'Politicamente correto' pode esconder o mundo real das crianças

Especialistas recomendam que os pais sejam mais flexíveis e tolerantes com relação à realidade

por Gláucia Chaves 15/10/2013 09:03

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Informações e pitacos sobre como proceder na educação dos filhos não faltam. Na internet, nas páginas dos jornais, na televisão ou mesmo com aquela tia “sabe-tudo”, pode ser complicado filtrar o que é realmente útil do que não tem fundamento. Como saber se o exagero está ditando a tônica? Para Ana Merzel Kernkraut, coordenadora do Serviço de Psicologia do Hospiral Israelita Albert Einstein, em São Paulo, uma dica é tentar levar as coisas de maneira viável e natural. “Uma mãe que faz questão de fazer a papinha dos filhos deve pensar no dia em que ela for viajar. Será possível continuar fazendo? Um dia de papinha industrializada vai fazer tão mal assim?”, exemplifica.

O ideal, segundo ela, é que os pais sejam mais flexíveis e tolerantes com relação à realidade. Outra boa maneira de descobrir se o politicamente correto está passando dos limites é olhar para os lados. Conversar com outros pais pode ser um termômetro para as próprias atitudes. “Claro que há valores dos quais a pessoa não pode e não deve abrir mão, mas isso dá um pouco de noção do senso comum. É preciso ver se você não está muito fora da realidade”, analisa Ana Kernkraut.

Janine Moraes/CB/D.A Press
Mãe: Alejandrina Losasso de Entenza. Filhos: Antonia Entenza, 5 anos, e Santiago Entenza, 2 anos. O que pensa: não adianta usar o politicamente correto para esconder o mundo dos filhos (foto: Janine Moraes/CB/D.A Press)
Ana Cássia Maturano, psicóloga e psicopedagoga clínica, diz que, em seu consultório, não vê muitos pais preocupados em seguir a cartilha do politicamente correto. Além das preocupações normais com relação ao sono e aos alimentos dos filhos, ela conta não notar grandes exageros. Quando um caso se sobressai, ela tenta repassar a máxima mais repetida quando o assunto é criar uma criança: o filho deve ser criado para o mundo. “A não ser que você crie um mundo à parte para seu filho”, brinca.

Dentro dos limites do razoável, ela defende que há como aproveitar o que é considerado nocivo sem grandes prejuízos para a saúde física e mental das crianças. “É claro que se deve restringir certos programas e o tempo de exposição, mas criar uma pessoa proibindo-a de assistir televisão é criá-la fora desse mundo”, reforça. Outra máxima aplicável a esse tipo de situação, segundo ela, é a do “o que é proibido é sempre mais gostoso”. Quando nada é permitido, a cabeça começa a criar questões acerca do que está escondido. “Por que meu amigo pode e eu não posso?”, questionam.

“Os pais devem saber usar a televisão a favor deles”, ensina Ana Maturano. Assim como é possível encontrar conteúdos satisfatórios na telinha, a psicóloga frisa que saber ensinar a aproveitar “o lado bom” da vida também é uma maneira de ajudar no desenvolvimento infantil. “Um lanche menos saudável é gostoso, de vez em quando”, exemplifica. “Acho o politicamente correto o mais incorreto possível, porque deixa a pessoa culpada. Talvez a pessoa esteja deixando de se divertir. São ‘porcarias’ possíveis, se não tudo fica muito sisudo e perde-se a espontaneidade.”

Lia Capiberibe Feitosa de Carvalho, de 11 anos, já questionou a mãe sobre programas de televisão aos quais ela não pode assistir. A menina, contudo, não tenta dissuadir a mãe. Ao contrário: tem orgulho da restrição. “Minhas amigas da escola gostam de uma novela adolescente em que a filha briga com o pai o tempo inteiro. Acho isso ridículo”, opina. “A mensagem é totalmente errada, e minhas colegas estão ficando assim. Esses programas nos influenciam, alguma coisa fica na nossa cabeça.”

A administradora Janúbia Souza Capiberibe, de 42 anos, mãe de Lia, diz que o conceito de politicamente correto, para ela, é muito mais abrangente que o tipo de legume que a filha come. A prioridade, ela explica, é ajudar a garota a ter inteligência emocional para que faça suas próprias escolhas. “Eu e o pai dela procuramos levá-la para trabalhos sociais, para que ela conheça outras realidades”, diz Janúbia. Todos os domingos, Lia dá aulas de flauta para uma comunidade carente de Sobradinho. As duas ajudam ainda crianças, jovens e adultos soropositivos. “Queremos que ela cresça saudável nesse sentido, de se importar com o outro.”

Zuleika de Souza/CB/D.A Press
Mãe: Janúbia Souza Capiberibe. Filha: Lia Capiberibe Feitosa de Carvalho, 11 anos. O que pensa: o politicamente correto está nas ações e na inteligência emocional (foto: Zuleika de Souza/CB/D.A Press)
Livros, filmes e programas de televisão, só os voltados para a faixa etária da garota. Apesar de ter ressalvas com relação a alguns deles, a mãe também não os proíbe totalmente. Prefere estar perto para explicar. “É muito difícil tentar proteger por completo, porque as informações chegam muito mais rápido até ela do que a minha capacidade de acompanhar”, diz Janúbia. “O que a gente tenta é dar uma base moral para que ela possa fazer as próprias escolhas.”

Na alimentação, não há extremos: Janúbia cuida para que os alimentos sejam saudáveis, mas segue a linha de pensamento de que refrigerantes e doces ocasionais não matam ninguém. Por sua vez, Lia não quer saber de excessos. “Penso que o que não posso comer agora, vou poder comer no futuro. Não sinto falta”, pondera.

A médica Alejandrina Losasso de Entenza, de 37 anos, também joga no time dos que preferem não proibir. Mãe de Antônia e Santiago Entenza, de 5 anos e 2 anos, respectivamente, ela defende que a educação de crianças deve acompanhar os estilos e costumes dos pais. Mesmo assim, é preciso entender que não são todos os lugares que oferecerão as opções de casa. “É até bom deixar as crianças comerem outras coisas em festinhas, para que elas se acostumem que tem dia para tudo”, opina.

Sobre o que é ou deixa de ser politicamente correto, Alejandrina não se importa muito. No caso de brincadeiras, histórias ou letras de músicas infantis, por exemplo, ela diz que não vê sentido em retirar por completo referências a vilões ou coisas ruins. “É um jeito de a criança entender que nem todo mundo é bom.” Para ela, omitir a face feia da realidade é o mesmo que retirar a chance de aprender a lidar com sentimentos como a agressividade e o medo.

As duas crianças têm contato com a tecnologia própria de sua geração, como computadores, tablets e, claro, televisão. Quando o desenho animado é um pouco mais controverso, elas assistem ao lado do pai. “Alguns capítulos tratam da morte, mas ela lida como se fosse uma brincadeira. Se você retira tudo das histórias, ela acaba ficando sem graça”, analisa Alejandrina. Brincadeiras de luta, para ela, também podem servir como aprendizado. Se praticadas com supervisão, pode ser útil para fazer os pequenos entenderem que precisam lidar com a própria força.