Foi também na última semana que aconteceu o casamento de Perséfone, interpretada pela atriz Fabiana Karla, na novela 'Amor à Vida', da Rede Globo. Depois de passar por sucessivas humilhações por ser gorda, a personagem, enfim, subiu ao altar. O desfecho desagradou feministas. Para a professora da PUC Minas, Samantha Braga, mais do que uma questão estética, o problema é a mídia, mais uma vez, apontar como solução para toda a mulher casar e ter filhos. Mas a insatisfação não para por aí. Na internet, foi criado um abaixo-assinado em agosto (clique) direcionado ao autor da trama, Walcyr Carrasco, que pedia a mudança de comportamento da personagem. Blogueiras como a mineira Kalil Fonseca, do Beleza sem Tamanho, explicitaram indignação em relação à forma como Perséfone era apresentada em horário nobre. “Estamos cansadas da forma ridícula que vem sendo mostrada a mulher gorda através da personagem”, escreveu na apresentação da “petição” online. A reviravolta ainda não veio.
Projetos na internet questionam padrão de beleza
A internet tem se consolidado como palco de repercussão para o conteúdo publicado nas mídias tradicionais. Ainda que o acesso não seja amplo no Brasil, o ambiente propicia o diálogo e o debate. Nessa onda, não param de surgir projetos de fotógrafos, coletivos, artistas, estudantes e blogueiros questionando, por exemplo, o padrão de beleza e, em casos raros, pautando grandes veículos. A estudante de Ciências Sociais da USP, Marina Macedo Rego, de 22 anos, é autora do projeto A Batalha dos Corpos. Para ela, a internet funciona tanto fortalecendo esse tipo de padrão quanto o enfraquecendo. “Sem dúvidas há maior conteúdo fortalecedor. As incontáveis publicidades sexistas e “dicas para emagrecer” são prova disso. Porém, muitos trabalhos feministas que lutam contra isso também possuem hoje como maior ambiente de ação a internet. A meu ver, a internet possui em maior parte conteúdo mais opressivo, mas ao mesmo tempo consiste em uma ótima ferramenta para subverter isso”, acredita.
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Em seu projeto, Marina convida mulheres a mostrarem a parte do corpo que as desagrada. Ela conta que a ideia surgiu por razões políticas e emocionais muito fortes. “Como toda mulher me sinto pressionada a seguir um padrão de beleza que nunca alcançarei. Perceber que esse é um problema sistemático e social me fez ver que para além de trabalhar minhas questões internas, devo tentar mudar isso em um âmbito amplo que englobe toda a sociedade, já que enquanto houver esse tipo de padrão - ou seja, essa força coercitiva que é maior que expressões individuais - não há como qualquer mulher sentir-se adequada. Esse não é um problema meu. Esse não é um problema de algumas mulheres ou de algum grupo. É uma pressão que todas nós sofremos desde o dia que nascemos”, explica.
“Queremos deixar claro ao mundo que o photoshop é uma forma de fazer censura! Uma recente pesquisa britânica revela que metade das garotas de 6 anos já estão infelizes por causa da aparência de seus corpos. Isso acontece por que o que se vê no espelho não é aquilo que aparece nas revistas, o importante detalhe, porém, é que o que se vê nas revistas é mentira” – Marina Macedo, A Batalha dos Corpos.
Depilação, não!
Outra iniciativa que nasceu na internet é o projeto Pelos Pelos, do coletivo Além. A dupla de fotógrafos Núbia Abe e Mateus Lima quer expor duas problemáticas que envolvem o tema: a opressão ao corpo fora de um padrão estético e a opressão à mulher. Mas essa pressão atinge também os homens? Para os idealizadores, sim. “Aqueles com o corpo muito peludo, cabelo comprido ou barba grande também sofrem com os olhares discriminatórios, chegando ao ponto de uma barba impedir o seu portador de ocupar certos empregos”, afirmam.
Qualquer pessoa pode ser fotografada para o projeto. Clique na galeria de imagens e saiba mais.
A dupla ressalta que apesar de a questão da aceitação do corpo envolver mulheres e homens, a opressão é sofrida em grau muito maior por elas. “A ideia de ter fotos de homens em meio às fotos das mulheres é também com a intenção de mostrar que se homens podem, mulheres também podem. Esse é o paralelo que queremos fazer, o paralelo do direito, e não o paralelo da opressão”, resumem.
“Acreditamos que as pessoas têm dificuldade em desejar o que é natural de cada indivíduo e em respeitar a diversidade. Assim, vivem em uma busca eterna de algo que é inatingível” - Núbia Abe e Mateus Lima, Pelos Pelos.
De onde veio, para onde vai
A publicidade muitas vezes é apontada como o principal agente dessa estética padronizada. Para a professora da PUC Minas, Samantha Braga, não é o único. “Fico pensando até se é o principal. Outras mídias, como novela e filme, influenciam mais porque, além de serem mais constantes, os padrões de comportamento vêm em doses homeopáticas. A publicidade está descaradamente vendendo um produto”, afirma. A especialista considera a novela um agente mais pernicioso que a publicidade porque, segundo ela, na segunda situação o consumidor está diante de uma mensagem que quer vender e já lida com o conteúdo conhecendo a natureza do discurso. “A publicidade não é vanguardista, ela dissemina o que está colocado socialmente”, resume.
Samantha gosta de lembrar que, apesar de a mídia ser disseminadora de um padrão social e cultural, a aceitação é da sociedade. Para ela, as revistas femininas, por exemplo, ganham em cima do que a pessoa não consegue ter: um corpo ‘photoshopado’. “A pessoa lê aquelas dicas de beleza e funciona como se a informação fosse uma pílula para deixá-la mais tranquila: ‘leio, estou informada e já resolve pelo menos uma parte’”, observa.
O consumo passa justamente por esse ponto. “As pessoas compram para ficar mais perto de um universo do qual não fazem parte”, diz. Samantha afirma que a publicidade trabalha com o vazio existencial. “Se não existisse desejo, não existiria espaço para o consumo”, pondera.
Mudanças
Samantha Braga acredita que é a mentalidade social, o questionamento, que vai modificar a publicidade e afirma: “grandes marcas estão atentas ao que acontece nas redes sociais. A internet é um grande pólo de formação de opinião, mas enquanto a gente compra, a gente aceita”.
Para ela, o padrão de beleza já foi alterado nos últimos 20 anos. “A mulher gostosona, a boazuda, também é vista como mulher bonita hoje em dia”, diz. E cita outro exemplo: “qualquer roupa da moda hoje em dia tem numeração até 48 em lojas de departamento. O padrão mudou. Há pouco tempo, essa numeração só se fosse numa sessão plus size. Não acho que é uma causa perdida”, reforça.
A professora da PUC Minas lembra ainda que “as discussões estéticas estão aí desde que o mundo é mundo, desde que minorias tentam se mostrar”.
Outras iniciativas
O projeto da fotógrafa americana Rachel Barlow ‘Beauty Revealed Project’ (Projeto Beleza Revelada, em tradução livre) mostra os corpos de mulheres logo após o parto. A ideia é exibir as marcas que uma gravidez pode deixar no corpo feminino e valorizar a história de cada uma das mulheres. Clique e saiba mais.
COLABOROU GABRIELLA PACHECO.