A guia clínica atualizada do Colégio Americano de Cardiologia (ACC, na sigla em inglês) e da Associação Americana do Coração (AHA, em inglês), publicada em 13 de novembro, causa controvérsia.
Segundo as novas recomendações, um em cada três americanos com mais de 40 anos (o que equivale a 33 milhões de pessoas) corre um risco suficientemente alto de desenvolver doença cardíaca para receber tratamento com estatinas, os remédios anticolesterol mais eficazes, explicou o ACC.
Por enquanto, estes medicamentos só são prescritos para reduzir taxas elevadas de colesterol ruim, a principal causa de aterosclerose.
Entre os fatores de risco, a ACC citou o envelhecimento, a diabetes do adulto (tipo 2), a hipertensão, um nível de colesterol ruim (LDL) elevado, o tabagismo e a origem étnica, sendo os negros particularmente vulneráveis.
No entanto, ao aplicar a fórmula de cálculo do ACC e da AHA a cinco grupos diferentes de pessoas, dois cientistas da Escola de Medicina de Harvard concluíram que "esta fórmula exagera o risco de 75% a 150% para 40% a 50% dos 33 milhões de americanos de 40 a 75 anos eventualmente afetados".
Em um editorial publicado online na revista médica britânica The Lancet, os doutores Paul Ridker e Nancy Cook dão dois exemplos.
O primeiro é o de um fumante de 55 anos, com hipertensão leve sem tratamento e com excelente taxa de colesterol ruim de 75 miligramas por decilitro de sangue, que normalmente deveria ser inferior a 100 mg/dL.
Segundo a fórmula matemática do ACC, este homem tem um risco cardiovascular de 9,6% nos próximos dez anos e deveria receber tratamento preventivo com estatinas, que estabelece o nível em 7,5%.
Em contraste, uma mulher de 60 anos, que não fuma, tem pressão normal e altos níveis de colesterol de 180 mg/dL, tem um risco de 3,8%. Portanto, não deveria receber tratamento preventivo com estatinas, usando-se a mesma fórmula.
Risco superestimando
Os dois cientistas ressaltam que este novo guia clínico é um "passo importante para simplificar e melhorar o tratamento de pacientes com alto risco, como a diabetes".
Mas, segundo eles, "depender apenas desta nova previsão do risco baseado na fórmula matemática poderia levar a tratar muitos pacientes sem indicações clínicas adequadas para a eficácia preventiva das estatinas (... ) e privar outros nos quais se sabe que este fármaco é eficaz".
"Uma má calibragem desta magnitude deve ser corrigida antes de que o novo modelo de prescrição de risco cardiovascular se implemente em larga escala, do contrário levará os médicos a sobrescrever estatinas", destacaram na nota Ridker e Cook.
O copresidente do grupo de trabalho que desenvolveu o novo guia clínico, David Goff, admitiu no jornal The New York Times "o potencial de superestimativa do risco, especialmente para as pessoas que estão no limite".
Para o doutor Kevin Marzo, diretor de cardiologia do Hospital Universitário Winthrop, no estado de Nova York, "a melhor forma de resolver este problema é que os autores do guia se reúnam com seus críticos e procedam a uma eventual revisão".
"Deve-se assegurar que as pessoas não pensem que estas novas recomendações estão motivadas por outras razões", de ordem comercial, por exemplo, "quando o propósito da Comissão do ACC é reduzir a principal causa de mortalidade dos americanos", declarou à AFP.
"A população pensa geralmente que as estatinas são muito receitadas e têm efeitos colaterais potencialmente perigosos", disse o cardiologista.