Saúde

Fazer as refeições em família e reduzir tempo de TV ajudam a combater o excesso de peso na infância

Os hábitos ainda fortalecem os laços familiares, segundo pesquisa dos EUA

Estado de Minas

Se alguém pedir a Vitor Hugo, de 9 anos, para escolher entre salgadinhos, doces ou frutas, a resposta do garoto pode surpreender. Diferentemente do que normalmente se espera das crianças – em geral, fascinadas por fast foods e guloseimas –, ele escolherá a fruta. Os bons hábitos alimentares foram aprendidos em casa com os pais e os avós e praticados em conjunto. A mãe do garoto, Kenya Borges, de 31, adaptou os horários para fazer todas as refeições com o marido e os filhos. Café da manhã, almoço e jantar são as oportunidades de eles conversarem sobre o cotidiano. “É um momento em que estamos juntos, podemos conversar sobre o dia, saber o que aconteceu na escola, por exemplo”, diz.


Kenya Borges come orgânicos desde pequena, estimulada pela mãe. Hoje, repassa a preferência por alimentos saudáveis ao filho Vitor Hugo
Segundo um estudo publicado no Jama Pediatrics, jornal da Associação Médica Americana, hábitos familiares saudáveis, como fazer as refeições em família, contribuem para prevenir a obesidade infantil e reduzir o excesso de peso. Os pesquisadores de quatro centros de saúde em Boston fizeram um experimento com dois grupos familiares. Um recebeu orientações para mudar os hábitos e o outro teve as práticas já consolidadas acompanhadas. As famílias que alteraram os comportamentos – dormindo o tempo suficiente e passando menos tempo em frente à televisão, por exemplo – tiveram melhoras significativas na saúde alimentar dos filhos.

Na casa de Kenya, os efeitos do experimento são comprovados na prática. “Quando fazemos as refeições juntos, podemos dar o exemplo, comer alimentos saudáveis. Se o pai não come verduras, como esperar isso do filho?”, exemplifica. Ela também aprendeu com os pais a ter uma rotina que levasse em conta uma alimentação mais saudável. "Minha mãe produz vegetais orgânicos e, desde sempre, eles fazem parte da nossa alimentação.”

Segundo o psicólogo infantil Marcelo Quirino, esse cuidado de reunir a família faz com que os mais novos associem a hora de comer a práticas saudáveis e a um tempo prazeroso de convivência e aprendizado. “As reuniões formam, na mente da criança, a imagem da importância dada à alimentação pela família, o que possibilita que ela perpetue bons hábitos durante a vida", explica.

Ainda no útero

Nutrólogo e professor de pediatria da Universidade de São Paulo (USP), Rubens Feferbaum acredita que a influência dos hábitos dos mais velhos sobre os pequenos começa antes mesmo do nascimento das crianças, ainda na gestação. A forma como o bebê se nutre nos primeiros mil dias – 280 de gestação e 720 depois de nascer – é fundamental para a saúde futura. “Desde a gestação, os hábitos da mãe devem ser adequados, a alimentação da criança nessa fase vai se refletir na vida adulta”, afirma.

Silvia Boani começou a cuidar da alimentação de Lucas quando ainda estava grávida
A advogada Silvia Boani, de 37, intensificou os cuidados que já tinha com a alimentação assim que soube da chegada de Lucas. “Minha preocupação começou desde a gestação. Eu já tinha uma alimentação balanceada, mas passei a me preocupar ainda mais”, conta. Quando Lucas tinha 2 anos, um susto tornou ainda mais rígida a maneira como a família e o garoto se alimentavam. O menino foi diagnosticado com colesterol alto – relacionado a um histórico familiar do problema. Aliados aos hábitos alimentares os exercícios físicos ajudaram a normalizar as taxas de colesterol do garoto.

Médico no Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e no Hospital Sírio-Libanês, Paulo Taufi Maluf ressalta que a decisão da família de privilegiar atividades físicas e cuidados gerais com o organismo leva a um risco menor de complicações para a criança. “A prevenção da obesidade resulta da importância que a família dá ao problema e da filosofia de vida que se adota”, afirma.

Histórico de exageros ou de cuidados
Alimentação sem controle e outros costumes inadequados são, na maioria dos casos, frutos das atitudes tomadas pelos pais. O acesso exagerado a salgadinhos, doces e outras guloseimas que podem fazer mal é, na maioria das vezes, possibilitado por algum adulto. Por isso, a mudança na rotina familiar pode provocar tantas mudanças na saúde da criança e na prevenção de alguns problemas. "A ‘culpa’ não é da criança. Os hábitos errôneos vêm da família, não é a criança sozinha que faz as compras e inclui salgadinhos e guloseimas no carrinho do supermercado", pondera o nutrólogo Rubens Feferbaum.

As telas da televisão, de tablets e do computador podem ser um fator de risco durante as refeições. A distração provocada pelos aparelhos eletrônicos faz com que o ato de comer seja deixado de lado, o que pode diminuir a sensação de saciedade e fazer com que a criança mastigue menos do que o ideal. “Nesses casos, o ato de alimentação se torna sem prazer, corrido e até mesmo desnecessário na cabeça de algumas crianças”, diz o psicólogo infantil Marcelo Quirino.