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Os avanços nos direitos dos homossexuais ainda não conseguiram amainar por completo os preconceitos que envolvem a atitude de sair do armário. Dessa forma, ainda são milhares os homens que, na ânsia por uma determinada imagem familiar, eclipsam a própria sexualidade. Eles se casam, têm filhos, mas não veem seus desejos indo embora. Acabam enredados em uma angústia que leva tempo para passar.
“Muitos homens se dão conta, quando se percebem num casamento apenas social, que isso não é justo — nem para eles nem para as mulheres com quem constituíram família, muito menos para os filhos, que merecem saber que o pai não é heterossexual e não precisam se envergonhar disso”, explica Vera Moris, psicoterapeuta especializada em paternidade homoafetiva e criadora do Homopater, um grupo que reúne pais gays cujos filhos nasceram de relações heterossexuais.
As histórias dos homens que venceram preconceitos e contaram aos filhos as suas verdades mostram que a paternidade não está vinculada ao que os casais — hetero ou homossexuais — fazem no quarto. O sentimento de ser responsável por uma vida não permite conflitos decorrentes da orientação sexual. E, quando decidem ser verdadeiros com aqueles que mais amam, têm a certeza de que fizeram escolhas certas: na hora de ter filhos e, depois, de contar a eles que eram gays.
“Para realizar esse grande feito — mostrar ao filho quem ele é —, o homem tem que ser muito forte, convicto, seguro de que ele pode, sim, ser um homem e pai, pode ser admirado, amado e respeitado, embora sua orientação não seja heterossexual”, completa Vera. Nas próximas páginas, cinco desses pais contam como foi revelar a homossexualidade à prole e o quanto a vida deles mudou após essa decisão.
Era um domingo tipicamente familiar. O escritor Sérgio Viula, 44 anos, estava lavando as louças sujas do almoço com a filha, Larissa, então com 14 anos, enquanto seu filho menor, Isaac, à época uma criança de 11 anos, conversava com o namorado do pai. Até aquele dia, a sexualidade de Sérgio não era do conhecimento do garoto. Mas, com sua perspicácia infantil, ele já havia notado que aquele homem era mais que um amigo do pai. Com toda a tranquilidade, o menino levantou-se e perguntou, sem pudores: “Quando você percebeu que era gay, pai?”.
Os outros três presentes se entreolharam. Isaac exigia uma resposta. Sérgio pegou na mão dele e o levou para um passeio. Era a hora inevitável de falar tudo. Com calma, sem meias-verdades, Sérgio explicou ao filho toda sua história, sempre reforçando o amor que sentia por ele. Ao fim da conversa, Isaac o olhou com certa tristeza, o que deixou o pai temeroso. “Pensei que ele estivesse com vergonha de mim. Até que ele me disse que teria um problema: ‘Pai, eu gosto mesmo é de meninas’. Ri muito e disse que ele poderia gostar do que quisesse e eu o respeitaria”.
Hoje, com os dois filhos adultos, tanto Sérgio quanto eles sabem que, de fato, não importa se um pai é hétero ou homossexual. O amor paterno está acima das diferenças. Mas o escritor precisou de 34 anos para aceitar isso. “Sempre tive ciência de que eu era diferente, mesmo sem conseguir nomear. Tanto a família quanto a escola me retraíram e acabei me envolvendo com igrejas evangélicas na expectativa de controlar meus desejos homossexuais.”
Ao buscar o divino, Sérgio esperava encontrar um sentido numa vida que ele considerava errada. Quando se tornou evangélico, viu-se com dois caminhos: o celibato ou o casamento heterossexual. Sua dificuldade em aceitar a si mesmo era tanta que o escritor chegou a se envolver profundamente com um grupo que visava trazer homossexuais para a igreja na intenção de “curá-los”. “Ele se chamava Movimento pela Sexualidade Sadia. Veja só o preconceito. Fiz parte dele entre 1997 e 2003.” Aos 18 anos, conheceu a ex-mulher. Aos 20, casaram-se.
Por 14 anos, ele viveu um relacionamento que o fazia sentir culpa diariamente. Os filhos, de certa forma, eram um alento. Contudo, em uma viagem religiosa para Singapura, ficou um mês longe de casa e acabou tendo uma noite com outro homem. Depois disso, chegou ao seu limite — foi quando pediu separação e contou para a família e para os membros da igreja que era homossexual. A enxurrada de preconceitos estava por vir. No auge da crise, o gesto mais sensato veio da filha, então com 11 anos. “Pai, por que está todo mundo contra você? Todos deveriam te amar do jeito que você é”, disse Larissa.
Era o que Sérgio precisava. Colocou a filha no colo e contou toda sua vida, desde a infância. “Quando terminei, perguntei o que ela estava sentindo. Ela me respondeu: ‘Estou sentindo o quanto você sofreu’.” A partir daí, a influência que sua sexualidade teve nas suas relações com as outras pessoas foi mínima. E, de acordo com Sérgio, a própria família percebeu que ele sempre fora pai e mãe, participando ativamente de todos os momentos deles. “Hoje, minha filha mora na casa acima da minha e do meu marido. E meu filho mora com a minha mãe, na casa dos fundos. Estamos todos juntos.”
Sérgio acredita que, somente ao sair do armário, pôde se dar conta do quanto ter filhos é uma decisão que deve ser pensada, seja qual for a sexualidade do casal. “Criamos expectativas demais e devemos ficar felizes só de pensar que eles nasceram totalmente saudáveis. Seja você gay, seja hetero, isso não vai mudar a forma como você cuidará do seu filho.”
Larissa e Isaac são heterossexuais e, quando apresentam o pai aos amigos ou namorados, deixam claro que ele é gay. Ele acredita que isso demonstra não só que eles estão bem com a orientação sexual do genitor, mas que estão dispostos a não reproduzir preconceitos caso desejem ter sua prole. “Antes de ter uma criança, racionalize o que você espera dela. Só tenha um filho se você puder cuidar dele. Seja qual for a sua sexualidade”, pondera o escritor.
Larissa, hoje com 21 anos, conseguiu atravessar a adolescência protegida de bullying graças, em parte, à sua franqueza. “Cheguei na escola e contei para todas as minhas amigas. Elas se assustaram, mas nunca fizeram qualquer comentário ruim, até porque sempre deixei bem claro o quanto eu tenho orgulho do meu pai.” Para a consultora, a única diferença entre ter sido criada por um pai homossexual é que, tanto ela quanto o irmão, cresceram em um ambiente bem mais tolerante. “Nós aprendemos a respeitar muito mais as pessoas porque olhamos o próximo da mesma forma como olhamos para nós mesmos”, acredita a jovem.