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As figuras atléticas foram esculpidas com intensos treinos com pesos, dieta rica em proteínas e suplementos alimentares, além de muita maquiagem e retoques digitais. Mesmo sabendo da tecnologia envolvida, há jovens que adotam o físico mostrado nas telas como um objetivo a ser alcançado, o que pode levar a problemas físicos e psicológicos.
Estudo realizado pelo Hospital Infantil de Boston, nos Estados Unidos, mostra que a preocupação excessiva com a aparência deixou de ser um mal que atinge basicamente as mulheres e já afeta um número considerável de rapazes. Por meio de questionários, a pesquisa avaliou, de 1999 a 2010, 5.527 adolescentes norte-americanos que tinham entre 12 e 18 anos quando a investigação foi iniciada. Os resultados indicaram que, em pelo menos um momento da investigação, 17,9% dos entrevistados se mostraram extremamente preocupados com o peso e o físico, 9,2% relataram muita preocupação com a musculatura e 31% disseram ter comportamentos bulímicos ou de compulsão alimentar, sem perda de controle. Em alguns casos, a situação se tornou perigosa: 2,4% disseram recorrer a hormônios do crescimento ou anabolizantes para ganhar um corpo mais musculoso, e 0,8% tiveram bulimia nervosa, incluindo o uso de laxantes.
Para Alison Field, principal autora do estudo, publicado na revista especializada Jama Pediatrics, os dados mostram que os médicos devem estar atentos a essa questão também nos homens. “Pouco se sabe sobre a prevalência de transtornos alimentares entre adolescentes e jovens adultos do sexo masculino. Muitas vezes, os sintomas passam despercebidos pelos médicos apenas porque existe uma ideia de que eles não passam por isso”, diz. Outro alerta trazido pela pesquisa é que a preocupação excessiva com a magreza ou com a musculosidade aumentam as chances de os rapazes usarem drogas, sofrer com depressão ou beberem em binge (episódios esporádicos de abuso do álcool) — veja infografia ao lado.
Sandra Barboza, especialista em neuropsicologia da Universidade Federal de Goiás (UFG), conta que a maioria dos pacientes que chegam à clínica com problemas ainda é mulher. Mas homens já representam 15% dos casos de bulimia e entre 20% e 40% dos de transtorno de compulsão alimentar. “Os estudos apontam que, na população masculina, esses transtornos estão mais associados a categorias específicas, como dançarinos, modelos e esportistas”, diz a médica.
A frequência do uso de esteroides anabolizantes para aumentar a massa muscular e o tamanho do corpo é mais comum entre eles, enquanto o uso de purgantes e inibidores de apetite é mais utilizado por elas, o que sugere que a vontade de perseguir o corpo ideal com medidas pode ser similiar entre ambos os gêneros, com diferença apenas nas técnicas usadas e no tipo de físico a ser alcançado. Nos homens, é mais comum o diagnóstico de vigorexia (excesso de exercícios para aumentar a massa muscular). O transtorno às vezes é subdiagnosticado porque as internações já ocorrem em casos extremos de sobrecarga cardíaca e óbito, e os médicos acabam por dar a causa da morte pelo abuso de anabolizantes.
“Os sintomas, certamente, podem passar desapercebidos pelos médicos, principalmente porque os profissionais de saúde são menos sensíveis a pesquisar os transtornos alimentares em homens. A população masculina está sendo excessivamente exposta a imagens de corpos de atores e atletas, cada vez mais musculosos, esbeltos e inatingíveis para a população em geral. São figuras produzidas à base de drogas e substâncias e, por isso, devem ser questionadas”, destaca Celso Alves dos Santos Filho, psiquiatra do Programa de Atenção aos Transtornos Alimentares da Universidade Federal de São Paulo.
Mauro Scharf, endocrinologista do laboratório Exame, explica que os meninos atingidos pelos transtornos alimentares sofrem com dismorfia, um distúrbio de autoimagem. “Quando chegam ao limite corporal alcançado pela genética, recorrem aos suplementos alimentares para aumentarem a musculatura. Os produtos são vendidos sem controle. Há suplementos à base de proteína que possuem hormônios androgênios em suas fórmulas, o que não é declarado na tabela nutricional. Por terem hormônios, deixam de ser suplementos e passam a ser medicamentos, mas são vendidos sem controle”, alerta o também pesquisador e chefe do Serviço de Endocrinologia Pediátrica do Hospital Nossa Senhora das Graças, em Curitiba.
Ele lembra o caso de um paciente de 15 anos que, após tomar anabolizantes utilizados para o crescimento muscular de cavalos, adquiriu um tumor no fígado. A substância era comprada no Paraguai pelo professor da academia onde o garoto malhava. “Ele não resistiu e acabou morrendo. Os meninos perdem a noção da realidade porque querem um corpo mais forte, assim como as meninas acabam ficando anoréxicas. Eles se colocam em situações de risco, e estudos assim servem de alerta para os jovens e os pais. Nenhum suplemento deve ser usado sem avaliação médica”, adverte Scharf.
Desde o século 17
A anorexia nervosa foi o primeiro transtorno alimentar a ser descrito, no século 19, embora existam referências históricas anteriores. Em 1689, o médico inglês Richard Morton descreveu um quadro clínico chamado por ele como consumo nervoso. Os sintomas relatados no livro Phthisiologia: or a treatise of consumptions parecem ser o que hoje é denominado de anorexia nervosa. Na obra, Morton conta que a pessoa que sofria da doença se parecia com “um esqueleto com apenas uma camada protetora de pele”.