O aumento da oferta de profissionais especializados em melhorar a vida sexual dos brasileiros chama a atenção por algumas características: é essencialmente feminino e atende principalmente pessoas em um relacionamento estável. A mulher está se responsabilizando mais pelo próprio prazer ou permanece como a única responsável por ‘salvar’ o casamento?
O coordenador do Departamento de Sexologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Ramon Luiz Moreira, pondera que o aumento da oferta, em si, acompanha um comportamento já velho conhecido: o assunto “sexo” é o que mais vende no mundo. “O Brasil não é nem um pouco diferente em relação a isso. Com o processo de liberalização dos costumes nas últimas décadas, ficou mais fácil e acessível falar sobre sexo, produzir filmes e lançar livros sobre o tema”, define o sexólogo e ginecologista.
Ramon lembra, no entanto, uma reflexão do filósofo francês Michel Foucault, que desenvolveu em seis volumes a obra “História da Sexualidade”: a literatura, a medicina e a psicologia da sexualidade na sociedade ocidental nunca serviram muito à liberdade do sexo; e sim à repressão - seja para um lado, seja para o outro. “Se antes não era permitido o prazer às mulheres, agora o discurso virou: toda mulher é obrigada a ter prazer e ser ‘boa de cama’. Se ela tem qualquer dificuldade, vai se sentir a pior das pessoas”, explica ele, lembrando que no oriente a situação é bem diversa - a arte erótica é focada na prática, não no discurso. “As obras orientais, como o Kama Sutra, orientam sobre o clima, a massagem, as posições, vão muito além da penetração, mas quase sem discurso teórico”, relata o especialista.
Em um cenário em que alguns cursos no mercado ensinam as moças a se tornarem uma ‘mulher diamante’, ou seja, uma mulher que sabe tudo sobre sexo, cabe o questionamento: porque sempre a mulher como foco desses novos produtos eróticos? “Em pleno século 21, ainda há mulheres que se sentem na responsabilidade de fazer coisas diferentes para não perder o príncipe encantado, sem lembrar da responsabilidade que ELE tem”, reflete o sexólogo.
Vejamos, então, alguns exemplos do que seriam essas ‘coisas diferentes’.
Iniciativa feminina
No consultório, Ramon Moreira ouve com muita frequência a queixa: “eu me sinto culpada, porque não estou indo bem na cama, meu companheiro vai procurar na rua o que ele não tem em casa”. Pior: se a traição acontecer, essa mulher sente que não poderá falar nada. Ela mesma justifica o fato. E é aí que entram as sex trainers e afins.
Lú Brandão é uma das profissionais que exploram esse nicho de mercado em Minas Gerais. Graduada em administração e turismo, Lú também tem formação artística: é bailarina de dança do ventre certificada pelo Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões (Sated-MG). Casada e com uma filha de adolescente, há nove anos ela se tornou personal sex trainer, abandonando a carreira de bancária. Hoje, Lú se apresenta também como consultora comportamental. “Vi uma entrevista na TV e fiquei encantada com a profissão, porque sempre gostei de trabalhar com autoestima e sensualidade. Sempre tive facilidade para conversar sobre isso”, explica.
Ela garante que seu foco está em autoestima, estética, comportamento feminino, repressão sexual, comunicação entre os casais, rotinas dos relacionamentos, intimidade e sensualidade. A personal ministra cursos de danças sensuais, pompoarismo, massagem sensual e erótica, além de palestras em eventos empresariais sobre tabus e dicas para apimentar a relação. Ela mantém ainda uma empresa que realiza eventos em Belo Horizonte e no interior de Minas Gerais, como chá de lingerie, despedida de solteiro, aniversário sensual e chá de vida nova - uma festa que marca a separação de um casal.
Lú confirma que sua clientela é essencialmente feminina. “Já atendi alguns casais, mas poucos. Meu foco é nas mulheres, para que elas sejam mais ousadas e decididas em todos os aspectos, principalmente com seu companheiro. A maioria acha que tem algum problema fisiológico, mas não passa de invenção da cabeça delas”, define a personal. “Depois elas se soltam, sem medo de serem felizes. E um detalhe importante: trabalho muito com mulheres acima dos 60 anos, elas estão bem mais corajosas que as novinhas”, comemora.
O sexólogo Ramon Moreira faz aqui dois alertas. A mulher que busca esse tipo de serviço não coloca, entre as causas dos seus problemas, algo muito simples: é o companheiro que não está ajudando ou se esforçando. A culpa sempre parte dela mesma. “Isso se repete na terapia sexual. Os homens raramente vêm ao consultório, alegando que o problema não é deles”, revela.
O sexólogo aposta muito mais nas motivações ligadas à submissão feminina do que em objetivos individuais para justificar a procura pelas sex trainers. “Prova disso é que o público desses cursos e palestras é formado por mulheres em relações estáveis. Se fosse procurado por mulheres que desejam apenas aumentar o próprio prazer, os auditórios estariam cheios de moças solteiras também”, define. Pela experiência do médico, portanto, não são as mulheres emancipadas, independentes financeiramente e que buscam viver de forma mais autêntica que buscam essas alternativas.
O segundo alerta refere-se à possibilidade, sim, de um problema fisiológico. “Em muitos casos, os problemas podem estar relacionados a uma vivência precária do próprio corpo. Mas outras pessoas podem, sim, ter uma problema físico. Apenas o médico pode descartar essa possibilidade”, aponta. “Após o parto, por exemplo, a mulher pode passar por alterações hormonais importantes. Cada caso deve ser avaliado com muito cuidado, para evitar sofrimento desnecessário”, completa Ramon.
Artes da paixão
A curitibana Fernanda Pauliv foi publicitária durante 11 anos e também deixou a profissão anterior para se dedicar ao “universo feminino”, com o título de 'especialista nas artes da paixão'. “Não gosto do nome ‘sex trainer’, pois não falo somente sobre sexo e, muito menos treino alguém para isso. Falo de amor, de relacionamentos, das motivações para viver melhor a sexualidade, sobre como descobrir e desfrutar da sensualidade, enfim: é muito mais amplo”, defende. Agora em novembro, Fernanda vai completar uma década na nova profissão, contabilizando mais de 30 mil mulheres, com idade média de 25 a 45 anos, em suas palestras e cursos.
Quando começou, a consultora constatou que as mulheres sentiam falta de conteúdo e informação voltados para sua sexualidade e sensualidade. “Tudo o que existia era muito formal e com foco apenas em saúde. Por isso me preparei para oferecer dicas de sedução, maneiras de utilizar produtos e acessórios, como fazer danças sensuais. Acredito que a energia que move o mundo é a paixão.... e quando eu consigo fazer com que uma mulher viva melhor as suas paixões, estou ajudando o mundo dela a girar melhor”, completa Fernanda.
O sexólogo mineiro concorda que o acesso à informação ampliou-se bastante. “Mas problemas de autoestima não se resolvem em oito horas. A reconstrução da autoimagem é um processo, ou seja, não se dá de uma hora para outra. Ninguém sai de uma palestra se sentindo a mulher mais bonita da Terra”, pondera Ramon.
Preconceito e emancipação
Para se preparar, Fernanda fez cursos com outras profissionais da área, participou de feiras e workshops e agregou a vivência diária do contato com outras mulheres. “Quando se trata de falar sobre uma temática tão íntima, não cabem 'achismos'. É fundamental ter conhecimento em múltiplas áreas, inclusive sobre anatomia e fisiologia, para poder ensinar com propriedade. Vejo meu trabalho como uma porta de acesso a uma vida sexual mais plena e feliz da mulher com ela mesma e também no seu relacionamento. Para falar com meu público, preciso ter muito respeito e cuidado”, ressalta.
A especialista dá exemplos práticos de como esse cuidado é importante. “Já vi outras palestrantes cometerem gafes absurdas, pois dependendo de como uma coisa é dita, você pode acabar com a autoestima de alguém que está na plateia, ou fazer com que uma mulher se sinta inferior à outra por não conseguir realizar ou não gostar de determinada coisa. Por isso busco sempre me atualizar e desenvolvi um estilo próprio de me comunicar, em que uso o bom humor e diversão o tempo todo, mas cuidando para não cair na vulgaridade”, defende.
Fernanda acha que as mulheres têm mais dúvidas e são mais abertas a buscar ajuda externa. A maioria das clientes está em um relacionamento estável e quer aprender novidades para driblar a rotina. “Mas também oriento alguns homens, que me procuram por e-mail. Acho muito bacana vê-los buscando formas de se relacionar melhor e dar mais prazer à parceira”, relata.
Na visão de Lú, a procura também é sempre da mulher. É ela quem busca 'salvar a relação'. “Os homens ainda ficam travados, acomodados. Já as mulheres querem, cada vez mais, sensualidade sem vulgaridade. Já atendi noivas de 18 e senhoras de 70 anos; e as dúvidas vão do medo do sexo anal à vergonha do próprio corpo”, descreve. Segundo Lú, esse tipo de profissional ainda sofre preconceito. “No início, havia confusão com garota de programa e insinuações desrespeitosas. Mas esse respeito é conquistado e adoro meu trabalho. Meu lema é ajudar mulheres a serem mais felizes com sua sensualidade e naturalidade. Quando vejo uma mulher sair feliz e poderosa dos meus cursos, fico realizada”, resume.
Nenhuma das duas profissionais cita, no entanto, um fator levantado por Ramon: a visão do homem sobre o sexo. “Ao contrário do que se pensa, o homem nunca teve sua sexualidade estimulada na nossa sociedade. Sempre se parte do princípio de que, se existe um problema, ele é da mulher. Mas não: boa parte dos homens é muito primária sexualmente e não tem qualquer conhecimento sobre o contexto em que o sexo se desenvolve. Associam o ato sexual a um sistema de recompensas e esquecem que a recompensa feminina nem sempre é o orgasmo. Passa pelo envolvimento, pela troca amorosa e afetiva, pelos interesse compartilhados. O homem também sofre uma repressão – a repressão do desconhecimento em torno do que possa ser um prazer sexual mais amplo e completo, muito além da penetração”, destaca.
50 tons de...
A explicação que Fernanda Pauliv dá para o aumento da demanda pelos cursos e palestras é clara: antigamente, as mulheres não tinham ‘direito’ ao prazer. “O sexo no casamento era visto apenas como reprodutivo e o prazer delas estava associado à vulgaridade. Existia um conceito de que uma ‘mulher direita’ não fazia determinadas coisas e que isso deveria ficar restrito às ‘profissionais do sexo’. Desta forma os homens buscavam fora o que não tinham dentro de casa e as esposas se sujeitavam às traições porque não tinham condições de manter a casa e os filhos sozinhas”, reflete.
A especialista nas artes da paixão aponta vários benefícios que vieram com as mudanças das últimas décadas. “A realidade mudou, as mulheres podem se bancar muito bem sem um homem. Isso contribuiu para que elas começassem a perceber seus direitos em vários aspectos, inclusive o sexual. Atualmente elas querem sim experimentar o prazer e a realização sexual, e para isso, estão buscando conhecimento. Nos relacionamentos elas querem se sentir iguais, querem satisfação e um companheiro que lhes dê isso”, aponta. Para a consultora, é por isso que muitas moças adiam o casamento. “Afinal, se é para ter alguém com quem dividir a vida, que seja com alguém que as complete por inteiro, ao contrário de suas avós e até mães, que se casavam porque precisavam de um homem para bancar sua sobrevivência”, defende.
Já Ramon Moreira acredita que ainda há um longo caminho a percorrer. “Se as mulheres estivessem realmente evoluídas, descoladas da visão machista, elas teriam fechado a trilogia ‘50 tons de cinza’ na primeira página. Mas não: os livros foram um sucesso, mostrando algo que até me surpreendeu: ainda existe, e de forma muito forte, a espera pelo príncipe encantado e a submissão que ele representa, para muito além da fantasia sadomasoquista”, destaca.
Dicas
Entre as dicas de Lú Brandão para suas clientes estão:
-praticar sempre o erotismo do beijo, nunca deixar de beijar. É do beijo que começam ‘as borboletas na barriga’ e é a falta dele que indica problemas em uma relação. O beijo pode ser até mais importante que o sexo em si, junto com o carinho e o dialógo;
-experimentar tudo que for bom pra você e pra ele, com dialógo, humor e tesão;
-por mais simples que seja, sempre que puder, faça algo diferente, inove no jantar, na lingerie, no bate-papo, um mensagem picante no meio do dia....E invista em uma massagem sensual - o toque tem muito poder - ou na dança - qual o homem não tem vontade de ver sua amada dançando somente para ele?
A personal prega que é preciso disposição. “Sabemos que o dia a dia é cansativo, com trabalho, filhos, estudo. Mas devemos tirar um tempo para nós, porque também somos amantes. Um pequeno gesto ou atitude poder mudar tudo na relação!”, resume a personal.
Fernanda, por sua vez, prefere não dar dicas específicas. “Acredito que quando uma pessoa está feliz consigo mesma e no relacionamento, ela é uma pessoa melhor para o mundo. Meu trabalho ajuda as mulheres a enxergarem o caminho para o amor próprio através do resgate da feminilidade e da sensualidade, fazendo assim com que elas se empoderem e se tornam realmente donas de suas vidas”, conclui.
Será que essas dicas são suficientes?
O que fazer, então?
Autor dos livros ‘Medicina e Sexualidade’ e ‘Os Sete Pilares da Qualidade de Vida’ (que tem um capítulo inteiramente dedicado ao sexo), Ramon Luiz Moreira acredita que saber procurar o profissional certo para tudo que precisamos é um exercício de cidadania. “Se eu estiver precisando de uma consulta médica, por exemplo, não vou atrás de um anúncio de jornal. Vou buscar profissionais com referências na área. Diante do poder do marketing e da propaganda, as pessoas deveriam ficar mais atentas a isso”, reflete o ginecologista.
Outro aspecto apontado por ele é que a procura pelo consultório do especialista quase nunca acontece espontaneamente. “Meus pacientes sempre vêm indicados pelo analista ou pelo ginecologista. Por outro lado, a procura por um sex trainer geralmente é espontânea”, observa. “Todo cuidado é pouco. Um curso rápido pode ajudar uma mulher que já está bem com seu parceiro e quer só aprender coisas novas. Mas se a razão de procurar o tal curso for a infelicidade na relação, o efeito pode ser contrário e gerar frustração”, completa o médico.
A sugestão dele é buscar informação de qualidade antes de decidir qual estratégia usar. “Nas boas livrarias, sempre há uma estante de sexualidade ou sexologia, com livros de autores conceituados. Mesmo que ela esteja no segundo andar da loja, vale a pena”, brinca. “Consultar um psicólogo, sexólogo ou psicanalista pode ser o primeiro passo para o autoconhecimento. É preciso vencer a cultura de procurar um especialista apenas quando há um problema. Se você procurar mesmo quando estiver bem, os resultados podem ser bem mais duradouros. Nenhum de nós está 100%, todos podemos melhorar”, aconselha.
O especialista defende que, para tratar de um assunto tão importante, os profissionais deveriam ser regulamentados. “Quase todas as profissões têm um conselho que fixa normas e fiscaliza a postura dos profissionais, para garantir a qualidade dos serviços prestados. Do sex trainer ao professor de yoga tântrica, todos os profissionais que lidam com a sexualidade deveriam ter essa referência também”, pontua.
Confira algumas formas de acesso ao trabalho de autores indicados pelo sexólogo:
Livro:"Sexo Pode Ser: Menos Mito e Mais Verdade"
Autora: Carmita Abdo
Editora Prestígio
Livro:"Da depressão à Disfunção Sexual – e Vice-versa"
Autora: Camita Abdo
Editora: Segmento Farma
Site: Vinhos e sexualidade, do sexólogo Gérson Lopes
https://www.vinhoesexualidade.com.br/
Livro: Amor e Sexualidade: Como Sexo e Casamento Se Encontram
Autores: Oswaldo M. Rodrigues Junior, Carla Zeglio
Editora: Iglu
Site: Psicologia e Sexualidade, do psicólogo Oswaldo M. Rodrigues Jr.
https://psicologia.oswrod.psc.br/
Livro: Os sete pilares da Qualidade de vida
Autor: Ramon Luiz Moreira
Editora: Leitura
Curso de sexo oral
De acordo com Aline Castelo Branco, diretora da empresa Mundo da Intimidade, esta primeira edição do curso será apenas para mulheres. “A proposta agora foi realmente voltada para melhorar a autoestima da mulher, que já é reprimida sexualmente”, diz. O pagamento dá direito ao kit com prótese peniana, camisinha, apostila e certificado. “Até dezembro, vamos levar o curso para São Paulo e Rio de Janeiro. Recebemos centenas de e-mails de todo o Brasil, incluindo de maridos querendo garantir a vaga para a esposa, mas também de homossexuais. A empresa vai iniciar 2014 com curso voltado para os homens, afinal, há muitos caras que não sabem dar prazer à parceira”, explica Aline.
Aline diz que o objetivo é orientar as mulheres para lidar melhor com o corpo humano. “As aulas ficarão a cargo de um urologista, um fonoaudiólogo, um terapeuta sexual, um infectologista e uma sexóloga, que vão misturar teoria com a prática durante as intervenções”. A diretora da empresa é jornalista e comanda um programa de rádio na capital baiana sobre sexualidade. A inspiração para o novo curso foi uma iniciativa russa, com programa parecido, mas preço mais salgado: entre R$ 800 e R$ 1 mil.