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Segundo a pesquisa de Astrid von Lojewski, da Universidade de Sydney, e Suzanne Abraham, da Northside Clinic, ambas na Austrália, a presença e a severidade de um distúrbio de personalidade podem influenciar o curso e o desenvolvimento de transtornos relacionados à alimentação. Elas descreveram que tipos de comportamento são mais propícios a desenvolverem a bulimia e a anorexia, doenças psiquiátricas que aparecem com complicações médicas relevantes, morbidades e taxas de mortalidade de até 20%.
Myrna Campagnoli, endocrinologista pediátrica do Laboratório Exame, conta que o início do diagnóstico dessas doenças pode ser muito turvo, pois o quadro clínico ainda não está completamente formado. “Os traços de personalidade poderiam nos ajudar a ‘prever’ que tipo de distúrbio pode aparecer. Às vezes, quando o médico se depara com uma situação assim, ele precisa dar um tiro no escuro, pois os sintomas ainda não apareceram totalmente.”
As autoras investigaram 155 mulheres, de 18 a 45 anos, internadas após apresentarem algum distúrbio alimentar. Elas usaram um questionário baseado no Exame Internacional de Desordem de Personalidade (IPDE, na sigla em inglês), já empregado para diagnosticar diferenças de comportamento entre obesos, comedores binge (aqueles que se alimentam compulsivamente) e bulímicos nervosos. Essa é a primeira vez, no entanto, que o método é aplicado para investigar os transtornos em pacientes não obesos com perda de peso crescente.
Cinco traços de personalidade (veja infográfico) apareceram em 62% dos 155 casos. “Não posso dizer se esses padrões vão aparecer em populações maiores. Para isso, precisamos de mais análises. No entanto, fica o alerta para que familiares e médicos analisem o comportamento e a autoestima das adolescentes”, alerta Lojewski.
Instáveis
Os resultados apontam que pacientes com o índice de massa corporal (IMC) menor que 18,5 — abaixo do peso normal — têm maior ansiedade interpessoal. As pacientes foram, em grande parte, diagnosticadas com anorexia e tendiam a se sentir inibidas diante de novas situações, além de serem mais quietas e preocupadas com a rejeição social. Aquelas que provocavam vômito e usavam laxantes tinham traços de instabilidade e perfeccionismo, com sentimentos frequentes de suicídio, automutilação e instabilidade emocional. Dois tipos de perfeccionismo foram dtectados: o auto-orientado e o gerado por pressões externas.
“O perfeccionismo e a obsessão são coisas diferentes, mas que sinalizam igualmente uma resistência maior para procurar ajuda, dedicação excessiva para o trabalho e muita rigidez nas relações interpessoais”, observa Lojewski. Em ambas as situações, há ainda uma maior dificuldade em tolerar variações, inclusive as do corpo, e a busca de forma muito rigorosa e enfática pela redução de peso ou pela manutenção do padrão considerado ideal.
As mulheres com peso ideal — IMC entre 18,5 e 30 — foram em maior parte diagnosticadas com bulimia e tendiam a apresentar episódios de compulsão alimentar, caracterizada pelo consumo de alimentos em grande quantidade em até duas horas. Elas também apresentaram avareza e características de borderline, o transtorno de personalidade limítrofe, conhecido pelas oscilações entre o comportamento normal e surtos de impulsividade.
“A avareza também tem a ver com essa rigidez. Elas querem ter controle excessivo sobre tudo e isso também inclui a dimensão financeira. O borderline tem como característica a instabilidade das relações e do comportamento reativo a algumas situações. São o que chamamos de pessoas 8 ou 80. No dia a dia, elas tendem a agir catastroficamente e, por não conseguirem lidar com algumas situações de forma amena, utilizam o recurso mais imediatista para se acalmar. Nesse caso, a comida”, explica Thiago Blanco, psiquiatra do Hospital de Base do Distrito Federal.
Indecisas
As autoras trazem um novo componente aos traços de personalidade mais comuns, o que chamam de self-uncertainty — algo como autoincerteza. Esse fator reflete a necessidade excessiva de reafirmar as decisões e ter uma autoimagem instável, caracterizada por não saber o que esperar de si mesma em situações diferentes. Blanco destaca que apenas um terço das anoréxicas e 6% das bulímicas procuram ajuda. O diagnóstico dos transtornos, portanto, deve ser pormenorizado. Geralmente, o tratamento é feito com medicamentos, que influenciam pouco no traços de personalidade. Por isso, para Blanco, há a de necessidade de acompanhamento psicoterápico.
Os transtornos alimentares começam a se manifestar cedo, por volta dos 16 anos, e qualquer comportamento estranho deve ser levado em consideração pelo pais. A prevenção, segundo o psiquiatra, pode ser feita com medidas simples, como realizar as refeições em família. “As mulheres e adolescentes que não se alimentam em grupo se dedicam de forma exagerada às atividades físicas e estão constantemente preocupadas com corpo ou com o que os outros pensam delas estão emitindo um sinal de alerta”, adverte.
Fórmula universal
O IMC é calculado pela divisão da massa do indivíduo (em quilogramas) pelo quadrado da altura (em metros). Resultados abaixo de 16 indicam magreza grave. Entre 16 e 17, magreza moderada. De 17 a 18,5, magreza leve. Se estiver entre 18,5 e 25, a pessoa é classificada como saudável. Com 25 a 30, tem sobrepeso. Acima de 35, os casos são considerados obesidade, com graus maiores de gravidade conforme o valor atingido.
Duas perguntas para...
Myrna Campagnoli, endocrinologista
Quem são as pessoas mais propensas a desenvolver um transtorno alimentar?
Alguns estudos mostram que a predisposição é para todo mundo e vai depender do somatório de eventos e de situações vividas. Mas os pacientes que já possuem distúrbios de personalidade e tiveram experiências de vida que contribuem para o aparecimento da doença são, efetivamente, mais propensos.
Esses distúrbios estão aparecendo com mais frequência no consultório médico?
Sem dúvida. A sociedade está doente e as pessoas são muito cobradas para terem a estética ideal. Elas acabando desenvolvendo uma personalidade mais frágil e sucumbem à cobrança. A criação está muito diferente também, pois os pais passam menos tempo com os filhos, já que precisam trabalhar. Tenho visto crianças de 6, 7 anos que me dizem que não vão comer mais porque não querem engordar. Essa mensagem não vem delas, mas dos pais, da escola ou da tevê. Estão plantando no subconsciente dos pequenos que comer vai fazer uma pessoa ficar gorda e que engordar a diminui como ser humano. Ser gordo é visto como defeito. Obesidade e transtornos alimentares são extremos da mesma doença: ou se acaba compulsivo ou anoréxico e bulímico.