Saúde

Apoio a causas em redes sociais produz sensação de dever cumprido

Estudo aponta que a prática desmotiva a adoção de ações concretas, como doar dinheiro ou realizar trabalho voluntário. O tema, no entanto, provoca controvérsia entre especialistas

Roberta Machado

“Algumas vezes tenho medo de ficar doente como minha mãe”, diz um garoto de rosto triste. O cenário é um quarto marcado pela pobreza, em que um menino menor aparece sentado ao fundo, sobre um colchão no chão. “Quem cuidaria do meu irmão mais novo? Mas acho que tudo ficará bem. Hoje, o Unicef Suécia tem 177 mil likes no Facebook”, completa a criança. A mensagem faz parte de uma campanha lançada em março passado no país europeu pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância. O objetivo era motivar as pessoas a não limitarem sua participação a uma simples curtida na mais popular das redes sociais on-line. No entanto, o comercial também conseguiu levantar uma questão que começa a atrair a atenção de especialistas: o apoio a causas pela internet motiva ações no mundo real?


Segundo uma pesquisa da Universidade de British Columbia, no Canadá, esse tipo de manifestação on-line pode ter, na verdade, um efeito inverso. Segundo o estudo, a sensação de dever cumprido provocada pelo clique no botão “curtir” estimula as pessoas a deixarem de lado ações mais significativas, como doar dinheiro a instituições ou se engajar de fato em um trabalho voluntário.

O termo slacktivism (slack = preguiçoso, negligente e activism = ativismo) é usado para definir atos de apoio que têm como único resultado real a satisfação pessoal de quem constrói uma falsa imagem de engajamento sem fazer muito esforço.
O objetivo dos cientistas era investigar um fenômeno que ainda gera controvérsias entre estudiosos, conhecido como slacktivism. O termo em inglês, surgido em 1995, é formado pelas palavras slack (preguiçoso, negligente) e activism (ativismo). Na época, a expressão se referia às atividades feitas por jovens na internet para afetar a sociedade de forma progressiva. Atualmente, porém, é usada para definir atos de apoio que têm como único resultado real a satisfação pessoal de quem constrói uma falsa imagem de engajamento sem fazer muito esforço.

Na investigação, os pesquisadores canadenses conduziram uma série de testes para verificar se, após demonstrarem apoio a uma instituição, as pessoas se sentiam mais ou menos dispostas a doar dinheiro a essa entidade. No mais significativo deles, um grupo de voluntários ganhou broches para mostrar apoio aos veteranos de guerra. Enquanto uma parte era convidada a usar o bottom, a outra era orientada a não exibi-lo. Depois, todos os participantes foram convidados a fazer uma doação. Entre os que ganharam as peças, mas não a penduraram na roupa, o índice de contribuição foi bem mais alto; já os que ostentaram o símbolo não doaram muito mais do que as pessoas que não receberam brinde.

Licença moral
Para Kirk Kristofferson, principal autor do estudo, os resultados mostram que fazer demonstrações de engajamento, como curtir uma página na rede social, usar uma pulseira ou divulgar a assinatura de uma petição on-line, pode inflar o ego da pessoa a tal ponto que ela se abstém de ajudar de uma forma mais significativa. Isso pode ter relação com um efeito inconsciente chamado licença moral: se o indivíduo fez uma boa ação, ele se sente no direito de ser negligente ou de fazer algo ruim depois. É como quando uma pessoa se permite comer uma sobremesa depois de trocar o refrigerante por uma bebida light.

“Se você recebe um pedido para dar um apoio mais significativo, que realmente ajudaria a caridade, não há muita possibilidade de fazê-lo quando já foi feito em público. As pessoas já pensam que você está fazendo o bem”, explica o estudante de doutorado. “Mas quando as pessoas ajudam de forma privada, essa motivação pela impressão causada é amenizada, e elas ficam mais motivadas a dizer sim para a ajuda”, completa.

Kristofferson não condena o uso da rede por empresas de caridade, mas acha que as redes sociais não são a melhor forma de conquistar o apoio de um novo público. O espaço seria mais eficiente, segundo ele, para campanhas que tenham como objetivo a conscientização sobre alguma questão. Nesse caso, a finalidade são os próprios compartilhamentos das imagens, o que pode ser conquistado por meio do slacktivism.

Ações direcionadas
Há especialistas, no entanto, que contestam a visão negativa sobre o ativismo virtual. O argumento mais comum é que as ações na internet não excluem ações na vida real. Ao contrário, elas seriam fundamentais para organizar encontros fora da rede, como ocorreu com a Primavera Árabe, o movimento Occupy, nos Estados Unidos, ou mesmo as manifestações populares que tomaram o Brasil neste ano. Nesses casos, os internautas não só divulgaram sua posição política, como também colocaram os planos em prática.

O estudante de doutorado em ciência política Henrik Serup Christensen, da Universidade Åbo Akademi, na Finlândia, escreveu um artigo em que defende o valor das manifestações on-line. “As críticas, às vezes, supõem que as únicas ações políticas significativas são aquelas que exigem grandes sacrifícios pessoais. Eu diria o contrário, seria ótimo se elas exigissem o mínimo possível”, afirma.

Ele lembra a diferença entre campanhas sérias e manifestações de ódio que costumam invadir a timeline das redes sociais. Reclamações sobre acontecimentos, acusações a políticos ou fotos de pessoas em situação de miséria até sobrevivem por um tempo na internet — e algumas chegam a colecionar um número considerável de curtidas. Mas, sem um objetivo específico, a ação costuma não dar em nada. “Essas atividades raramente têm sucesso e são parte da razão pela qual as campanhas na internet ganharam uma má reputação”, acredita Christensen.

Diferenciação

Por isso, os especialistas acreditam que é necessário separar o slacktivism das ações virtuais que fazem a diferença. Curtir uma foto de crianças em situação de risco, como o Unicef lembra, não vai comprar vacinas nem fazer qualquer diferença na vida delas (leia Três perguntas para). Mas, talvez, uma pessoa seja influenciada por uma imagem compartilhada por um amigo ou dê mais atenção a um post escrito em um blog de uma pessoa influente do que a um link patrocinado. “As organizações precisam pensar em como auxiliar seus apoiadores a cumprir o papel de narradores em seu benefício”, lembra Julie Dixon, diretora do Centro para Comunicação de Impacto da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos.

Julie Dixon é autora de uma pesquisa na qual metade das pessoas entrevistadas se sentem motivadas a ajudar uma causa fora da internet depois de mostrar o apoio on-line. “Chamá-los de slacktivists ou implicar que o apoio deles não é tão valioso quanto dinheiro é uma forma fácil de encorajá-los a levar seu tempo ou dinheiro para outro lugar”, ressalta Dixon. Em outra pesquisa da mesma instituição, as pessoas que disseram se dedicar mais a causas pela internet também afirmaram ter a mesma disposição dos ativistas off-line, e duas vezes mais vontade para se voluntariar.

Antonella Weyler, pesquisadora brasileira que participou dos estudos, concorda com o potencial da rede, mas alerta que o espaço deve ser usado com cautela, para não cansar o internauta. O levantamento da Georgetown mostrou que metade dos entrevistados acredita que recebe muitos e-mails e mensagens sobre diferentes causas. “Portanto, o importante não é a quantidade, é a relevância”, acredita Weyler, que hoje trabalha em uma agência de publicidade.



Jim Carlberg, oficial sênior de Marketing do Unicef Suécia


Por que a peça publicitária aborda a questão da quantidade de curtidas no Facebook? Os senhores notaram que o número de pessoas apoiando o Unicef na internet não era proporcional à ajuda que recebiam?
Essa campanha foi uma afirmação, em meio à discussão sobre slacktivism, sobre o sentimento de contribuir para salvar a vida de crianças por meio de curtidas no Facebook. Nós fizemos um levantamento com o instituto de pesquisa em marketing YouGov perante o público sueco, e o resultado nos trouxe alguns insights: uma em cada cinco pessoas acha que um like no Facebook é uma boa maneira de apoiar uma organização, duas a cada três curtiram algo na rede social sem se importar com a mensagem ou questão e uma em sete acha que o apoio virtual é tão bom quanto a doação em dinheiro. Nós apreciamos muito os likes, e a mídia social pode ser um bom primeiro passo para alguém se envolver, mas não para aí. Curtidas não salvam vidas de crianças. É preciso dinheiro para comprar vacinas, por exemplo.

Como foi a resposta à campanha?
A maior parte foi extremamente positiva. Apenas alguns poucos comentaram que as mídias sociais são fundamentais para que o alcance, principalmente das organizações pequenas, seja ampliado. Nós ficamos especialmente felizes de receber uma resposta muito boa dos próprios fãs da página do Unicef Suécia no Facebook. A campanha teve mais de 650 mil visualizações do mundo todo e levou a mais de 1.700 tuítes, que espalharam a mensagem. Mas o mais importante: 540.053 crianças podem agora ser vacinadas graças às contribuições recebidas durante a campanha.

Por que algumas pessoas que demonstram apoio on-line não transformam esse ato em prática?
Mídias sociais são uma ferramenta muito boa para chamar a atenção para um tópico específico de forma imediata, para espalhar uma mensagem e defender uma causa. Mas, como mostrou nossa pesquisa, uma em cada sete pessoas acha que curtir no Facebook é uma ação tão boa quanto doar dinheiro. Nossa campanha pretendia justamente apagar essa concepção equivocada, e esperamos que as pessoas com boas intenções repensem o papel da internet na criação do bem social. Se elas fizerem isso, talvez elas se envolvam mais de outras maneiras.