Saúde

Vencedor do Nobel de Medicina, Randy Wayne Schekman se revela um apaixonado pela ciência

Schekman contou que jamais sonhava em ser agraciado com a mais alta honraria da ciência

Rodrigo Caveiro

“É isso! É isso!”, gritava a mulher de Randy Wayne Schekman, quando o telefone tocou por volta de 1h30 (5h30 em Brasília), apenas uma hora antes do anúncio dos laureados. “Oh, meu Deus! Oh, meu Deus!” era tudo o que o professor da Universidade da Califórnia, Berkeley conseguiu falar ao ser informado de que a ligação partia do Comitê Nobel do Instituto Karolinska, em Estocolmo. Às 8h de ontem (hora de Brasília), um dos três laureados com o Prêmio Nobel de Medicina falou ao Correio Braziliense por cerca de 10 minutos, também ao telefone, de sua casa em El Cerrito, na Califórnia. Aos 64 anos, Schekman contou que jamais sonhava em ser agraciado com a mais alta honraria da ciência. Segundo ele, o amor pela pesquisa foi a força motriz de seus estudos. “Eu apressaria os jovens interessados em ciência a seguirem sua paixão”, afirmou. Schekman explicou que sua pesquisa tornou possível a produção de um terço da insulina mundial, a partir de células de levedura e abriu caminho para a prevenção da hepatite.


"É da ciência básica que vêm os mais importantes desenvolvimentos na tecnologia. Nós realmente precisamos continuar investindo nas pesquisas básicas em todo o mundo"
Quando o senhor começou seus estudos, imaginava ganhar um Nobel?
Não, certamente não. Você nunca tem expectativas como essa no início. Eu comecei esses estudos porque eu amo fazer ciência. Eu estudei esse problema por um interesse básico. Queria ver como as células funcionavam. Eu escolhi os meios para estudar isso. Eu sabia de um modo poderoso para dissecar esse processo. Tudo o que eu esperava era descobrir esse mecanismo. Não alcançar um reconhecimento assim.

Como a descoberta dos genes codificadores de proteínas pode nos ajudar a entender processos complexos, capazes de levar a doenças?
Apesar de estudar esse processo, durante muitos anos em leveduras, eu tomei consciência de que ele era compartilhado pelas células humanas. Há alguns anos, mudamos o foco de nossa pesquisa para as células humanas. Algumas doenças apareceram com mutações genéticas nos genes que tínhamos descoberto. Eu me interessei cada vez mais por elas, tentando entender esse mecanismo nas células humanas. Quando se faz isso, existe a possibilidade de aplicações práticas em doenças. Talvez o mais dramático exemplo tenha ocorrido no começo de minha pesquisa, quando eu ainda estudava a levedura. Quando reconhecemos que as células de levedura usam vias metabólicas que podem surgir em células humanas, torna-se possível transformá-las em uma espécie de fábrica capaz de produzir e de secretar importantes proteínas humanas. Por exemplo, eu prestei consultoria a uma empresa de biotecnologia chamada Kyron que produz insulina humana em células de levedura. É muito mais simples e menos caro crescer insulina humana em fermento. Um terço da insulina mundial é produzida e secretada por células de levedura, usando o mecanismo que descobrimos.

Qual é o potencial de seu estudo para o desenvolvimento de novas terapias? Ele poderia ajudar na cura do diabetes?
Bem… Ele não curou o diabetes, mas permitiu que as células da levedura se tornassem uma fábrica muito mais eficiente de insulina. Muitas outras companhias de biotecnologia utilizam essa mesma lógica. Nosso estudo tem sido usado também na produção de vacinas de peptídeos. Todas as vacinas disponíveis que previnem a hepatite de se tornar uma infecção são produzidas por meio da liberação de proteínas da hepatite em células de levedura, que exploram o mecanismo de sinalização celular usado nos antígenos, durante a imunização. Então, as células de levedura têm uma enorme importância e o mecanismo de via metabólica que descobrimos também.

As grandes descobertas na ciência foram acidentais. O mesmo aconteceu com a sua pesquisa?
Foi um acidente interessante que aconteceu de modo muito técnico. Ao desenhar o modo com que a genética levaria a esse grande avanço, nós tivemos sorte de descobrir que há maneiras simples de descobrir os genes corretos. Foram estudos bem precoces e eu sou maravilhosamente grato ao estudante de graduação Peter Helvick, que fez essas descobertas incríveis, levando à criação de meu estudo.

O que representa o Nobel de Medicina para o senhor?
Bem, é claro que é algo emocionante. Eu tenho pensado nisso há um bom tempo. As pessoas ficavam dizendo para mim que eu supostamente receberia o Nobel. Mas há tantas outras pessoas incrivelmente competentes, e eu nunca imaginava que isso fosse acontecer. Mas isso aconteceu e, agora, vou seguir minha vida e tentar continuar com meu trabalho.

O senhor crê que sua vida vai mudar?
Sim, é claro que muda muito. Você sabe… Serão mais convites, então… (risos) É claro que continuarei minhas pesquisas. Meu trabalho é financiado pelo Howard Hughes Medical Institute. Eles esperam que eu continue fazendo a minha ciência e é realmente isso que farei. Eu amo a ciência e devo essa oportunidade à Universidade da Califórnia, que fomentou minha educação. Foi onde eu cresci…

Que mensagem o senhor deixaria para os estudantes de medicina?
Eu apressaria os jovens interessados em ciência a seguirem sua paixão. Se eles estão excitados com a perspectiva de descobrir novas coisas e ávidos em fazer ciência básica, eu os aconselho a desenvolverem essa habilidade e essa paixão. Fazer as coisas motivados pela compreensão real e não necessariamente tendo em mente aplicações práticas. É da ciência básica que vêm os mais importantes desenvolvimentos na tecnologia. Nós realmente precisamos continuar investindo nas pesquisas básicas em todo o mundo.

Ouça a entrevista: