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Maiken Nedergaard, codiretora do Centro de Neuromedicina da University of Rochester Medical Center e principal autora do estudo publicado hoje na Science, explica que o cérebro possui um sistema de limpeza, apelidado de glinfático. Ao analisar as cobaias, os pesquisadores notaram que esse sistema aumenta em 10 vezes a sua atividade quando os ratos dormiam ou estavam anestesiados. “Esse estudo mostra que o cérebro tem diferentes níveis funcionais durante o sono e quando acordado. Parece que ele deve escolher entre dois estados — acordado e consciente ou dormindo e limpeza”, explica Nedergaard. “Podemos pensar nisso como ter uma festa em casa. Você pode entreter os convidados ou limpar o lugar, mas você não pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo”, complementa.
Os pesquisadores também descobriram que o tamanho das células do cérebro diminuem consideravelmente quando os animais dormem. Elas encolhem cerca de 60%, o que facilita a faxina feita pelo líquido cefalorraquidiano — substância responsável pela limpeza do cérebro. Ao circular, ele retira os resíduos tóxicos produzidos durante a metabolização do órgão. “O sistema glinfático literalmente libera líquido cefalorraquidiano no cérebro, que arrasta a sujeira entre as células. A beleza desse sistema é que ele remove qualquer produto residual, como uma máquina de lavar louça”, complementa Nedergaard.
Sobrecarga
Para Suzana Herculano, professora associada do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a pesquisa aborda um sistema fundamental ao funcionamento do corpo e que evita problemas que podem ser atiçados ou potencializados quando as pessoas deixam de dormir. “Quem sofre com a epilepsia possui mais chance de ter uma crise ao passar uma noite sem dormir, vemos isso na enxaqueca também”, exemplifica. “Não sabemos as razões disso, mas essa descoberta sugere que esse risco maior de crises de doenças está associado ao acúmulo maior de substâncias. O cérebro ficaria sobrecarregado porque não teve a oportunidade normal de limpar toxinas.”
Fernando Pimentel de Souza, professor titular de neurociência da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também acredita que o processo de limpeza pode ser uma estratégia do cérebro para evitar doenças neurológicas. “Uma dessas substâncias tóxicas que é retirada nesse processo é o beta-amiloide, que provoca o Alzheimer.” Segundo Souza, a descoberta feita por Nedergaard e a equipe liderada por ela comprova cientificamente a importância do sono, muito negligenciado atualmente. “As pessoas acham que, como não temos provas materiais da importância dele, dormir é algo dispensável, um luxo. Hoje, muitos escritórios permitem que as pessoas trabalhem em casa. Com isso, funcionários viram a noite. É preciso pôr um limite nessas transformações de rotinas para não nos prejudicarmos”, alerta.
Para Nedergaard, o processo de limpeza do cérebro vai ajudar a decifrar como um órgão tão complexo se defende e como tratamentos médicos poderiam aperfeiçoar esse sistema. “Entender exatamente como e quando o cérebro ativa o glinfático e limpa os resíduos é um primeiro passo crítico nos esforços para potencializar esse sistema e fazê-lo funcionar de forma mais eficiente. O nosso próximo passo é estudar o glinfático em humanos”, adianta a pesquisadora.
Herculano também acredita que o estudo vai abrir as possibilidades de pesquisa na área e dar uma maior importância aos resíduos expulsos pelo cérebro. “A maioria das pessoas que estuda o sistema nervoso se interessa com o que tem dentro da célula, e não com o que é jogado para fora. A partir desse estudo, podem surgir terapias com maneiras de acelerar e permitir que aconteça a limpeza até mesmo quando a pessoa estiver acordada”, cogita.
A importância das oito horas
“A quantidade de sono necessária para que a pessoa restabeleça o humor e desenvolva a capacidade de memória e aprendizagem geralmente é de oito horas por dia. Mas temos um número pequeno de pessoas que consegue restabelecer as forças com menos tempo, como seis horas. É claro que essa característica não pode ser adquirida sozinha, ela é genética. Temos tipos diferentes de sono: o considerado nobre, que provoca mais o efeito de descanso, e os de ondas mais leves, pouco explorado pelas pessoas que dormem menos horas. Porém, esse trabalho mostra que o sono leve pode também ter muita importância nesse processo de limpeza, o que reforça a importância dele de uma forma geral, tanto o mais leve quanto o nobre”
Fernando Pimentel de Souza, professor de neurociência da UFMG