saiba mais
Os benefícios são tantos que desde 2012 a acupuntura é uma das seis especialidades com foco de atuação em dor, ao lado da neurologia, ortopedia, fisiatria, clínica médica, reumatologia e anestesiologia. Para debater as novidades na área, casos clínicos, pesquisas e novas indicações na área de saúde para serem tratadas com as agulhas, Ouro Preto, a 98 quilômetros de Belo Horizonte, sedia de hoje a sábado o 18º Congresso Brasileiro de Acupuntura e o 8º Congresso Internacional da Federação Ibero-Latino Americana de Sociedades Médicas de Acupuntura (Filasma).
Segundo o presidente do CMBA e coordenador do Congresso, Hildebrando Sábato, a aplicação da acupuntura é vasta – vai de inúmeras doenças e disfunções orgânicas das diversas especialidades médicas como reumatologia, gastroenterologia, endocrinologia, dermatologia, fisiatria, pneumologia, ginecologia, neurologia e psiquiatria, a técnicas associadas como a eletroacupuntura. De acordo com ele, também serão debatidos temas relacionados à regulamentação da profissão, o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), projetos de lei no Congresso Nacional e os principais avanços científicos.
Vice-presidente do CMBA, o acupunturiatra Ricardo Bassetto vai mostrar como a acupuntura age na diminuição das consequências do estresse crônico, que é uma resposta de adaptação do corpo reagindo para se adaptar a uma sensação de risco real que perdura por muito tempo. “Uso a acupuntura para fazer a profilaxia e diminuir a chance de gerar doença nas pessoas.” De acordo com o médico, há estudos científicos que comprovam não só a sensação de bem-estar do paciente quanto a melhora no quadro clínico. “Acupuntura é aliada, um tratamento complementar que segue padrões de comportamento e ritmo de vida para minimizar problemas. Não tem contraindicação. A sensação é subjetiva, mas já na primeira aplicação o paciente sente melhora. Não está curado, mas vê resultado em incômodos periféricos como sono, cansaço e fadiga.”
Rubens Zanella, acupunturiatra e membro do CMBA, se debruçará sobre a aplicação de correntes elétricas nas agulhas (eletroacupuntura) na esclerose múltipla, enxaqueca e síndrome miofascial. Segundo ele, a estimulação elétrica potencializa em mais de 300 vezes o efeito do ponto de acupuntura na liberação, como também na produção, de endorfina e cortisona endógenas (produzidas pelo corpo). Com isso, a eletroacupuntura, além de mais potente, também é mais duradoura. “O principal benefício do aumento da produção e liberação de endorfinas em pacientes com esclerose múltipla é que elas entram em contato com o sistema imunológico, diminuindo tanto a liberação de substâncias inflamatórias, quanto a produção de anticorpos. Além disso, por aumentar a produção de corticoide endógeno, evita o aparecimento de lesões e sequelas.”
Zanella explica que trata quatro pacientes com esclerose múltipla, dos quais três há mais de uma década. Um deles perdeu e recuperou a visão e outro apresentou perda de força em membros inferiores e grande dificuldade de caminhar. Atualmente estão todos sem sequelas. “Neste período de 10 anos, dois pacientes tiveram apenas dois surtos de formigamento leve em membros superior ou inferior, enquanto que o mínimo esperado na forma mais branda da doença a média é de 10 a 20 surtos no mesmo período. Esses pacientes não usaram medicação convencional como interferon, remédios imunomoduladores ou altas doses de vitamina D.”
Quanto à enxaqueca e à dor de cabeça, Zanella explica que 90% delas têm envolvimento do ramo superior do nervo trigêmeo e sensibilização do gânglio e dos núcleos desse nervo no tronco cerebral. “A eletroacupuntura diminui esta sensibilização pela produção e liberação de encefalinas, pela ativação do sistema inibidor descendente da dor a base de serotonina, pela desativação dos pontos gatilho e da memória da dor. Além disso, pesquisas realizadas por Peter Goadsby, da Universidade da Califórnia; Jean Schoenen e equipe, da Unidade de Pesquisa de Dor de Cabeça da Universidade de Liege, na Bélgica; Anna Ambrosini, da Clínica Neuromédica de Dor de Cabeça de Pozzilli, na Itália; e por Marcelo Bigal, do Colégio de Medicina Albert Einstein, em Nova York comprovam que o estímulo elétrico de baixa frequência no nervo occipital maior faz a modulação hipotalâmica (equilíbrio das funções do Sistema Nervoso Central).”
IN VITRO
O também especialista Silvio Harres, com 40 anos de medicina e 30 de acupuntura, vai falar sobre a ressonância magnética funcional, que pode definir com clareza os locais no Sistema Nervoso Central onde os estímulos periféricos das agulhas de acupuntura determinam uma ativação neuronal. E ainda sobre a fertilização in vitro, um estudo clínico com duração de quatro anos que avaliou 104 pacientes. “A fertilização tenta contornar os problemas de infertilidade da mulher causados por uma série de problemas uterinos, tubários e ovarianos, que dificultam a fecundação. Pensando no útero com problemas, a acupuntura vai estimular, por meio de impulsos nervosos gerados pela agulha, pontos específicos na região. O que vai repercutir numa melhoria da vascularização e da oferta de sangue no útero.”
Harres lembra que um dos vários problemas nessa região é o endométrio baixo. Com esse procedimento, nutrindo-o com mais sangue, o endométrio mais desenvolvido é mais fértil para receber o óvulo. “Preparamos o terreno e a clínica de fertilização faz o procedimento. A prática não é nova, mas pesquisas são desenvolvidas há pouco tempo. Antes, o sucesso era em torno de 25%, ou seja, uma mulher em cada quatro fertilizadas. Associando a acupuntura, o resultado dobrou: 50%, de cada quatro, duas fertilizações.” Harres enfatiza que o tratamento não envolve medicamentos, é um trabalho conjunto, aliado ao tratamento hormonal. “Dos 104 pacientes estudados, 50% foi recorde em termos mundiais. No entanto, é bom lembrar que o avanço da idade, a endometriose, os distúrbios hormonais e cistos ovarianos tornam mais difícil a fertilização. A acupuntura é uma aliada e garante melhor resposta ao tratamento, que requer 20 semanas. A maioria das pacientes se sente tão bem que vai até o fim da gestação. Aliás, a acupuntura é indicada para a melhoria da qualidade de vida das pessoas e para restabelecer a saúde”, atesta.
O congresso
- 900 médicos do Brasil e exterior, especialistas em acupuntura
- 130 palestrantes
- 25 workshops
- 40 horas de atividades de atualização profissional
- 300 temas sobre a especialidade e as pesquisas científicas na área
Panorama no país
- 10 mil médicos, filiados ao CMBA, representam 3% da população médica do país
- 3 mil médicos com título de especialistas já foram emitidos pela Associação Médica Brasileira (AMB)
- 1,2 milhão de atendimentos pelo SUS em 2012. Procedimento presente desde 1988
- O Brasil é o único país do mundo que tem programa de residência médica em acupuntura
Três perguntas para...
Hildebrando Sábato, Presidente do colégio Médico Brasileiro de Acupuntura (CMBA) e do congresso Internacional de acupuntura
Como o Conselho Federal de Medicina (CFM) aceita uma terapêutica como prática médica?
Para aceitar qualquer terapêutica como procedimento médico, o CFM exige comprovação científica. Com isso evita-se que a população corra o risco de ser submetida a terapêuticas ineficazes ou enganadoras, ou mesmo a atrasos diagnósticos que, quando mal realizados ou subestimados, podem comprometer os rumos de uma doença ou de sua cura. No caso da acupuntura, os médicos acupunturistas já a vinham praticando desde os anos 1960, e organizados em uma sociedade médica da especialidade desde 1982. No SUS, desde 1988.
Quando a acupuntura teve seu reconhecimento no Brasil?
Apesar de a prática existir desde a década de 1960, somente em 1995, com base em trabalhos científicos que comprovaram sua eficácia e efetividade, a acupuntura foi reconhecida como especialidade médica pelo Conselho Federal de Medicina brasileiro. Entendemos que a acupuntura é medicina, e como tal exige a realização de um diagnóstico etio (a origem da doença), clínico (exames que constatam a doença) e nosológico (que doença é essa), além da expectativa de um prognóstico (resultado das ações), e do estabelecimento de um tratamento. Só o médico, depois destes procedimentos, pode estabelecer se este tratamento será por acupuntura ou não. Uma dor de cabeça, por exemplo, pode ser uma simples enxaqueca, mas pode ser também um tumor cerebral. Há pelo menos 150 causas de cefaléia descritas na literatura médica. Diante das queixas do paciente, só o médico pode discernir com relativa segurança por um diagnóstico diferencial. Além da odontologia e da medicina veterinária, as outras profissões de saúde não têm nas leis e normas que as regulamentam, nem em sua formação, essas atribuições da profissão médica. Esta é uma das razões pela quais entendemos que esses profissionais não devem realizar os procedimentos da acupuntura. E, por ser um procedimento invasivo, a introdução das agulhas pode ser bem profunda, passando por nervos, vasos e estruturas nobres como órgãos.
Mas há outros profissionais de saúde, inclusive com formação na China, que conhecem bem de anatomia. Por que então ser uma exclusividade médica?
É preciso conhecimento amplo de anatomia, já que mãos inábeis a acupuntura pode chegar a causar lesões. A acupuntura não é isenta de riscos. Diante das decisões de alguns Conselhos Profissionais de Saúde em reconhecer a acupuntura como atribuição sua, e por discordarmos, recorremos à Justiça em 2001 e em 27 de abril de 2012 uma turma de cinco desembargadores do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília, por meio de um acórdão e por unanimidade, nos deram ganho de causa. Consideraram que aqueles conselhos ampliaram sua área de atuação e atribuições por meio de resoluções internas e ao arrepio da Lei que os regulamenta, o que não é permitido. Portanto, estão com o exercício em acupuntura suspenso. Algumas delas, como a psicologia e a enfermagem, apelaram ao Superior Tribunal Federal, mas também naquela corte a decisão dos acórdãos do TRF-1 foi corroborada. Este ano, foi julgada a ação judicial contra a biomedicina e esta também teve definição similar.”