Música torna a atividade física menos desgastante

O som ajuda as pessoas a prestarem menos atenção ao esforço exigido pelos exercícios

por Vilhena Soares 24/10/2013 15:00

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Ao trabalhar nos campos de algodão do sul dos Estados Unidos, os negros escravizados cantavam enquanto realizavam a tarefa braçal. O costume está ligado à origem do blues, que, curiosamente, seria entoado, tempos depois, por prisioneiros americanos durante os trabalhos forçados. Em várias outras situações — menos dramáticas —, a combinação da música com o esforço físico também pode ser observada. Basta lembrar dos militares que correm em grupo cantarolando ou das academias de ginástica, repletas de clientes com fones grudados na orelha.

	Iano Andrade/CB/D.A Press
Na hora de realizar manobras no skate, Marina prefere rock pesado: "Sempre tento adequar o estilo da música ao que estou praticando" (foto: Iano Andrade/CB/D.A Press)
Um novo estudo sugere que essa mistura de som e movimento não se deve apenas ao gosto do ser humano pelas melodias. Ouvir canções, concluíram os autores da investigação, tem o poder de tornar o esforço físico menos penoso. Segundo Thomas Fritz, pesquisador do Instituto Max Planck para Cognição Humana e Ciências do Cérebro, na Alemanha, a música ajuda a distrair e a relaxar a mente, fazendo com que a pessoa não pense tanto no cansaço a que seu corpo está sendo submetido.

Para chegar a essa conclusão, Fritz e alguns colegas realizaram um experimento composto de dois testes. No primeiro, três participantes utilizaram equipamentos encontrados em qualquer academia, como esteira e máquinas de levantamento de peso. Os exercícios foram realizados com e sem a presença de música, enquanto os cientistas mediram dados metabólicos dos participantes e perguntaram a eles sobre como se sentiam. O resultado mostrou que os voluntários experimentaram menos cansaço quando podiam escutar as melodias. Fritz acredita que a diferença se deu graças a uma sensação de bem-estar provocada pela música. “Eu acho que, durante o êxtase musical, nós temos um maior controle motor, que também é emocional”, destaca.

No segundo teste, os pesquisadores equiparam os aparelhos com um software que produzia música a partir dos movimentos realizados pelos voluntários nos aparelhos. Após realizar as medições, eles notaram que a sensação de “fazer” a música tornou os participantes ainda mais dispostos e menos cansados. “Esses resultados são um avanço, porque, decisivamente, nos ajuda a entender o poder terapêutico da música”, prossegue Fritz. “Um efeito modulador musical na atividade de esforço poderia ser uma razão ainda desconhecida para o desenvolvimento da música nos seres humanos: produzir música faz com que o esforço físico seja menos desgastante”, especula o coautor do trabalho, publicado na revista Pnas.

Iano Andrade/CB/D.A Press
Rafael sente menos vontade de caminhar quando não pode ouvir música: "É ruim" (foto: Iano Andrade/CB/D.A Press)
Som companheiro
Rafael Costa, publicitário de 26 anos, confirma as impressões dos pesquisadores. Sempre que sai para caminhar, leva a música como companheira. O som, acredita, lhe dá mais disposição para se exercitar. “Toda vez que saio de casa, lembro de pegar meu aparelho de som. Se chego ao parque e vejo que a bateria está para acabar, até me desanimo um pouco. É ruim. Parece que canso mais quando estou sem essa distração.”

A estudante Marina Macedo, 22 anos, descreve uma experiência semelhante. Ela não dispensa os fones de ouvido e o aparelho de MP3 quando decide andar de skate pela cidade. Ela acredita que o tipo de música que escuta auxilia seu desempenho nas manobras. “Sempre tento adequar o estilo da música ao que estou praticando. Começo a andar e coloco um rock mais pesado. Quando paro para descansar e beber água, troco para um som mais melódico”, conta. “Acho que, ao ouvir algo animado, eu esqueço o cansaço”.

De acordo com Thomas Fritz, o depoimento da estudante encontra ressonância no laboratório. Segundo o neurologista, o estilo da música parece mesmo influenciar o desempenho de um atleta. Como próximo passo do estudo, o time de pesquisadores deseja investigar essa relação mais a fundo. “Acreditamos que o efeito de relaxamento provavelmente depende do gosto musical. Queremos abrir o nosso software para compositores criarem muitos estilos de música”, destaca.

Neurocientista do Instituto D’or de Pesquisa, Anne Rose Engel acredita que o experimento comprova uma suspeita antiga. “Nesse trabalho, houve a combinação de uma atividade física com um treinamento que, em geral, já tem efeitos muito positivos no humor e no corpo. E ‘fazer’ música, também tem efeitos. Essas duas ações estão combinadas e mostram que o som está diminuindo a percepção de esforço das pessoas. Elas se ‘perdem’, se distraem”, analisa a especialista.

Regina Pedroza, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), acredita que o esforço feito na execução dos exercícios acaba por acompanhar um ritmo. “Como os exercícios pedem um esforço repetitivo, a música ajuda a distrair”, diz. “No entanto, não podemos generalizar. Há pessoas que não gostam. Trabalho na área de psicologia do esporte e vejo casos de atletas que se queixam do barulho. Não podemos dizer que é um recurso bom ou ruim. Depende muito da pessoa”, ressalta.

Poesia na cabeça
Pesquisadores da Universidade de Exeter, na Inglaterra, demonstraram que ouvir música e ler poesia produz uma atividade cerebral parecida. O trabalho com essa conclusão foi publicado recentemente no Journal of Consciousness Studies. Utilizando técnicas de ressonância magnética, os especialistas analisaram o cérebro de 15 voluntários quando liam prosa e trechos de suas poesias preferidas. Os cientistas notaram que, diferentemente dos demais textos, os versos mostraram-se capazes de acionar áreas que, em estudos anteriores, foram ligadas às emoções produzidas por melodias. “A escrita emocional (poesia) foi associada com a atividade nas áreas ativadas também pela música que emociona, como a ínsula, o tálamo e o mesencéfalo”, diz o líder do estudo, Adam Zeman.