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Trata-se da APOBEC3G (A3G), produzida nos linfócitos e integrantes da família de enzimas responsáveis por corrigir o DNA e o RNA. Essa proteína exerce naturalmente atividade imunológica antirretroviral contra os retrovírus, especialmente o HIV, determinando o controle da replicação deles. Quando o HIV infecta um linfócito, as moléculas de A3G atacam os vírus em formação. Em um processo ainda não totalmente esclarecido, elas entram no invólucro viral e expulsam o vírus da célula. Quando novos vírus se ligam a outras células para infectá-las, acabam levando com eles a A3G.
Em sua evolução, porém, o HIV adquiriu uma proteína, chamada VIF (virion infectivity factor), que potencializa a infecciosidade do vírus e neutraliza a A3G, degradando-a. Indivíduos que têm maiores quantidades de A3G conseguem, portanto, resistir ao HIV por mais tempo sem ajuda de medicamentos. “Mesmo na ausência de antirretrovirais, a imunodeficiência não progride durante períodos prolongados em alguns sujeitos com HIV que possuem os alelos HLA B57 e ou B27 (partes de um gene ligado à produção da A3G). Eles têm menos provírus de HIV do que aqueles que não são controladores”, explica Richard D’Aquila, coautor do estudo (veja infográfico), publicado na edição de hoje da revista Plos One.
Kepler de Almeida, professor assistente na Universidade de Miami, pondera que indivíduos com esses alelos podem produzir mais A3G, mas nem todos. “Não sabemos ainda por que alguns produzem essa proteína em maior quantidade. Há outras características relacionadas aos controladores e que estão ligadas à forma como as células CD8 (de defesa) lidam com o vírus. Elas produzem alguma substância que ainda não foi esclarecida. Quando as células dessas pessoas são misturadas, em especial as de alelo B57, que é mais raro, percebemos que eles não se multiplicam”, conta o também médico dos hospitais Alvorada Brasília e Santa Lúcia.
No experimento com amostras de indivíduos controladores e não controladores, os cientistas perceberam que, quanto maior a quantidade de A3G, menor a infecciosidade dos vírus dotados de VIF. “A hipótese de que o controle do HIV está associado a essa proteína pode ser explicada pelo fato de que, quanto mais o indivíduo tem A3G, mais ela é empacotada nos vírus e menos provírus ativos com VIF são liberados”, explica D’Aquila.
Muitas dúvidas
Ésper Kallas, coordenador do Comitê de Retroviroses da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), explica que, embora os estudos avancem em direção a uma maior compreensão do organismo dos controladores de elite, inclusive com pesquisas direcionadas para medicamentos que inibam a VIF, deixando que a A3G funcione livremente, ainda há muitas dúvidas. “Os pesquisadores mostraram que essa proteína do sistema imunológico é mais eficiente nos controladores, mas ainda não sabemos se isso é causa ou consequência dessa capacidade de controlar o vírus. É sempre uma dúvida: por haver menos vírus nessas pessoas, existe mais ação da A3G, ou é essa proteína que funciona melhor nesses indivíduos?”, questiona o também professor associado da Universidade de São Paulo.
Os resultados sugerem que a parte extra de A3G produzida pelos controladores escapou da degradação causada pelo VIF. As células extras entraram nos vírus, que notavelmente tiveram a virulência diminuída. “Mais estudos precisam ser feitos para entender o organismo dos controladores. Mas uma das explicações pode ser a maior atividade antiviral da A3G. Vimos que menos cópias do vírus surgiram das células com maior quantidade dessa proteína. Compreender esses mecanismos pode ajudar a desenvolver uma vacina ou uma estratégia para a cura funcional do HIV”, acredita o pesquisador.
Rosa Dea Sperhacke, coordenadora do Laboratório de Pesquisa em HIV/Aids da Universidade de Caxias do Sul
Por que algumas pessoas têm características físicas que enfraquecem ou imunizam o HIV?
Sabe-se que, uma vez estabelecida a infecção crônica pelo HIV, o curso de progressão da doença pode ser influenciado por fatores genéticos e imunológicos do hospedeiro, além de fatores virológicos. Até o presente, ainda não foi reportado nenhum curso espontâneo, conduzido imunologicamente, que claramente identifique o curso da infecção. Por outro lado, um pequeno percentual de indivíduos infectados apresenta a doença estável, no qual não se dá o declínio da contagem de CD4+ e existe um controle da replicação do vírus mesmo na ausência da terapia antirretroviral, denominados como controladores da viremia. Além disso, um percentual ainda menor, menos de 1% de indivíduos infectados apresentam níveis indetectáveis do vírus.
Qual o diferencial desses indivíduos?
Os controladores apresentaram diminuição dos níveis do provírus HIV-1 (tipo mais comum de HIV) em comparação com as células analisadas dos pacientes que não são controladores e que têm a viremia controlada. Outros resultados do presente estudo indicam que as células T de memória com níveis elevados da proteína A3G foram significativamente mais propensas a abrigar menor quantidade do provírus HIV-1 in vivo, e que os viriões (forma infectiva do vírus) contendo maiores níveis de A3G apresentaram menor infecciosidade.
O que isso significa?
Os resultados encontrados sugerem, entre outros, a hipótese de que o aumento da proteína A3G diminui o reservatório de provírus latente, sendo esse um dos possíveis e importantes mecanismos para a manutenção do controle do HIV. Esse estudo também destaca a possibilidade de identificar novas moléculas que possam aumentar especificamente os níveis celulares ou a atividade da A3G e, assim, auxiliar estudos que visem a estabelecer outros mecanismos de controle viral. Uma vez que seja possível identificar esses fatores que influenciam no curso clínico da infecção, diversas estratégias podem ser utilizadas para esclarecer alguns mecanismos na resposta imune frente à infecção pelo HIV, permitindo também novas abordagens terapêuticas no desenvolvimento de fármacos e vacinas.