Quando o choro, na maternidade, anuncia a chegada do primeiro filho, o clima geral é de emoção e alegria. Visitas, sorrisos e a esperança de que o bebê tenha um futuro brilhante completam o quadro de felicidade trazido pela nova vida. O momento, no entanto, pode reservar aos pais algumas angústias e dificuldades. Afinal, a chegada do primeiro filho representa uma grande mudança na rotina. É preciso sintonia para que a criação do bebê e as demais obrigações não tornem a relação complicada. Para alguns casais, por exemplo, é hora de reformular a estrutura do casamento. Para outros, é justamente o momento de decidir que a vida a dois vai começar.
“A chegada de um filho sempre vira a vida do casal ou da mãe de cabeça para baixo. O primeiro ano de vida implica em mudanças muito rápidas e profundas”, afirma a psicanalista Anna Mehoudar, uma das fundadoras do Grupo de Apoio à Maternidade e Paternidade (Gamp). Mehoudar explica que a chegada de um bebê pede paciência, generosidade e parceria, e que os pais, no início, precisam estar disponíveis para a criança. “Os bebês precisam de um adulto cuidador para sobreviver”, afirma a também autora do livro Da gravidez aos cuidados com o bebê – Um manual para pais e profissionais (Summus Editorial).
Cuidar de um bebê recém-chegado é lidar com o inesperado, ressalta a mestre em psicologia social Aline Melo de Aguiar. Não é possível controlar o horário em que a criança vai querer amamentar nem quando fará as necessidades fisiológicas, exemplifica a especialista. O cansaço, nos primeiros meses, certamente virá. A psicóloga recomenda que os pais estejam conscientes de que não terão o controle sobre tudo e de que precisarão de ajuda.
Quando a musicista Danielle Dumont, 22 anos, descobriu que estava grávida de João Gabriel, 1 ano e 7 meses, havia recebido, cerca de um mês antes, a notícia de que tinha sido aprovada para estudar música na Alemanha. A primeira mudança aconteceu logo no início da gestação: Danielle resolveu ficar no Brasil para cuidar de si e da criança que começava a se desenvolver. “Não estava planejado. Foi um susto para mim e para minha família, eu tive de desistir de estudar fora”, conta. Apesar do impedimento de seguir em busca de mais aperfeiçoamento profissional, a musicista faz questão de ressaltar, assim que começa a contar a sua história, que o filho foi um presente. “Foi a coisa mais perfeita que aconteceu na minha vida”, afirma.
Sete meses depois de ter o bebê, Danielle se casou com o então namorado, Rafael Aragão, 27 anos. O apoio dele foi fundamental, segundo a musicista, para que a gravidez corresse bem. “Enquanto eu chorava de desespero, ele chorava de alegria. Ele esteve comigo do começo ao fim”, diz. Para logo, se corrigir: “A nossa história ainda está longe de chegar ao fim”. Após o nascimento de João Gabriel, o dia a dia se tornou totalmente distinto do anterior. Acordar durante a noite para cuidar do filho ficou comum e a rotina de estudos musicais de Danielle teve de ser ajustada ao horários do bebê. Apesar disso, Danielle conta que não abandonou as atividades que já fazia.
“Mesmo durante a gravidez, mantive os estudos, minha vida profissional. Pouco depois do nascimento, eu já estava de volta.” Danielle acredita que existe uma visão geral deturpada sobre a gravidez não planejada. Para ela, o fato de a gestação não ter sido programada não quer dizer que o filho não será bem recebido. “As pessoas têm tendência a ter essa visão, meu filho não foi planejado, mas foi, desde a notícia, muito desejado. Não foi um peso, mas um presente que recebemos.”
Novos papéis
Para a psicóloga Aline de Melo Aguiar, é preciso compreender que os papéis de pais e de marido e mulher não se confundem. Por isso, é importante reservar alguns momentos apenas para o casal. Deixar o bebê, por exemplo, com os avós para ir ao cinema evita a sensação de que a relação afetiva ficou de lado após o nascimento dos filhos. “O grande problema é esse: confundir as funções de casal com as de pais. São coisas distintas. É preciso também aprender a confiar o cuidado do filho a terceiros, quando necessário.” A especialista reforça a importância do apoio de familiares e amigos nesse processo. “Os pais precisam ter uma boa rede de apoio, tanto estrutural quanto emocional.”
No caso do comerciário Laílson Campos de Carvalho, 44 anos, e de Juscelina Nunes, 40, o nascimento de João Lucas, 1 ano e 10 meses, tornou ainda mais forte o casamento de 11 anos. A chegada do filho aproximou o casal e fez com que a relação entre os dois se tornasse mais harmônica. “Com o filho, muitas coisas melhoram, você aprende a relevar alguns problemas em nome da criança. O comportamento muda depois que ele nasce, você fica, por exemplo, mais calmo”, conta Laílson.
A rotina social da família também foi alterada, a maioria das saídas passaram a acontecer em ambientes frequentados por outras famílias com filhos. Para Laílson, a felicidade trazida por João Lucas foi a principal mudança para a vida do casal. “Antes, éramos alegres, mas faltava alguma coisa. O nascimento trouxe a felicidade de fato, completou a nossa vida”, diz.
“Na nossa cultura, de um modo geral, um filho é visto como algo que tem muito valor, portanto, o próprio filho é o aspecto positivo. Os pais terão alguém para amar”, explica a psicóloga Aline Melo de Aguiar. Para alguns casais, o nascimento do filho traz a sensação de completude e faz crer que, de fato, a família está constituída, com suas alegrias e dificuldades. “O primeiro filho inaugura a maternidade e a paternidade. O casal torna-se uma família”, completa a psicanalista Anna Mehoudar.
Ajustes financeiros
O primeiro filho, em geral, envolve gastos financeiros maiores do que os posteriores. Com mais experiência, é provável que os pais tenham mais facilidade para administrar o quanto gastarão com a criança e até aproveitem parte da estrutura montada para o primogênito. “É preciso criar um ambiente e isso envolve instalações físicas, por exemplo. Por outro lado, dificilmente o casal poderá dispensar o apoio de outras pessoas”, afirma o economista e professor da Universidade de Brasília Roberto Piscitelli.
“Poupar para o futuro da criança é sempre uma prova de amor e de responsabilidade”, completa Piscitelli. Segundo o economista, é preciso que os pais tenham em mente que o filho dependerá deles por cerca de 20 anos. Então, fazer economias, evitar gastos supérfluos e não comprometer o orçamento familiar são algumas ações que colaboram para que, financeiramente, seja mais fácil dar boas condições para o filho. “Quando se decide ter um filho — e talvez essa seja a mais complexa decisão que a gente adota na vida —, deve-se começar a destinar uma parcela das poupanças para a criação e a educação dele.”
Há pouco mais de um mês, a estudante Jullieth Lima, 23 anos, teve a primeira filha. Para cuidar da pequena Ramona, ela e o marido, Marcus Vinicius Domingos, 26 anos, tiveram que economizar nos gastos assim que a gravidez começou. “Desde antes de ela nascer, já tivemos muitas despesas. Então, foi necessário passar a poupar mais”, conta Jullieth. Os gastos maiores foram com a compra das primeiras roupas da menina e de toda a estrutura que precisou ser montada para ela.
Quando Jullieth engravidou, fazia um ano que o casal tinha decidido que teria um filho. “Não foi uma surpresa, nos já queríamos, foi um planejamento com muita tranquilidade. Não ficamos ansiosos, esperamos o momento”, conta a estudante. Durante a gravidez, Jullieth sofreu com cansaço e mudanças emocionais. “Eu fiquei muito emotiva, qualquer coisa que acontecia eu chorava.” A chegada recente do primeiro filho já alterou rotina da família. A dedicação à filha passou a ser a principal ocupação de Jullieth, o que exigiu para o casal uma adequação à nova realidade. “Pelo trabalho que tenho com a minha filha, não tenho mais tanto tempo com o meu marido, mas ele sempre soube entender”, afirma.