Julio César Acosta Navarro, médico do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da USP, conduziu, no ano passado, uma pesquisa on-line com 549 adultos (homens e mulheres), que tinham mais de 18 anos e moravam em São Paulo. A intenção era coletar informações sobre alimentação e doenças. Os participantes foram divididos em três grupos de acordo com o grau de frequência de consumo de carne: vegetarianos (não comem), semivegetarianos (comem de uma a três vezes por semana) e onívoros (comem todos os dias).
“No grupo vegetariano, observou-se uma menor incidência de doenças prevalentes na sociedade, como hipertensão e alterações no colesterol e triglicérides”, adianta o pesquisador peruano, que, há 27 anos, procura evidências científicas que possam respaldar ou refutar as práticas do vegetarianismo. Entre os participantes onívoros, 71% eram hipertensos e 54% apresentaram quantidade anormal de lipídios no sangue. Já no grupo dos que não comem carne, 57% tinham pressão alta e 16% estavam com dislipidemias. Os dados das pessoas semivegetarianas não foram considerados no resultado final.
A descoberta não é conclusiva, ressalta Navarro, já que a pesquisa está na primeira de três etapas, mas coincide com os resultados alcançados em Lima em 1997 e em São Paulo em 2001. Nas duas pesquisas, em que foram analisados fatores de risco que podem levar a um evento cardíaco grave em 10 anos, incluindo morte, ficou comprovado que a pressão e o colesterol altos estão menos presentes entre os vegetarianos. A segunda fase do estudo, que consiste na análise da saúde de 40 homens aparentemente sadios de cada grupo, está prevista para terminar no fim deste ano.
Os resultados já alcançados levam Navarro a entender que a alimentação de fato influencia a saúde cardiovascular. “O protagonista da gênesis da aterosclerose é o colesterol, que está associado ao estilo de vida, essencialmente à nutrição. A molécula é necessária para formar hormônios, mas o ser humano não precisa de ingeri-lo”, destaca o também autor do livro Vegetarianismo e ciência. Além de fornecer menos colesterol (presente apenas em produtos animais), a dieta vegetariana ganha destaque porque contém maior quantidade de substâncias aliadas do coração, como vitamina C, betacaroteno, fibras e gordura poli-insaturada. A longo prazo, o pesquisador explica que a mudança na dieta produz alterações fisiológicas, levando a uma menor chance de surgir a aterosclerose.
Segundo Navarro, há cerca de 16 milhões de brasileiros que se denominam vegetarianos. Otimista, o pesquisador acredita que, daqui a 30 anos, com a força ecológica e os avanços científicos, haverá um racha na cultura alimentar e o mundo será dividido entre vegetarianos e onívoros. “O vegetarianismo vai crescer de tal maneira que criará uma divisão como corintianos e palmeirenses”, compara, ressaltando logo em seguida que, quando ele se interessou pelo tema, ainda na faculdade, em 1986, quem não comia carne era visto como radical e excêntrico.
Atentos ao prato
O ganho na saúde não se deve apenas ao desaparecimento de carne no cardápio. A nutricionista Silvana Portugal, coordenadora da Sociedade Vegetariana Brasileira em Belo Horizonte, observa que o vegetariano costuma dar mais atenção ao que come e acaba fazendo opções mais saudáveis. “Quem vira vegetariano passa a comer melhor e com muito mais variedade. Enquanto o onívoro lancha pão de sal com queijo, o vegetariano vai escolher pão integral com pasta de grão-de-bico, geleia de fruta ou até mesmo azeite. O perfil muda completamente”, compara. A especialista em nutrição vegetariana e vegana diz que os consumidores de carne, queijo e laticínios ingerem em excesso proteína, que se transforma em gordura.
Vegetariano há 21 anos, o médico nutrólogo Eric Slywitch informa que metade das calorias contidas na carne, seja branca ou vermelha, é oriunda de gordura. A outra é composta por proteína. Mesmo aquela considerada magra contém 40% de gordura. “Dessa gordura, 50% é saturada, a mais nociva para o risco de doenças cardiovasculares. Além disso, a forma como as pessoas preparam a carne tende a aumentar a porcentagem”, comenta. Slywitch acrescenta que os laticínios são ainda mais gordurosos que a carne. Cerca de 60% das calorias de um queijo branco, por exemplo, são de gordura, sendo que 70% é saturada.
O nutrólogo acredita que cortar carne e laticínios é um passo importante, mas é preciso colocar alimentos mais saudáveis no lugar. Para substituir um bife de 100g, quantidade máxima recomendada pelo Ministério da Saúde, Slywitch indica o consumo de sete colheres de sopa de feijão, o que equivale a uma concha quase cheia. Assim, serão supridas as necessidades de proteína, ferro e zinco, além de fibras, que são fermentadas por bactérias do intestino e formam substâncias que ajudam a reduzir o colesterol. A carne também pode ser trocada por outras leguminosas, como lentilha, ervilha, grão-de-bico e soja. Já os substitutos de leite e ovo, usados para dar liga às receitas, são banana-verde e linhaça. A semente, quando fica de molho na água por horas, forma uma baba que parece clara de ovo.
MITOS
- Vegetariano só come salada
- Vegetariano toma vitamina para sempre
- Vegetariano não tem chance de ficar obeso
- Crianças não podem ser vegetarianas
ENTENDA AS DIFERENÇAS
De modo geral, vegetariano é o indivíduo que não come carne (vermelha ou branca), mas existem algumas variações
Ovolactovegetariano: inclui ovos, leite e derivados na alimentação
Lactovegetariano: não come ovos, mas ingere leite e laticínios
Vegetariano estrito: também conhecido como vegetariano puro, não adota qualquer tipo de produto animal na dieta
Vegano: além de não ingerir carnes, ovos, leites e derivados, recusa o uso de componentes animais não alimentícios, como vestimentas de couro, lã e seda, assim como produtos testados em animais
Crudívora: vegetariano estrito que consome apenas alimentos crus ou aquecidos a no máximo 42°C
Frugívora: inclui apenas frutos em sua alimentação, como cereais, legumes, oleaginosos e frutas
Fonte: Eric Slywitch, médico nutrólogo