Estudo da USP afirma que vegetarianos têm risco menor de desenvolver doenças cardíacas

A busca pela saúde começa a engrossar a lista de motivos que levam as pessoas a pararem de comer carne. No Brasil, 16 milhões de pessoas se denominam vegetarianos

por Celina Aquino 25/09/2013 08:42

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Respeito aos animais, crença religiosa e proteção ao meio ambiente são os principais responsáveis pelo aumento do número de vegetarianos em todo o mundo. A busca pela saúde começa a engrossar a lista de motivos que levam as pessoas a pararem de comer carne. O mais recente estudo brasileiro na área, realizado pela Universidade de São Paulo (USP), encontra evidências de que os adeptos do vegetarianismo apresentam risco menor de desenvolver doenças cardiovasculares. O resultado será apresentado pela primeira vez no país durante o Congresso Vegetariano Brasileiro, que, de hoje a domingo, reunirá especialistas na área em Curitiba.

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Entre os mitos que rondam a opção de vida, estão o de que o vegetariano só come salada e que os adeptos não têm chances de ficarem obesos (foto: SXC.hu)
Julio César Acosta Navarro, médico do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da USP, conduziu, no ano passado, uma pesquisa on-line com 549 adultos (homens e mulheres), que tinham mais de 18 anos e moravam em São Paulo. A intenção era coletar informações sobre alimentação e doenças. Os participantes foram divididos em três grupos de acordo com o grau de frequência de consumo de carne: vegetarianos (não comem), semivegetarianos (comem de uma a três vezes por semana) e onívoros (comem todos os dias).

“No grupo vegetariano, observou-se uma menor incidência de doenças prevalentes na sociedade, como hipertensão e alterações no colesterol e triglicérides”, adianta o pesquisador peruano, que, há 27 anos, procura evidências científicas que possam respaldar ou refutar as práticas do vegetarianismo. Entre os participantes onívoros, 71% eram hipertensos e 54% apresentaram quantidade anormal de lipídios no sangue. Já no grupo dos que não comem carne, 57% tinham pressão alta e 16% estavam com dislipidemias. Os dados das pessoas semivegetarianas não foram considerados no resultado final.

A descoberta não é conclusiva, ressalta Navarro, já que a pesquisa está na primeira de três etapas, mas coincide com os resultados alcançados em Lima em 1997 e em São Paulo em 2001. Nas duas pesquisas, em que foram analisados fatores de risco que podem levar a um evento cardíaco grave em 10 anos, incluindo morte, ficou comprovado que a pressão e o colesterol altos estão menos presentes entre os vegetarianos. A segunda fase do estudo, que consiste na análise da saúde de 40 homens aparentemente sadios de cada grupo, está prevista para terminar no fim deste ano.

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Atenção: o ganho na saúde não se deve apenas ao desaparecimento de carne no cardápio (foto: istockphoto)
Os resultados já alcançados levam Navarro a entender que a alimentação de fato influencia a saúde cardiovascular. “O protagonista da gênesis da aterosclerose é o colesterol, que está associado ao estilo de vida, essencialmente à nutrição. A molécula é necessária para formar hormônios, mas o ser humano não precisa de ingeri-lo”, destaca o também autor do livro Vegetarianismo e ciência. Além de fornecer menos colesterol (presente apenas em produtos animais), a dieta vegetariana ganha destaque porque contém maior quantidade de substâncias aliadas do coração, como vitamina C, betacaroteno, fibras e gordura poli-insaturada. A longo prazo, o pesquisador explica que a mudança na dieta produz alterações fisiológicas, levando a uma menor chance de surgir a aterosclerose.

Segundo Navarro, há cerca de 16 milhões de brasileiros que se denominam vegetarianos. Otimista, o pesquisador acredita que, daqui a 30 anos, com a força ecológica e os avanços científicos, haverá um racha na cultura alimentar e o mundo será dividido entre vegetarianos e onívoros. “O vegetarianismo vai crescer de tal maneira que criará uma divisão como corintianos e palmeirenses”, compara, ressaltando logo em seguida que, quando ele se interessou pelo tema, ainda na faculdade, em 1986, quem não comia carne era visto como radical e excêntrico.

Atentos ao prato
O ganho na saúde não se deve apenas ao desaparecimento de carne no cardápio. A nutricionista Silvana Portugal, coordenadora da Sociedade Vegetariana Brasileira em Belo Horizonte, observa que o vegetariano costuma dar mais atenção ao que come e acaba fazendo opções mais saudáveis. “Quem vira vegetariano passa a comer melhor e com muito mais variedade. Enquanto o onívoro lancha pão de sal com queijo, o vegetariano vai escolher pão integral com pasta de grão-de-bico, geleia de fruta ou até mesmo azeite. O perfil muda completamente”, compara. A especialista em nutrição vegetariana e vegana diz que os consumidores de carne, queijo e laticínios ingerem em excesso proteína, que se transforma em gordura.

Vegetariano há 21 anos, o médico nutrólogo Eric Slywitch informa que metade das calorias contidas na carne, seja branca ou vermelha, é oriunda de gordura. A outra é composta por proteína. Mesmo aquela considerada magra contém 40% de gordura. “Dessa gordura, 50% é saturada, a mais nociva para o risco de doenças cardiovasculares. Além disso, a forma como as pessoas preparam a carne tende a aumentar a porcentagem”, comenta. Slywitch acrescenta que os laticínios são ainda mais gordurosos que a carne. Cerca de 60% das calorias de um queijo branco, por exemplo, são de gordura, sendo que 70% é saturada.

O nutrólogo acredita que cortar carne e laticínios é um passo importante, mas é preciso colocar alimentos mais saudáveis no lugar. Para substituir um bife de 100g, quantidade máxima recomendada pelo Ministério da Saúde, Slywitch indica o consumo de sete colheres de sopa de feijão, o que equivale a uma concha quase cheia. Assim, serão supridas as necessidades de proteína, ferro e zinco, além de fibras, que são fermentadas por bactérias do intestino e formam substâncias que ajudam a reduzir o colesterol. A carne também pode ser trocada por outras leguminosas, como lentilha, ervilha, grão-de-bico e soja. Já os substitutos de leite e ovo, usados para dar liga às receitas, são banana-verde e linhaça. A semente, quando fica de molho na água por horas, forma uma baba que parece clara de ovo.

MITOS


  • Vegetariano só come salada
Os onívoros precisam comer mais vegetais que o próprio vegetariano para uma boa digestão. A nutricionista Silvana Portugal esclarece que é necessário ingerir a quantidade adequada de fibras (35g por dia, no caso de adultos) para ajudar o trânsito intestinal. A carne permanece mais tempo no intestino e pode atrapalhar o funcionamento do aparelho digestivo

  • Vegetariano toma vitamina para sempre
Não há necessidade de complementar a alimentação quando as substituições são feitas de maneira correta. O único nutriente que precisa de reforço é a vitamina B12, encontrada em carnes, leite, queijo e ovo. O nutrólogo Eric Slywitch informa que cerca de 60% dos vegetarianos brasileiros têm níveis insuficientes do nutriente, que influencia na concentração, na memória e na atenção, mas isso não é exclusividade deles. A falta de vitamina B12 está presente em 50% dos onívoros

  • Vegetariano não tem chance de ficar obeso
A população vegetariana tende a ser mais magra porque os alimentos vegetais são menos calóricos e dão mais saciedade que os de origem animal. Eric Slywitch dá um exemplo: 100g de queijo contêm a mesma quantidade de calorias (300) que 500g de tofu, que tem um volume cinco vezes maior. A manutenção do peso, porém, depende das escolhas alimentares

  • Crianças não podem ser vegetarianas
As crianças devem ser alimentadas exclusivamente com leite materno até os 6 meses. A partir daí, a introdução de dieta complementar pode ser feita sem o uso de proteínas animais. Para garantir o crescimento adequado, diz a nutricionista Ana Ceregatti, o cardápio deve conter alimentos de todos os grupos, ser variado e oferecer a quantidade adequada de nutrientes de acordo com a idade

ENTENDA AS DIFERENÇAS

De modo geral, vegetariano é o indivíduo que não come carne (vermelha ou branca), mas existem algumas variações

Ovolactovegetariano: inclui ovos, leite e derivados na alimentação

Lactovegetariano: não come ovos, mas ingere leite e laticínios

Vegetariano estrito: também conhecido como vegetariano puro, não adota qualquer tipo de produto animal na dieta

Vegano: além de não ingerir carnes, ovos, leites e derivados, recusa o uso de componentes animais não alimentícios, como vestimentas de couro, lã e seda, assim como produtos testados em animais

Crudívora: vegetariano estrito que consome apenas alimentos crus ou aquecidos a no máximo 42°C

Frugívora: inclui apenas frutos em sua alimentação, como cereais, legumes, oleaginosos e frutas

Fonte: Eric Slywitch, médico nutrólogo