram os games de ação — nesse grupo, a ocorrência de fraudes foi oito vezes maior . “Nós temos a tendência de autorreprimir comportamentos moralmente inaceitáveis, mas, depois de jogar jogos violentos, os adolescentes são menos propensos a inibir esses comportamentos”, diz o psicólogo. Os pesquisadores aplicaram, ainda, um teste para medir os padrões morais seguidos pelos participantes. Trata-se de uma ferramenta padronizada utilizada em pesquisas sobre ética e que traz questões como “Quão grave é retirar algumas coisas de uma loja sem pagar, comparado às coisas ilegais que as pessoas fazem?”. “Os adolescentes que jogaram games violentos tiveram resultados piores no teste”, conta Bushman.

Estereótipos
A psicóloga Isabela Granic, da Universidade de Radboud, na Holanda, acredita que os pesquisadores precisam debater mais o tema. Depois de fazer uma meta-análise de estudos publicados sobre benefícios e malefícios do videogame publicados ao longo desta década, ela afirma que, embora muitos ressaltem questões como agressividade, isolamento social e depressão, muitos outros mostram o contrário.

Granic encontrou evidências sobre aumento da criatividade, da navegação espacial e da capacidade de resolver problemas entre crianças e adolescentes jogadores — inclusive, os fãs dos games violentos. Além disso, contrariando a tese de que o videogame afasta o indivíduo do convívio com outros, ela constatou um estreitamento de laços sociais. “Mais de 70% dos jogadores competem com um amigo e milhões de pessoas no mundo todo participam de joguinhos massivos virtuais, como Farmville e World of Warcraft. Jogos com múltiplos jogadores estão se tornando cada vez mais populares em redes sociais”, destaca.

Os joguinhos mais simples — Angry Birds e Candy Crush, por exemplo — podem trazer muitos benefícios, de acordo com a meta-análise. “Eles são capazes de melhorar o humor, relaxar e diminuir o grau de ansiedade. Se jogar videogame simplesmente faz as pessoas se sentirem mais felizes, então isso parece ser um benefício emocional fundamental a ser considerado. Há ainda a questão de os jogos servirem como uma ferramenta efetiva para aprender a resiliência face à derrota”, argumenta. “Por esses motivos é que, embora não possamos descartar resultados de pesquisas nos quais o comportamento violento e agressivo parece associado ao hábito de jogar, temos de dirigir um olhar menos estereotipado para os videogames”, defende.

"Para a grande maioria das crianças, os jogos não fazem mal nenhum, mas podem, para uma minoria com problemas de saúde mental e de personalidade pré-existentes, ser perigosos” - Christopher J. Fergunson, psicólogo da Universidade Internacional A&M, no Texas