Segunda-feira, 9h. Tiago* não está nem na escola nem no trabalho. Ele está on-line, nas redes sociais e em salas de bate-papo, ambientes com os quais ficou conectado durante toda a madrugada. A cena já se repetiu muito na vida do estudante de psicologia de 24 anos. “Mesmo quando saía de perto do computador, estava conectado. Passava o dia inteiro assim, dentro de casa”, conta o jovem, hoje recuperado do vício em internet.
A onipresença do universo on-line pode ter consequências muito negativas, revelam estudos científicos. Casos em que a internet é o principal meio de contato com o mundo são cada vez mais comuns. Mas, afinal, quem são os dependentes da rede e o que os leva experimentar a vida por trás das telas? Uma das análises mais recentes sobre o assunto, publicada na revista Computers in Human Behavior, revela que os usuários adultos compulsivos costumam se descrever como “ansiosos” e “pessoas que se chateiam facilmente”.
O trabalho dos pesquisadores da Universidade de Northampton, no Reino Unido, foi realizado com 516 homens e mulheres, de idades entre 18 e 65 anos. Precisamente 63,4% dos entrevistados demonstraram usar a internet compulsivamente, com a tendência sendo observada mais nas mulheres. Elas afirmaram que recorrem mais à rede para controlar mudanças de humor e se mostraram especialmente vulneráveis ao exagero quando estão desempregadas e têm entre 45 e 55 anos.
“As mulheres registraram mais comportamentos compulsivos por estarem sem trabalhar e solteiras, o que indica que elas estavam sem muitos recursos para sair e socializar. Na internet, esses usuários encontram excitação em conhecer pessoas de diversos fusos horários”, afirma Nada Korak-Kakabadse, um dos autores do estudo. “A faixa etária de 40 a 49 anos é a que tem a maior frequência de divórcios, de acordo com o Escritório Nacional de Estatísticas do Reino Unido. Assim, as redes sociais on-line podem parecer uma boa opção nesse período de transição”, acrescenta a coautora Cristina Quiñones-García.
Isolamento
A solidão parece um ingrediente fundamental na relação pouco saudável com o universo virtual, como mostra uma análise realizada por duas universidades chinesas. “Tomados como um todo, os resultados demonstram um círculo vicioso preocupante entre a solidão e a dependência de internet”, resume Mike Z. Yao, da City University of Hong Kong. “Outros estudos descobriram que 8% de estudantes de graduação nos Estados Unidos estavam envolvidos em uso patológico da internet e experimentavam um maior grau de solidão”, acrescenta. Para ele, o isolamento é a causa e o efeito da dependência exagerada.
O pesquisador menciona outra pesquisa, feita com 8.941 adolescentes de Taiwan, que também encontrou a depressão e a falta de contato com a família como gatilhos para uso extremo da internet. Padrões semelhantes foram encontrados na China, na Coreia do Sul, na Noruega e no Irã. Pessoas com transtornos psicopatológicos, como depressão, solidão, ansiedade social e dependência de substâncias, seriam propensas a manter comportamentos inadequados diante da web.
“Elas preferem as interações mediadas por computador em vez da comunicação face a face, pois o anonimato e a ausência de comunicação não verbal fazem o contato parecer menos ameaçador”, analisa Yao, que entrevistou 361 estudantes universitários de Hong Kong com idade entre 18 e 37 anos. Foram realizadas duas sessões de perguntas separadas por um intervalo de quatro meses. Altos níveis de uso da internet foram encontrados: 89% dos participantes acessam a rede diariamente e 62% deles passam mais de três horas conectados.
“O uso patológico da rede é uma má adaptação do comportamento com o objetivo de reduzir sentimentos negativos, tais como a solidão, a depressão e a ansiedade social. Portanto, o vício em internet seria um resultado e não a causa de outros problemas psicológicos”, sugere Yao. “A interação on-line, contudo, aumenta o vício. É um círculo vicioso”, complementa. Tiago ilustra bem o que o pesquisador descreve. O jovem conta que já tinha dificuldades de relacionamento social, por se sentir mal com o excesso de peso. Aos poucos, a internet se tornou a forma de interação mais constante, principalmente em uma época em que ficou desempregado, fazendo apenas bicos no comércio do pai, mesmo lugar onde morava sua família. “A internet aproxima as pessoas que estão longe, mas nos afasta daquelas que estão perto”, diz o rapaz, que procurou ajuda depois que começou a estudar psicologia.
Prazer
Aderbal Vieira Jr., professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), acredita que as pessoas podem ficar dependentes de qualquer coisa que causa prazer ou alívio. “No caso de drogas como a cocaína, esse estímulo é mais forte e modifica estruturas do cérebro, mas no vício comportamental não há nenhuma substância de fora do organismo.”
O comportamento doentio diante da dependência da internet, do sexo ou de relacionamentos afetivos, segundo o médico, “é basicamente a sensação subjetiva da perda de liberdade e do poder de escolha”. “A pessoa não age assim porque ela quer, mas porque ela foi escolhida para fazer”, completa. Atualmente, Vieira assiste dependentes que recorrem ao Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Unifesp.
Ele conta que há três tipos de dependência à internet, sendo o primeiro caracterizado pelo simples fato de a pessoa passar muito tempo navegando. O segundo é o caso do paciente que já é frágil e acaba desenvolvendo algum transtorno psiquiátrico em decorrência do empobrecimento da vida social. “Já o terceiro caso é o daquela pessoa que sofre com a síndrome do pânico ou agorafobia e não consegue sair de casa. Esse e o segundo caso podem necessitar de medicação para o tratamento. Já o primeiro deve ser tratado com psicoterapia.”
Mariana Matos, pesquisadora do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), acrescenta que é importante saber diferenciar o que é vício do que é a dependência normal. “Hoje, somos dependentes de várias tecnologias que já foram incoporadas à nossa vida, como energia e água encanada. Então, depender, não configura vício. Os casos mais extremos são de pessoas com algum problema anterior e que certamente teriam um comportamento parecido para realizar outras coisas, como jogar xadrez, se não existisse a internet. É perigoso dizer que a web gerou tudo isso”, alerta.
Três perguntas para...
Mike Z. Yao, pesquisador do Departamento de Mídia e Comunicação da City University of Hong Kong
A internet torna as pessoas infelizes?
Há muitos estudos que ligam o uso excessivo a problemas psicológicos. No entanto, há também evidências empíricas para contrariar tal visão. Fica a pergunta: “O relacionamento social on-line nos dá o mesmo tipo de apoio e felicidade que as relações off-line?” Pessoalmente, acho que a comunicação virtual pode fazer algumas pessoas felizes, porém não todas. Em nosso estudo, uma das principais conclusões é que esses indivíduos que mantêm uma vida social ativa off-line são menos propensos a se sentirem solitários , mesmo se são “viciados” em internet. É a forma como usamos a internet que interessa.
As crianças têm contato com ambientes on-line cada vez mais cedo e crescem em um mundo competitivo. Qual o impacto que essa realidade pode ter?
Eu não acho que podemos impedir que as crianças usem as tecnologias. Para cada impacto negativo que a internet traz, há provavelmente 10 positivos. A internet e suas tecnologias estão aqui para ficar e provavelmente vão se tornar onipresentes. Ao contrário do uso de drogas, a internet é uma força global positiva na nossa sociedade. Ele faz nossa vida melhor em muitos aspectos. A solução é implementar a tecnologia e a educação da informação o mais cedo possível.
Qual é o impacto de celulares smartphones, iPads e outros dispositivos móveis no vício
em internet?
Muitos pesquisadores têm argumentado que “vício” é um termo exagerado para descrever o fenômeno. Muitos preferem “dependência tecnológica”. Eu acho que ele é a melhor maneira de descrever o impacto da computação móvel. As pessoas ficam “viciadas” em internet por várias razões. Pessoalmente, eu acho que, no mundo moderno, as pessoas não conseguem ficar sem fazer nada. Temos um medo geral de “estarmos entediados”. A tecnologia da computação móvel pode efetivamente nos dar a ilusão de que estamos constantemente fazendo algo ou sendo informados (IO)
* Nome fictício a pedido do entrevistado.
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O trabalho dos pesquisadores da Universidade de Northampton, no Reino Unido, foi realizado com 516 homens e mulheres, de idades entre 18 e 65 anos. Precisamente 63,4% dos entrevistados demonstraram usar a internet compulsivamente, com a tendência sendo observada mais nas mulheres. Elas afirmaram que recorrem mais à rede para controlar mudanças de humor e se mostraram especialmente vulneráveis ao exagero quando estão desempregadas e têm entre 45 e 55 anos.
“As mulheres registraram mais comportamentos compulsivos por estarem sem trabalhar e solteiras, o que indica que elas estavam sem muitos recursos para sair e socializar. Na internet, esses usuários encontram excitação em conhecer pessoas de diversos fusos horários”, afirma Nada Korak-Kakabadse, um dos autores do estudo. “A faixa etária de 40 a 49 anos é a que tem a maior frequência de divórcios, de acordo com o Escritório Nacional de Estatísticas do Reino Unido. Assim, as redes sociais on-line podem parecer uma boa opção nesse período de transição”, acrescenta a coautora Cristina Quiñones-García.
Isolamento
A solidão parece um ingrediente fundamental na relação pouco saudável com o universo virtual, como mostra uma análise realizada por duas universidades chinesas. “Tomados como um todo, os resultados demonstram um círculo vicioso preocupante entre a solidão e a dependência de internet”, resume Mike Z. Yao, da City University of Hong Kong. “Outros estudos descobriram que 8% de estudantes de graduação nos Estados Unidos estavam envolvidos em uso patológico da internet e experimentavam um maior grau de solidão”, acrescenta. Para ele, o isolamento é a causa e o efeito da dependência exagerada.
O pesquisador menciona outra pesquisa, feita com 8.941 adolescentes de Taiwan, que também encontrou a depressão e a falta de contato com a família como gatilhos para uso extremo da internet. Padrões semelhantes foram encontrados na China, na Coreia do Sul, na Noruega e no Irã. Pessoas com transtornos psicopatológicos, como depressão, solidão, ansiedade social e dependência de substâncias, seriam propensas a manter comportamentos inadequados diante da web.
“Elas preferem as interações mediadas por computador em vez da comunicação face a face, pois o anonimato e a ausência de comunicação não verbal fazem o contato parecer menos ameaçador”, analisa Yao, que entrevistou 361 estudantes universitários de Hong Kong com idade entre 18 e 37 anos. Foram realizadas duas sessões de perguntas separadas por um intervalo de quatro meses. Altos níveis de uso da internet foram encontrados: 89% dos participantes acessam a rede diariamente e 62% deles passam mais de três horas conectados.
“O uso patológico da rede é uma má adaptação do comportamento com o objetivo de reduzir sentimentos negativos, tais como a solidão, a depressão e a ansiedade social. Portanto, o vício em internet seria um resultado e não a causa de outros problemas psicológicos”, sugere Yao. “A interação on-line, contudo, aumenta o vício. É um círculo vicioso”, complementa. Tiago ilustra bem o que o pesquisador descreve. O jovem conta que já tinha dificuldades de relacionamento social, por se sentir mal com o excesso de peso. Aos poucos, a internet se tornou a forma de interação mais constante, principalmente em uma época em que ficou desempregado, fazendo apenas bicos no comércio do pai, mesmo lugar onde morava sua família. “A internet aproxima as pessoas que estão longe, mas nos afasta daquelas que estão perto”, diz o rapaz, que procurou ajuda depois que começou a estudar psicologia.
Prazer
Aderbal Vieira Jr., professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), acredita que as pessoas podem ficar dependentes de qualquer coisa que causa prazer ou alívio. “No caso de drogas como a cocaína, esse estímulo é mais forte e modifica estruturas do cérebro, mas no vício comportamental não há nenhuma substância de fora do organismo.”
O comportamento doentio diante da dependência da internet, do sexo ou de relacionamentos afetivos, segundo o médico, “é basicamente a sensação subjetiva da perda de liberdade e do poder de escolha”. “A pessoa não age assim porque ela quer, mas porque ela foi escolhida para fazer”, completa. Atualmente, Vieira assiste dependentes que recorrem ao Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Unifesp.
Ele conta que há três tipos de dependência à internet, sendo o primeiro caracterizado pelo simples fato de a pessoa passar muito tempo navegando. O segundo é o caso do paciente que já é frágil e acaba desenvolvendo algum transtorno psiquiátrico em decorrência do empobrecimento da vida social. “Já o terceiro caso é o daquela pessoa que sofre com a síndrome do pânico ou agorafobia e não consegue sair de casa. Esse e o segundo caso podem necessitar de medicação para o tratamento. Já o primeiro deve ser tratado com psicoterapia.”
Mariana Matos, pesquisadora do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), acrescenta que é importante saber diferenciar o que é vício do que é a dependência normal. “Hoje, somos dependentes de várias tecnologias que já foram incoporadas à nossa vida, como energia e água encanada. Então, depender, não configura vício. Os casos mais extremos são de pessoas com algum problema anterior e que certamente teriam um comportamento parecido para realizar outras coisas, como jogar xadrez, se não existisse a internet. É perigoso dizer que a web gerou tudo isso”, alerta.
Três perguntas para...
Mike Z. Yao, pesquisador do Departamento de Mídia e Comunicação da City University of Hong Kong
A internet torna as pessoas infelizes?
Há muitos estudos que ligam o uso excessivo a problemas psicológicos. No entanto, há também evidências empíricas para contrariar tal visão. Fica a pergunta: “O relacionamento social on-line nos dá o mesmo tipo de apoio e felicidade que as relações off-line?” Pessoalmente, acho que a comunicação virtual pode fazer algumas pessoas felizes, porém não todas. Em nosso estudo, uma das principais conclusões é que esses indivíduos que mantêm uma vida social ativa off-line são menos propensos a se sentirem solitários , mesmo se são “viciados” em internet. É a forma como usamos a internet que interessa.
As crianças têm contato com ambientes on-line cada vez mais cedo e crescem em um mundo competitivo. Qual o impacto que essa realidade pode ter?
Eu não acho que podemos impedir que as crianças usem as tecnologias. Para cada impacto negativo que a internet traz, há provavelmente 10 positivos. A internet e suas tecnologias estão aqui para ficar e provavelmente vão se tornar onipresentes. Ao contrário do uso de drogas, a internet é uma força global positiva na nossa sociedade. Ele faz nossa vida melhor em muitos aspectos. A solução é implementar a tecnologia e a educação da informação o mais cedo possível.
Qual é o impacto de celulares smartphones, iPads e outros dispositivos móveis no vício
em internet?
Muitos pesquisadores têm argumentado que “vício” é um termo exagerado para descrever o fenômeno. Muitos preferem “dependência tecnológica”. Eu acho que ele é a melhor maneira de descrever o impacto da computação móvel. As pessoas ficam “viciadas” em internet por várias razões. Pessoalmente, eu acho que, no mundo moderno, as pessoas não conseguem ficar sem fazer nada. Temos um medo geral de “estarmos entediados”. A tecnologia da computação móvel pode efetivamente nos dar a ilusão de que estamos constantemente fazendo algo ou sendo informados (IO)
* Nome fictício a pedido do entrevistado.