Rafael concorda que crianças e adolescentes não devam ser incentivados a participar de competições de MMA, pelo menos até os 18 anos. “Meu principal argumento é o elevado risco de lesões corporais e transtorno psicológico”, resume. Mas o pediatra vai além e opina que o MMA, mais do que outras atividades, pode estimular a agressividade. “Existe ainda a pressão psicológica por resultados, exercida tanto pelos pais e treinadores, quanto pela mídia. Essa pressão não é exclusividade do MMA, uma vez que outros esportes de alto rendimento também são caracterizados por isso. Mas, no caso da luta, acredito que pode induzir comportamentos distorcidos. O adolescente ainda não tem condições de discernimento ou maturidade emocional para evitar ultrapassar limites”, opina.
O pediatra acredita que as sociedades médicas devam se posicionar o quanto antes sobre tais riscos. “A prática de MMA é baseada em quê? Disciplina, treinamento físico e técnico sobre artes marciais. Isso pode ser realizado de outras formas, fora de um contexto que estimule a violência”, defende. “Por exemplo, brincar numa praça ao ar livre é uma atividade considerada 'banal', mas não deveria ser menosprezada. Os pais muitas vezes preferem matricular seus filhos em uma atividade do que interagir, brincar junto, sair no fim de semana. É um problema social”, destaca o médico.
Mantovani acredita que as artes marciais têm um código de postura e filosofia que ajudam a eliminar os possíveis delinquentes que desejam se aproveitar das técnicas para brigar por aí. “Uma coisa é aprender uma ou mais artes marciais. Outra é colocá-las em prática em combate, com regras de qualidade duvidosa”, diz o médico. 'Quando uma arte marcial é praticada na infância, há um equilíbrio entre o lúdico e a disciplina, de acordo com a faixa etária e os preceitos de cada modalidade. Não vejo, no MMA, essa progressão lenta e gradativa das habilidades”, define. “É necessário respeitar as capacidades motora, psicológica e de desenvolvimento das crianças. O estímulo à competição atropela tudo isso. Basta ver um dos vários vídeos de combate infantil”, alerta o pediatra.
Rafael reforça que há problemas com outros esportes, como o boxe. “Também sou contra a prática competitiva nesse caso. Mas, como o MMA é a 'bola da vez', a polêmica é maior nesse esporte. Quem diria, alguns anos atrás, que as notícias de MMA rivalizariam com as de futebol no nosso país?!”, aponta. “Outro problema é a falta de regulamentação sobre as artes marciais. No Brasil, elas são consideradas atividades artístico-culturais, e não esportivas, desobrigando os instrutores de terem formação em educação física”, afirma. “Na infância e adolescência, a instituição tem o dever de minimizar o risco de problemas físicos - nutrição adequada, acompanhamento médico, fisioterápico, treinamento realizado por profissional de educação física. Na minha opinião, isso se estende a todas as modalidades esportivas, do futebol ao atletismo”, defende o especialista.
Além desse cuidado, que deve haver em todas as atividades, Rafael preocupa-se com o princípio básico do esporte. “O futebol não tem como objetivo derrubar o adversário, nocauteá-lo, eventualmente machucá-lo. Afinal, para que servem socos e chutes no oponente?. Na minha visão, este é um dos objetivos do MMA e, sem dúvida, o risco é grande para as crianças”, define.
Rafael acrescenta uma preocupação com o ambiente em que a luta está inserida. “Os que aparecem mais, os vencedores, os mais fortes, têm grande influência. Não importa como chegaram lá. Hormônios, suplementos alimentares, medicamentos e outros métodos são a rotina dessa categoria. Não são um bom exemplo, definitivamente. Por outro lado, a criança não compra camisetas com frases agressivas. Quem as veste assim são os seus pais. Não se deve estimular a violência, nunca”, aponta.
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O médico e pai de dois meninos é radical em relação à postura diante dos possíveis pedidos para inscrição em aulas de MMA: “para começar, os pais não devem ligar a TV para os filhos assistirem MMA. Ponto”.
Medicina do Esporte
A opinião de Rafael é compartilhada por Carlos Eduardo Reis, que também é pediatra, mas com especialização em Medicina do Esporte. Segundo ele, a criança ainda está desenvolvendo a força e tem ossos e estrutura articular frágil. Qualquer exercício mal orientado oferece mais riscos para elas do que para os adultos. “A questão, aqui, é a supervisão. Não acredito que esse tipo de luta seja adequado para crianças e adolescentes, em função da filosofia e do risco inerente ao tipo de atividade”, diz Reis.
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O médico diz que o esporte está sendo colocado de maneira perigosa. “Vemos na televisão duas pessoas com compleição física anabolizada e postura agressiva. Os critérios de sucesso são o dinheiro e a mídia alcançados. Como o menino ainda não tem maturidade, sua formação esportiva é comprometida. Uma criança estimulada a ser agressiva na luta, dentro de um octógono, com centena de pessoas gritando à sua volta, pode não saber diferenciar isso em relação à sua vida diária. Se ele machucar seriamente um colega mais fraco ou menos treinado, como ele vai arcar com as consequências? É perigoso psicológica e fisicamente”, alerta o médico.
Segundo Carlos Eduardo, a prática de esporte, de maneira geral, oferece risco. Mas ele vai ser maior ou menor de acordo com a orientação recebida. A estatística de lesões no judô e no futebol, por exemplo, é muito maior quando a atividade é praticada por lazer, de forma não-supervisionada. Junta-se a isso a capacidade de administrar a pressão. “Eu acompanho várias modalidades, como natação, judô, futebol, e é fácil observar que o impacto emocional é grande. Se o candidato à atleta é submetido a uma pressão exagerada por resultados quando é muito jovem, ele abandona o esporte antes da hora. Nestes vídeos de lutas de MMA entre criança, o que vemos são meninos que encaram aquilo tudo com o algo normal, com todos seus absurdos”, alerta o especialista.
O pediatra vê também um viés social na questão. “O contexto social influencia muito na opção. Hoje, o modelo de beleza é a popozuda, mulheres que assumem usar anabolizantes e procedimentos ilegais. Faço plantão em hospital à noite, onde é comum recebermos jovens muito, muito fortes, mas cheios de lesões causadas por brigas na rua”, alerta. Assim como Mantovani, ele defende que o ensino de qualquer modalidade esportiva seja feito por um profissional de educação física. “A discussão chegou à Sociedade Mineira de Pediatria e à de Medicina do Esporte. Há um consenso entre psicólogos, pediatras e médicos do esporte da não-indicação dessa atividade para menores de 16 anos. Existem opções mais sadias, mais lúdicas e menos agressivas, que preservam a integridade emocional e física das crianças”, defende.
Reis lembra ainda que toda essa situação passa pela responsabilidade dos pais. “Sim, eu recebo pedidos de avaliação médica de interessados em matricular os filhos em aulas de MMA. Ainda que eles sejam orientados a procurar outra aula, são livres. A escolha final é do responsável pela criança”, pondera.