Sertão nordestino, 1940. A sonhadora Lisbela está prometida ao advogado da cidade quando se apaixona por Leléu, incorrigível conquistador, artista mambembe de circo, preso pelo excesso de suas paixões. A atração é recíproca e o casal corre todos os riscos para viver um grande amor. A atriz e produtora mineira Fernanda Botelho, de 33 anos, é a Lisbela da montagem da Canastra Real, produtora teatral que mantém com Ricardo Ferreira Batista, de 59, ator, diretor e produtor, que assina a direção da peça. Mais do que atriz e diretor, mais do que sócios, Fernanda e Ricardo são ex-namorados. E são também amigos.
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De 26 a 29 deste mês, eles estarão novamente em cena, no Teatro Alterosa. Ela no palco, ele na coxia. Lisbela e o prisioneiro, sucesso da dramaturgia nacional, é mais uma montagem da dupla, que soube seguir junta mesmo após o término do relacionamento que os uniu. Em 2004, Fernanda fez substituição em uma peça do diretor. No fim do mesmo ano, na montagem de um novo espetáculo produzido por ele e em que ambos atuavam, começaram a namorar. Meses depois ela tornou-se sócia na Canastra Real, produtora que Cadinho, como é conhecido, já tinha há algum tempo. O namoro durou quatro anos. O término chega à mesma marca. Todo o resto permaneceu.
"Foi um relacionamento muito bom, chegamos a morar juntos. A amizade perdurou porque era a parte mais forte da relação. Existe muita admiração de um pelo outro, profissional e pessoal", conta a atriz, segundo a qual a relação com Ricardo continua ótima. "Temos nossas discussões de trabalho, que são muitas (risos), mas nos damos bem: há muito carinho de um pelo outro. Os ganhos são muitos. É muito bom poder continuar sendo amigo de quem a gente gosta", defende Fernanda, que tem amigos em comum com Ricardo e com eles pode continuar convivendo. As famílias mantêm o mesmo carinho com ambas as partes. "Enfim, é sempre bom ter boas amizades, independentemente do que já ocorreu no passado."
Fernanda não é a primeira ex que fica amiga de Ricardo. Aliás, ele faz questão de que a amizade permaneça em suas relações. "Quando gosto de uma pessoa, não quero que ela saia da minha vida. Quero ver, conversar. Hoje, minha relação com a Fernanda é parecida com a que tenho com minha filha, com minha irmã. Quero o bem dela, sempre", comenta o diretor, responsável, inclusive, por apresentar o atual namorado de Fernanda. "Nossa relação é tão boa que até o namorado dela fui eu que arrumei. Comigo vai ser sempre assim. Gosto de continuar amigo mesmo que o relacionamento tenha acabado. Só não será assim se a outra pessoa não quiser", acredita. "Melhor seria impossível", diz Fernanda.
EVOLUÇÃO A sociedade no trabalho pode ter facilitado a amizade de Fernanda e Ricardo. Entre outros casais, o elo amistoso pode ser a prole de cada um e, às vezes, sentimentos menos nobres. Para Cláudia Prates, psicoterapeuta de família e de casal, existem casos em que a amizade é apenas uma desculpa para se continuar por perto, seja pelo desejo de retorno, pela vontade de não perder a pessoa de vista ou puramente pela ilusão do controle. "Qualquer uma das três pode levar a uma máscara de amizade", defende.
O que determina a possibilidade de um contato saudável é a elaboração do ressentimento, a forma como ocorre a separação e o grau de evolução dos envolvidos. Pessoas muito dirigidas pelo ego não suportam ser dispensadas. E há quem tenha mesmo uma grande dificuldade em abrir mão do ex. "Vejo como tentativa de controle, pelo temor de permanecer só. Uma chance de reativação do relacionamento, mesmo ele não tendo dado certo. É quase um recurso de consolo pessoal: um mal conhecido visto como algo melhor que um canto solo a se conhecer”, explica especialista, que também observa uma maior facilidade de os homossexuais se manterem amigos dos ex. "A solidariedade e o desejo de não restringir a área de contato é maior entre eles. Abrir mão da relação, da amizade ou do contato leva a um prejuízo superior."
E tudo pode ir muito bem até que aparece uma nova pessoa na vida do ex. Nesse momento, é exigida, implícita ou explicitamente, uma lealdade à nova pessoa, quem nem sempre vai ver com bons olhos o bom relacionamento pós-término. Quando os novos parceiros têm filhos, uma ajuda mútua na educação na educação dos mesmos pode ser um álibi para favorecer a aproximação. Mas para Cláudia, há aí uma outra meta, nem sempre divulgada. "A pura amizade, destituída de qualquer interesse, é muito difícil de se ver nesses casos", acredita a psicoterapeuta.