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Mesmo em idosos saudáveis, o envelhecimento pode vir acompanhado de alterações na memória e em outras funções cognitivas – atenção, percepção, linguagem e funções executivas. Sem contar aqueles que realmente adoecem, sendo diagnosticados com demência, uma perda global das funções cognitivas. Segundo o médico Ramon Cosenza, doutor em ciências pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professor aposentado da instituição, tão importante quanto cuidar do corpo é cuidar da mente.
Envelhecimento não é sinônimo de doença, embora venha acompanhado delas. Mas pesquisas já comprovaram que é possível envelhecer de forma saudável. Segundo Cosenza, um dos autores do recém-lançado livro Neuropsicologia do envelhecimento (Editora Artmed), manter o cérebro ativo é de extrema importância para garantir um envelhecimento saudável. “É interessante que a pessoa se envolva em atividades que mantenham o bom funcionamento cognitivo, como o estudo e a leitura, além de cuidar da saúde do corpo”, afirma o especialista.
A ciência já comprovou que as pessoas não costumam manter principalmente as funções que mais usaram. Um engenheiro que sempre lidou com trabalhos matemáticos, por exemplo, consegue manter essas habilidades. Caso do arquiteto Oscar Niemeyer, que apesar de perdas em outros aspectos, continuava lidando com sua capacidade criativa, a área em que mais se destacava. Se as áreas do cérebro que mais se usam são as mais preservadas, a dica é manter essas atividades.
Uma das tarefas para manter a função cognitiva é usar o cérebro. “Estimular o cérebro é manter o interesse pela vida”, defende o médico. Palavras cruzadas fazem bem, assim como ler com frequência, jogar baralho e videogame, assistir a televisão, ir ao teatro, ouvir música, se interessar por gastronomia. Quanto mais diversificada a atividade intelectual ao longo da vida, melhor.
Outra boa notícia é que atividade física faz bem para o corpo e para a mente. O exercício físico tem atuação sobre o cérebro, fazendo com que ele produza fatores de estimulação neuronal. O crescimento neuronal é fator importante para a manutenção da função cognitiva. “Então, tão importante quanto fazer palavras cruzadas é aderir à atividade física. Cento e cinquenta minutos por semana de uma atividade moderada, como a caminhada, são suficientes para estimular o cérebro”, acrescenta Cosenza.
Pesquisas recentes indicam que o estilo de vida tem impacto direto no cérebro. Mantê-lo saudável, portanto, exige atitudes simples. Resultados de um estudo da Universidade de Pittsburg, nos Estados Unidos, com 299 idosos demonstraram que aqueles que percorriam 72 quadras por semana, depois de nove anos de atividades apresentaram aumento do volume de massa cinzenta e tiveram menor declínio cognitivo.
Segundo o neurologista Paulo Henrique Bertolucci, diretor do Núcleo de Envelhecimento Cerebral da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), as pessoas são capazes de aprender e reter novos fatos e competências ao longo de toda a vida, especialmente com estímulo intelectual frequente. “Manter o cérebro sempre ativo, em constante processo de aprendizado e desafios mentais contribui para a manutenção da função cognitiva. Nunca é tarde para aprender algo novo e desenvolver habilidades”, reforça o médico.
Além das atividades físicas e de estímulo para manter as funções cognitivas bem, uma dieta balanceada pode ajudar a preservar a qualidade de vida até mesmo nos últimos anos do indivíduo. “Pesquisas indicam que determinadas dietas antioxidantes, alinhadas a aumento da frequência cardiorrespiratória, podem diminuir os danos causados pelo impacto dos anos na vida de uma pessoa”, conclui.
O ideal, contudo, é que esse cuidado seja constituído ao longo da vida. O envelhecimento começa no nascimento, mas uma maior atenção com a saúde física e mental pode ser adotada em torno dos 30 anos. Principalmente por quem tem casos de doenças cognitivas na família. As demências têm, sim, um componente hereditário, mas mesmo aqueles predispostos a desenvolvê-las podem postergá-la com mais atividade cerebral e física, mantendo a famosa plasticidade cerebral, que é a capacidade do sistema nervoso central de formar neurônios durante a vida adulta.
Segundo Cosenza, o cérebro se modifica ao longo da vida através dessa plasticidade. Até pouco tempo os cientistas e médicos pensavam que o órgão era plástico apenas até a adolescência. Mas a ciência já descobriu que o cérebro continua com essa atividade de regeneração de neurônios pela vida inteira, mesmo que vá perdendo um pouco da plasticidade. “Por isso, as pessoas mais velhas têm mais dificuldade para aprender. Mas, se esforçando, conseguem”, acrescenta.
Aluízio Serpa, 86 anos
Aposentado
Cérebros mais sofisticados, de indivíduos com mais anos de educação, por exemplo, tendem a criar maior reserva cognitiva. É ela que vai evitar, ou retardar, o desenvolvimento de uma patologia no futuro. Aluízio Serpa, de 86 anos, não sabia de nada disso, mas chegou à idade avançada com saúde para dar e vender. Há um ano morando em uma residência para idosos – porque estava se sentindo sozinho na casa da filha, que trabalhava o dia inteiro –, encontrou companhia para os jogos de baralho e tabuleiro de que tanto gosta. Leitor voraz, de livros e jornal, Aluízio é extremamente lúcido e leva a vida como idosos bem mais jovens. Apesar de a atividade física ter ficado um pouco de lado na idade produtiva, quando trabalhava com seguros, ele retomou aos exercícios e se lembra de quando jogava vôlei, basquete, futebol e até remava, na juventude. “Sempre levei uma vida metódica em relação à alimentação e ao lazer. Há anos faço palavras cruzadas, sempre gostei. Que bom que isso me ajudou a chegar até aqui. Tenho uma família longeva e sou muito bem cuidado. E agora tenho até um companheiro para os jogos de cartas”, conta ele, lembrando do parceiro Mário, que também vive na residência de idosos.