Não é preciso — nem se deve — pegar pesado nos exercícios. A pesquisa indicou que bastam 20 minutos de atividade moderada três vezes por semana para estimular a atividade cerebral dos bebês. “Já é consenso que um estilo de vida ativo é benéfico para a cognição de crianças, adultos e idosos. Mas essa é a primeira vez que verificamos que os exercícios físicos da gestante também têm um impacto para os recém-nascidos”, observa o neurologista Dave Ellemberg, especialista em neurodesenvolvimento e principal autor do estudo. De acordo com ele, testes anteriores realizados com animais demonstraram que ratinhos nascidos de fêmeas que se exercitaram durante a gestação se saíam melhor em tarefas envolvendo memória e aprendizado. Além disso, nesses animais, observou-se uma taxa maior de formação de neurônios no hipocampo. “Acreditávamos que isso também ocorreria entre humanos”, conta Ellemberg.
O cientista da Universidade de Montreal realizou o estudo com 60 gestantes que não tinham o hábito de se exercitar e eram pacientes do Hospital Pediátrico Sainte-Justine, na cidade canadense. Dados socioeconômicos e nutricionais das mulheres foram comparados para que entrassem nos testes apenas aquelas com perfis semelhantes. Dos quatro aos nove meses de gravidez, metade das participantes entrou para um programa supervisionado de atividades físicas aeróbicas, 20 minutos por dia, três vezes por semana.
Entre oito e 12 dias após o nascimento, os 60 bebês passaram por um eletroencefalograma, método não invasivo que mede, por meio de eletrodos posicionados na cabeça, a intensidade da atividade cerebral. “Descobrimos que os bebês das mulheres fisicamente ativas tinham uma ativação cerebral mais madura, sugerindo que seus cérebros se desenvolveram mais rapidamente”, revela Dave Ellemberg. “Nós esperamos contribuir para a compreensão dos efeitos da atividade física durante a gravidez no cérebro do recém-nascido e fornecer algumas ideias sobre neuroplasticidade fetal, ou seja, como o cérebro do feto é influenciado pelo ambiente”, diz o neurologista.
Pesquisadora do Departamento de Fisiologia da Universidade de Dokuz Elylul, da Turquia, Ayfer Dayi explica que a atividade física modifica a composição das células, o que justifica o impacto positivo dos exercícios sobre os neurônios. Ela é coautora de uma pesquisa que mostrou uma melhora nas funções cognitivas de roedores cujas mães foram colocadas na esteira ergométrica durante a gestação. “O desenvolvimento do cérebro dos mamíferos começa no período intrauterino. Nesse intervalo de tempo, o órgão pode ser afetado facilmente por fatores internos e externos, tanto negativa quanto positivamente”, diz.
A neurocientista lembra que situações estressantes nos primeiros estágios de gestação podem resultar em problemas como ansiedade, esquizofrenia e depressão nas crianças. “Por outro lado, um ambiente enriquecido de estímulos e a prática de exercícios aumenta o número de células cerebrais e melhora a aprendizagem e a memória”, afirma. No estudo conduzido por Dayi, foi observado que a atividade na esteira realizada pelas mães aumentava, nos ratos, a expressão da leptina, uma proteína encontrada no hipotálamo, no cerebelo, no hipocampo e na amígdala. “Consequentemente, acreditamos que essa substância tenha um importante efeito no desenvolvimento cerebral”, afirma.
Estímulo
A professora de educação física Ana Flávia Rangel coordena um programa de atividades físicas voltadas a gestantes em uma rede de academias de Brasília. Ela conta que as futuras mães procuram se exercitar para não engordar muito durante a gravidez, mas também com foco na saúde, especialmente no segundo trimestre de gestação, a “fase de ouro”, de acordo com Ana Flávia. “Nesse período, a mãe já sabe que está tudo bem com o bebê, os enjoos passaram, os hormônios se equilibram, não há mais aquele cansaço. Elas ficam com uma energia maior e uma vontade de fazer tudo. Até a sedentária quer ser atleta”, brinca.
Uma das alunas do programa especial para gestantes, a bancária Sílvia Lobo, 33 anos, já fazia pilates antes de engravidar e resolveu acrescentar aulas de alongamento para se sentir mais relaxada no momento do parto. “Estou me sentindo muito bem disposta”, conta Sílvia, que engordou apenas 4kg até o sexto mês de gestação. “Eu não sabia que a atividade influenciava o bebê também. Agora, com certeza, fico mais animada para me exercitar”, diz.
Estimular as mulheres a se interessarem mais pela atividade física durante a gravidez foi um dos objetivos da pesquisa do canadense Dave Ellemberg. “Acho que, agora, os médicos ficarão ainda mais encorajados a aconselhar que suas pacientes façam exercícios não apenas visando a própria saúde, mas os benefícios ao desenvolvimento da criança”, diz. “Infelizmente, nem todos os médicos ainda estão convencidos de que as atividades físicas fazem bem tanto às gestantes quanto aos bebês e acabam não incentivando as pacientes a se exercitarem”, acredita.
Nas duas primeiras gestações, a relações públicas Patrícia Vieira da Silva, 45 anos, quase não se exercitou. “O estímulo para a gente se exercitar era bem menor, não tinha essa cultura de academia”, lembra a mãe de dois jovens de 25 e 20 anos, respectivamente. Agora, no sétimo mês de gravidez do caçula, a situação é bem diferente. Desde os 30, Patrícia se exercita regularmente e, ao descobrir que esperava mais um filho, nem pensou em parar. Partiu dela a iniciativa de continuar as atividades — da musculação e da corrida, Patrícia passou para hidroginástica e alongamento. “Para mim, o maior incentivo é o bem-estar durante a gravidez e a recuperação pós-parto. Também acredito que, para o bebê, seja saudável”, diz a relações públicas, em ótima forma.
Riscos aumentados
O diabetes desenvolvido durante a gravidez pode causar complicações tanto para a mãe quanto para o bebê. No início da gestação, a presença da doença faz com que aumentem os riscos de aborto precoce e de defeitos congênitos. Quando a enfermidade não é bem controlada ao longo da gravidez, o feto pode crescer demais e a chance de ele nascer morto é maior. O diabetes gestacional é mais frequente entre mulheres obesas e acomete de 1% a 3% das grávidas. A eclâmpsia é caracterizada pelo aumento da pressão arterial em grávidas a ponto de provocar convulsões. Se não tratada rapidamente, pode ser mortal. No estágio anterior, a pré-eclâmpsia, pode provocar deslocamento prematuro da placenta e, consequentemente, baixo desenvolvimento fetal.
Com moderação
“Há cada vez mais evidências de que o exercício físico durante a gravidez traz benefícios para o descendente ao longo de toda a vida. Isso tem implicações vitais do ponto de vista da saúde pública: os obstetras precisam encorajar suas pacientes a deixar de lado o sedentarismo pelo bem dos próprios bebês. Alguns médicos ainda hesitam em recomendar as atividades às mulheres grávidas com base em uma noção ultrapassada de que a gestação é um período de confinamento. Pesquisas que evidenciem o quanto isso está errado vão ajudar a desfazer esses mitos e incentivar as gestantes a se manterem ativas. Mas é importante destacar que os exercícios devem ser moderados e sempre orientados.”
Terry Leet, professora de saúde comunitária da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Saint Louis