Ainda existe a crença de que pessoas com mau hálito não limpam bem a boca, mas nem sempre o problema está associado com a falta de higiene oral. Mesmo quem escova os dentes da maneira adequada pode sofrer com a halitose, que pode ter mais de 60 causas, sendo que 90% delas são bucais. Membro da ABH, a cirurgiã-dentista Jacqueline Chaves Duarte, da Clínica Hálito Puro, em Belo Horizonte, informa que a diminuição de saliva é a razão mais frequente para o mau hálito. "A diminuição do fluxo salivar e o aumento da descamação da parte interna da boca levam à formação de uma placa esbranquiçada na língua, que é chamada de saburra lingual", explica. Estresse, ansiedade e tensão, medicamentos como fórmulas para emagrecer e antidepressivos, baixo consumo de água, uso da fala por longos períodos, respiração pela boca e radioterapia nas regiões da cabeça e pescoço, afetando as glândulas salivares, são alguns dos responsáveis pela boca seca.
Não apenas a quantidade, mas a qualidade da saliva influencia o hálito. A dentista Olinda Tarzia, que há mais de 30 anos estuda a halitose em Bauru, no interior de São Paulo, esclarece que o fluido deve ser mais cristalino. Isso porque, quando está muito gosmento, ele facilita a aderência de bactérias na língua. Logo, os micro-organismos que se instalam na boca começam a reagir com a saburra lingual, formada pela mucosa que descamou, restos de comida e saliva, fazendo com que a boca exale um ar cheio de gases de enxofre, os compostos sulfurados voláteis (CSV), responsáveis pelo odor ruim. Além de promover uma limpeza da língua, a saliva contém mais de 15 agentes antimicrobianos que impedem o crescimento das bactérias patogênicas, aquelas com o poder de provocar doenças.
Outra causa comum da halitose é a doença periodontal, infecção bacteriana que atinge a gengiva e o osso que sustenta os dentes. "A bactéria forma uma placa que causa sangramento na gengiva. Com o tempo, ela calcifica, dando origem ao tártaro, que, se não for removido, começa a provocar uma destruição óssea", destaca a dentista mineira. Durante o processo formam-se os compostos orgânicos voláteis (COV), que também produzem mau cheiro. Já a especialista de Bauru acrescenta que, quando a doença periodontal não é tratada, as bactérias se espalham pela corrente sanguínea, o que agrava a situação. "Dependendo de onde parar, elas podem provocar problemas graves e até morte", alerta Olinda. O paciente pode sofrer uma parada cardíaca caso os micro-organismos se instalem no coração, um acidente vascular cerebral (AVC) quando eles vão para a artéria carótida, que passa pelo pescoço, ou desenvolver artrite reumatoide nas articulações. Já as grávidas correm o risco de ter aborto, eclâmpsia e parto prematuro.
Alimentos ricos em enxofre também aumentam a produção dos gases que provocam o mau cheiro na boca, entre eles alho, cebola, repolho, brócolis, couve, couve-flor, alcachofra e couve-de-bruxelas. Dependendo do caso, a cirurgiã-dentista Jacqueline Duarte orienta o paciente a eliminar os alimentos do cardápio, mas normalmente ela sugere apenas a ingestão controlada. "Alho pode até fazer bem para a saúde, mas não faz nada bem para o hálito. Em vez de comer todos os dias um molho de alho, cápsula de alho e bife acebolado, peço para consumir o alimento com moderação", diz. O alto consumo de carne, leite e ovos também é inimigo do bom hálito, pois a proteína serve de alimento para as bactérias, que, ao transformar o nutriente em aminoácidos, promovem a liberação de gases com mau cheiro.
Medição dos gases detecta o problema
Sentir o odor do ar que sai pela boca não é suficiente para detectar a halitose. Os especialistas precisam recorrer a um equipamento que mede a concentração dos gases do mau hálito. O ar é coletado com uma agulha e o material é analisado automaticamente pelo aparelho, que dá o resultado em oito minutos. Pelo tipo de molécula identificada é possível saber se o cheiro desagradável é ocasionado pela falta de higiene bucal, presença de saburra lingual consistente, doença periodontal ou alguma alteração sistêmica. Também utiliza-se um exame para medir o fluxo salivar. O paciente mastiga uma peça de silicone por três minutos para que seja avaliada a qualidade e a quantidade da saliva coletada.
O tratamento da halitose depende da origem. Há casos em que o paciente vai precisar ser acompanhado por outros médicos, como, por exemplo, o otorrinolaringologista, por causa de desvio de septo nasal, ou o endocrinologista para os diabéticos. Além de limpezas periódicas, pode ser necessário utilizar enxaguante bucal adequado, gel com ação microbiana e antibiótico que é liberado na saliva na mesma proporção que no sangue para eliminar as bactérias. O fluxo salivar costuma ser normalizado com o uso de medicamentos, já que os micro-organismos podem se instalar na língua diante da baixa salivação, mesmo com a higiene correta da boca. Olinda Tarzia destaca que já existe no mercado um spray que reage com as bactérias e faz o hálito ruim desaparecer imediatamente. O tratamento dura, em média, três meses, mas em 30 dias já se conseguem ver resultados.
A alta incidência de halitose também está relacionada com a higiene bucal inadequada. "A maior parte da população não se lembra de usar o fio dental e começa a haver uma irritação na gengiva, formando um meio de cultura bom para bactérias", observa a dentista paulista. O próprio sangue que apodrece na boca gera um hálito desagradável. Recomenda-se uma sequência de limpeza, começando pelo fio dental, escova de dentes, limpador ou raspador de língua e por último enxaguante bucal. Ainda menos popular, o objeto que retira as bactérias da língua deve ser usado de um a no máximo três vezes por dia para que a superfície não seja agredida, principalmente na parte do fundo, onde os micro-organismos mais se acumulam "Você está promovendo saúde ao fazer a higiene correta. A boca serve de porta de entrada para várias doenças", comenta Jaqueline Chaves Duarte. A saburra lingual contém bactérias que podem desenvolver amigdalite, pneumonia e gastrite.
Por que...
ficar longos intervalos em jejum causa mau hálito?
Quando o nível de açúcar cai na corrente sanguínea, o organismo entra em hipoglicemia e começa a queimar gordura. Nesse processo é produzido um gás de cheiro desagradável, levando ao mau hálito.
a pessoa não percebe que exala mau cheiro pela boca?
Como o odor passa a ser constante, o nariz entra em processo de fadiga olfatória. Isso faz com que a pessoa se acostume com o mau cheiro e passe a não senti-lo mais.
é normal ter mau hálito de manhã?
Além da hipoglicemia ocasionada por horas seguidas sem comer, a pessoa fica com a boca fechada a noite toda, quadro que leva à descamação da boca e consequente aumento da saburra lingual. A situação é ainda pior para quem sofre de apneia ou respira pela boca por outro motivo.
sentir gosto estranho na boca não é sinônimo de mau hálito?
No momento em que a salivação começa a baixar, mas as bactérias responsáveis pelo cheiro desagradável ainda não se instalaram, a pessoa pode sentir um gosto esquisito na boca. A alteração de paladar é chamada disgelsia e não tem
relação com a halitose.
o mau hálito é mais comum com o avanço da idade?
É raro uma criança ter halitose. A possibilidade de acumular bactérias que provocam o mau cheiro começa a se concretizar aos 14 anos. A partir dos 55, a incidência de mau hálito pode chegar a 85%. A diminuição do fluxo salivar e o aumento do uso de remédios controlados causam boca seca.
COMO EVITAR O MAU HÁLITO
Alimentar-se em intervalos regulares para não ficar em jejum por muito tempo.
Tomar dois litros de água e/ou sucos naturais por dia.
Evitar a ingestão de café, refrigerante e chá preto. As bebidas são ricas em cafeína, substância que contribui para deixar a boca seca.
Fazer uma atividade física regular. Os exercícios, principalmente aeróbicos, ajudam a combater causas comuns da diminuição de saliva, que são estresse, ansiedade e tensão.
Comer em menor quantidade alimentos ricos em enxofre, gorduras e proteínas.
Ingerir frutas ácidas, como laranja, abacaxi, morango, kiwi, maçã e maracujá, para estimular a salivação e promover a autolimpeza da língua.
Mascar chicletes ou chupar balas para ajudar na formação de saliva, e não para mascarar o hálito.
Ficar atento ao funcionamento do intestino, pois a prisão de ventre é fator que causa halitose.
Fazer a correta higiene bucal depois das refeições. A recomendação é passar o fio dental, escovar os dentes e usar o limpador de língua. Escovar a língua apenas sacode as bactérias, mas não consegue eliminá-las.
Usar escovas macias, que devem ser trocadas quando as cerdas se abrem (em média, elas duram três meses).
Optar por pastas de dente que não contenham lauril sulfato de sódio (LSS), substância que dá espuma, mas resseca muito a boca.
Não usar enxaguantes bucais com álcool, já que eles deixam a boca mais seca e pioram o hálito.
Visitar o dentista a cada seis meses.
OUTRAS CAUSAS DA HALITOSE
A mesma massa bacteriana que permanece na superfície da língua pode se acumular nos buraquinhos das amígdalas, caracterizando os cáseos amigdalianos.
Alterações do sistema respiratório, como rinite alérgica e desvio de septo nasal, fazem com que o paciente respire pela boca, diminuindo o fluxo de saliva.
O processo inflamatório de otite e sinusite causa mau cheiro
na boca.
Quando o intestino não funciona todos os dias, o material que não é eliminado forma gases com mau cheiro, que são reabsorvidos pela corrente sanguínea e eliminados pelo ar da boca.
Hérnia de hiato manifestada com refluxo causa halitose, pois o material volta para a cavidade da boca e se deposita na língua, fazendo aumentar a saburra lingual.
O diabético tem mais chance de ter boca seca devido ao desequilíbrio hídrico, que também leva o organismo a entrar em hipoglicemia, causando mau hálito.
Em quadros de megaesôfago, que se caracteriza pela dilatação do tubo do esôfago, a comida não passa para o estômago e os resíduos de comida se acumulam.
A cirrose hepática pode mudar o hálito do paciente, pois as substâncias que seriam depuradas pelo fígado acabam sendo eliminadas pela respiração.