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Na Grécia antiga, recomendava-se banho de mar para equilibrar os humores. Durante a Idade Média, poções mágicas eram receitadas às escondidas. Também se recomendavam orações para expiação dos pecados: a culpa da insanidade pesava sobre o doente, que estaria pagando por suas transgressões. Mais recentemente, o tratamento passou por barbitúricos, sedativos e lobotomias. Nada surtiu efeito. Hoje, antidepressivos e estabilizadores de humor conseguem controlar e mesmo evitar o surgimento de crises, mas os médicos estão atrás de uma droga específica para o distúrbio. Para desenvolvê-la, cientistas têm buscado explicações na genética sobre o ciclo depressão–mania.
Casos de transtorno bipolar costumam acontecer entre famílias, o que levou pesquisadores a suspeitar, na década de 1950, que a doença teria componentes hereditários. Desde então, alterações genéticas foram associadas à flutuação severa do humor. Principalmente depois do Projeto Genoma, descobriram-se diversas mutações em regiões do DNA que aumentam a suscetibilidade ao distúrbio. Considerado o maior especialista mundial em psiquiatria genética, Nick Craddock, diretor do Centro Nacional de Saúde Mental da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, lembra que não há solução simples para o problema. “O ponto principal é que a maior parte dos casos de distúrbio bipolar envolve a interação de diversos genes ou mecanismos genéticos complexos, ao lado de questões ambientais e de um gatilho”, alerta.
Craddock rejeita teorias que se concentram em uma causa única. “O pensamento reducionista não tem lugar nessa discussão. Pensar em qualquer caso como só genético ou só ambiental ou falar sobre o ‘gene da bipolaridade’ não faz o menor sentido”, afirma. Autor de uma série de artigos sobre o tema publicados pela revista The Lancet, ele explica que, ao contrário do que é possível imaginar, não se pensa, ao menos por enquanto, em “consertar” os genes defeituosos. O aprofundamento do estudo sobre a predisposição orgânica ao distúrbio tem como objetivo conhecer os mecanismos biológicos da doença para, então, buscar uma frente de combate. É o que ocorre com a depressão, por exemplo. Como se sabe que, do ponto de vista fisiológico, esse mal resulta de uma falta de balanceamento dos neurotransmissores, os remédios não buscam reverter as imperfeições do DNA, mas tentam equilibrar a produção dessas substâncias no cérebro.
Euforia incomum
Na linha de estudos que aliam psiquiatria e genética, pesquisadores do Baylor College of Medicine, em Houston, fizeram uma importante descoberta recentemente. Eles constataram que o comportamento maníaco, característico da fase eufórica do transtorno bipolar, pode estar relacionado a uma atividade anormal do gene Shank 3, que desempenha um papel crucial nas funções cerebrais. Anteriormente, outros cientistas já haviam encontrado associação entre mutações em genes dessa família e esquizofrenia, autismo e comprometimento intelectual.
Huda Zoghbi, médica que liderou a pesquisa, publicada na edição desta semana da revista Nature, conta que o Shank 3 decodifica uma proteína responsável pelo bom funcionamento das sinapses, as conexões feitas entre os neurônios. De acordo com Zoghbi, ratos com defeito na produção do gene exibiram comportamento semelhante ao da mania, além de convulsões e alterações na atividade neuronal. A equipe de cientistas também constatou que dois pacientes humanos diagnosticados com distúrbio bipolar e transtorno do deficit de atenção com hiperatividade tinham duplicações na região do cromossomo que contém esse gene, mais uma pista de que o Shank 3 tem relação com o distúrbio.
Para a pesquisadora, a descoberta poderá ajudar a desenvolver um tratamento mais eficaz. Em laboratório, Zoghbi testou o efeito de duas substâncias utilizadas em estabilizadores de humor nos ratinhos que demonstravam o comportamento maníaco. Uma delas, o lítio, não surtiu resultados significativo, mas a outra, o valproato de sódio, reverteu os sintomas. “Esse estudo claramente mostra o papel da duplicação do gene Shank3 em sintomas neuropsiquiátricos, especialmente convulsões e mania. Esse comportamento pode ser corrigido por um tipo de droga estabilizadora de humor, mas não por outra. Então, esse tipo de análise farmacogênica será crucial para a seleção de terapias apropriadas para distúrbios neuropsiquátricos”, acredita.
Embora destaque que a alteração cíclica entre depressão e euforia seja muito complexa, Nick Craddock acredita que os avanços nas pesquisas, principalmente dos últimos cinco anos, são animadores. “Acho que não estamos muito longe de iniciarmos os primeiros testes clínicos (realizados com humanos), baseados em achados recentes”, afirma o neurocientista, que investiga como mutações nos genes responsáveis pela regulação de canais de sódio no cérebro contribuem para o transtorno bipolar. Mas Craddock também ressalta que, ao lado dos estudos genéticos, os cientistas têm de realizar mais pesquisas sobre os aspectos psicológicos e neurológicos da doença.
Há duas décadas investigando sobre o transtorno, John Geddes, professor de psiquiatria da Universidade de Oxford, concorda com Nick Craddock. “Tratar de transtorno bipolar é difícil porque o mesmo medicamento que alivia a depressão pode causar mudanças de humor ou deflagrar a fase de mania, e tratamentos que reduzem a mania podem levar a episódios depressivos”, afirma. Para ele, ao lado de estudos genéticos que levem a melhores medicamentos, é preciso intensificar as pesquisas sobre como as abordagens farmacológica e comportamental podem, juntas, trazer benefícios para os portadores do problema. “Combinar tratamentos psicossociais, como a psicoterapia, para o paciente e a família dele com drogas estabilizadoras de humor me parece a linha mais indicada, mas, nos últimos 20 anos, não tenho visto pesquisas que investiguem essa abordagem conjunta”, lamenta.