Souza acredita que essa fase costuma se dar por volta dos 4 anos, quando meninos e meninas começam a ter mais contato com outros na escola e passam a ter maior proximidade com a mídia. A psicóloga Beatriz Ramos concorda com a acadêmica que a forma de se vestir influencia na formação da personalidade, mas reforça que, assim como a moda, tudo em que a criança está inserida auxilia nesse desenvolvimento.
“As crianças, desde a tenra idade, começam a montar suas experiências por meio das relações interpessoais, dos contextos diretamente em contato, assim como por regras impostas a elas”, ressalta. Ramos afirma que, em determinado momento, os pequenos começam a criar as próprias regras a partir das impostas a eles pelos pais ou responsáveis. “É isso que vai moldar os comportamentos deles, valores e gostos.”
Estilos, personagens e celebridades que passam a ser admirados podem causar impactos diversos, alerta a psicóloga. “Se são personagens com qualidades e competência social, podem influenciar as crianças positivamente. Se são personagens com falta de habilidades sociais ou comportamentos antissociais, o efeito pode ser outro”, explica. Ramos ressalta a importância de os pais discutirem e refletirem com os filhos sobre as atitudes de pessoas admiradas. Com relação ao desejo das crianças de usarem roupas iguais às de celebridades, a autora do estudo afirma que é natural e faz parte da construção da personalidade. “São fragmentos da formação da identidade. Somos seres em constante formação”, comenta Talita Souza.
Firmeza e diálogo
Apesar de admitir a influência na moda na formação da identidade, a consultora de imagem Letícia Cazarré enxerga o ato de se vestir mais como um reflexo da personalidade e não imagina que a identidade de uma criança possa ser moldada completamente pela moda. “Uma menina não vai se tornar mais ou menos extrovertida em função da roupa que ela usa com frequência. Se ela for extrovertida, provavelmente escolherá roupas mais coloridas e chamativas. Se for tímida, escolherá vestir-se de forma mais sóbria”, diz.
É o caso da filha de Deborah Trevizan, Isadora. Segundo a mãe, a menina de 10 anos tem uma personalidade forte e escolhe o que quer usar desde que tinha pouco mais de 1 ano. “Ela não gosta muito que eu interfira”, diz Deborah. A mãe se esforça para equilibrar a educação mais liberal com a mais tradicional na hora de lidar com a independência da filha. “Quando ela tinha 3 anos, queria a todo custo usar sapatinhos de salto, que já vendiam para crianças, mas fui firme e não deixei”, conta. De acordo com a mãe, Isadora é muito segura em relação ao gosto por roupas. “Posso falar o que eu quiser, mas ela é tão segura que não muda de opinião”, garante.
Deborah diz que uma das dificuldades enfrentadas é em relação ao uso de cosméticos. “A Isadora gosta muito de lápis e rímel. Eu proíbo, mas as vezes ela usa escondido”, confessa. A paixão da menina por assuntos relacionados à moda vai além das roupas. “Ela mesma muda a cor das unhas todos os dias e até pintou por conta própria o cabelo de rosa e roxo, mas com uma tinta que sai com água”, conta. Na hora de ir à escola, a menina escolhe acessórios, como óculos e lenços, para ajudar a compor o visual. Na base do diálogo, as duas encontram um meio-termo entre as vontades de Isadora e as preocupações de Deborah.
Já na gestação
A relação infância/moda começa antes mesmo do nascimento dos filhos. Nesse caso, como um instrumento de inserção social. “Quando uma criança nasce, os pais buscam as melhores roupas e os acessórios para apresentá-la”, explica Beatriz Ramos. Ao descobrir que estava grávida de uma menina, Amanda Johnston logo começou a preparar o enxoval. A mãe da pequena Manoela, hoje com 4 meses, conta que a menina ganhou de presente de amigos e parentes mais de 30 pares de sapato.
“Gosto que ela esteja sempre bonita, mas prezo pelo conforto. Quando ela não quer ficar com os sapatinhos, por exemplo, deixo sem”, diz. Por enquanto, as produções da menina ainda ficam por conta da mãe e da família, mas Amanda garante que não vai interferir na opinião de Manuela em relação às roupas. “Eu fui uma criança muito solta. Pretendo dar a mesma liberdade a ela”, justifica.
Segundo a psicóloga Beatriz Ramos, a influência dos pais no estilo das vestimentas dos filhos pode seguir por muito tempo. É um processo natural, inclusive porque são os mais velhos que compram as roupas da prole. “O risco é que, às vezes, os adultos refletem um desejo que, na verdade, pertence a eles e não à criança”, diz.
Cazarré também admite que é natural que os pais escolham para os filhos roupas que os agradem, mas usa a própria história para explicar por que age de forma diferente. “Minha mãe escolhia minhas roupas até uma idade em que eu já me sentia desconfortável com muitas coisas, mas obedecia. Demorei muitos anos para começar a aprender a me vestir porque não tive, na infância, a chance de fazer minhas escolhas, errar e acertar com elas” conta. Por causa da experiência, a consultora opta por dar autonomia às crianças. “Eu prefiro acompanhar de perto todo esse processo, só interferindo quando encontro espaço. Mas dá muito mais trabalho do que simplesmente escolher uma roupa e obrigá-lo a vestir”, reconhece.
Beatriz Ramos ressalta que dar certa independência para a criança experimentar se vestir por conta própria favorece o progresso dela. “Se os pais enrijecem as escolhas dos filhos, isso pode atrapalhar no desenvolvimento de comportamentos autônomos e gerar crianças mais dependentes dos outros para tomar decisões”. Porém, a especialista reforça que dar um pouco de independência não é deixar as escolhas da prole sem supervisão. “Incentivar a autonomia não significa dizer que a criança deve ficar solta e sem uma boa troca na comunicação”, diz. Ramos afirma que, se os pais consideram que o filho está exagerando (de acordo com os valores da família), devem mediar a relação deles com a moda.
Revisão teórica
O estudo baseou-se em uma análise dos trabalhos feitos pelos principais teóricos de moda entre os séculos 20 e 21. “O objetivo era conhecer a moda, fazer uma leitura do passado, presente e futuro da moda e entrelaçá-los com embasamentos de cunho científico”, diz Talita Souza. A autora defende que a moda deve ser vista como uma ciência, com reflexões sobre as suas influências psicológicas, filosóficas, sociológicas, econômicas e políticas.
Exemplos mirins
Já pequenas, crianças se tornam símbolos fashionistas e referências de roupas. Filhos de celebridades chamam a atenção por terem estilos marcantes e participarem de eventos relacionados à moda. Conheça alguns deles:
A filha de Tom Cruise e Katie Holmes, Suri Cruise, também se destaca pela forte personalidade ilustrada pelas roupas. Quando pequena, usou o mesmo corte de cabelo da mãe. A menina já foi vista usando até pijama fora de casa. Apesar das polêmicas relacionadas a crianças usando roupas voltadas a adultos, Suri, que tem apenas 7 anos, usa até salto alto.
Na família Jolie—Pitt, todos os filhos têm liberdade para se expressarem por meio da moda. Os seis filhos do casal sempre aparecem com roupas que refletem as distintas personalidades. Quem mais chama atenção é a primeira filha biológica do casal, Shiloh (direita). A menina foge do padrão de garotas que querem parecer princesas e mostra clara preferência por usar roupas normalmente associadas a meninos.
A filha de David e Victoria Beckham nasceu no meio fashionista. A mãe, que é designer de roupas, sempre vestiu Harper com roupas de grifes. Mãe de três meninos, Victoria aproveita para brincar de boneca e vestir a filha com roupas bem femininas. Ainda bebê, Harper acompanhou a mãe em eventos relacionados à moda e já assiste aos desfiles das coleções desenhadas por Victoria Beckham.