Em seis anos, o número de idosos que usam a internet aumentou mais de 200%

Segundo especialistas, a vontade de explorar as facilidades da vida moderna e o barateamento dos eletrônicos estão entre as explicações para esse fenômeno

por Correio Braziliense 20/09/2013 10:00

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Há dois anos, Lásara Batista ganhou um tablet de um dos filhos. A primeira reação foi rejeitar o aparelho. “Eu não queria computador, não queria ‘esquentar’ a cabeça”, conta a aposentada de 72 anos. A estratégia para convencê-la foi dizer que o tablet não era um computador, mas apenas um brinquedo que poderia distraí-la. “No começo, eu me esforcei para usar porque sabia que tinha sido caro, para valorizar o presente”, lembra. O dever acabou se transformando em diversão. “Depois de rejeitar, eu adorei. Senti como se abrissem novas janelas para mim”, conta Lásara, que hoje se diz incapaz de viver desconectada.

Breno Fortes/CB/D.A Press
"Depois de rejeitar, eu adorei. Senti como se abrissem novas janelas para mim" - Lásara Batista, 72 anos (foto: Breno Fortes/CB/D.A Press)
Casos de idosos, como Lásara, que aderiram ao mundo digital se tornam cada dia mais comuns. No Brasil, a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada neste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que, de 2005 a 2011, houve um aumento de 222,3% no número de pessoas com mais de 50 anos que usam a internet. O que significa dizer que 5,6 milhões de idosos passaram a utilizar a web nesse período. Das faixas etárias analisadas, essa foi a que apresentou o maior crescimento. Mas, apesar do aumento, os idosos, segundo o IBGE, ainda são a camada que menos acessa a rede mundial de computadores: em 2011, os internautas representavam apenas 18,4% da população mais velha, contra, por exemplo, 74,1% das pessoas entre 15 e 17 anos.

A facilidade de acesso aos itens de informática — que se tornaram mais baratos nos últimos anos — pode ser uma das justificativas para o aumento do número de idosos usando computadores, tablets e smartphones para entrar na rede virtual. “Hoje, os itens de informática estão financeiramente acessíveis. Aliado a isso, os idosos passaram a ter contato com esses itens no dia a dia”, avalia Silvana Maria Affonso de Lara. Cientista da computação, Silvana é autora de uma tese de doutorado na Universidade de São Paulo (USP) que tratou dos entraves para o acesso dos mais velhos à informática e propôs modos de facilitá-lo.

Segundo a psicanalista e educadora de idosos Andréa Freire, outro fator que contribuiu para aumentar o uso da internet entre os mais velhos é o desejo do idoso de se integrar ao modo de vida da sociedade atual. “Isso acontece porque ele passa a acreditar mais em suas potencialidades, inclusive de aprendizado, e na capacidade de interagir com a tecnologia”, afirma.

As razões para o número de internautas idosos ainda ser menor do que o de outras faixas etárias são múltiplas, de acordo com a mestre em gerontologia e doutora em informática educacional Letícia Machado. A falta de informação sobre o assunto e de formação adequada para o uso do computador é uma delas. “Há ainda a falta de interesse, fatores econômicos e culturais e a ausência de políticas públicas educacionais para o público específico”, completa a especialista.

Lásara passou a dominar as ferramentas na base da tentativa e erro. “Meu filho me disse para perder o medo e ir mexendo até aprender”, conta. Hoje, a aposentada utiliza e-mail, redes sociais, conversa com amigos e parentes distantes e acredita que, assim, pode acompanhar melhor o crescimento de sobrinhos e netos que estão distantes. “Meu mundo se abriu. Eu percebi que poderia ter mais contato com as pessoas e também estar mais atenta, mais ligada”, comemora.

Andréa Freire destaca que o ganho cognitivo com a experiência envolve atenção, percepção, memória, raciocínio, imaginação, pensamento e linguagem. A internet e a tecnologia facilitam ainda a obtenção de conhecimentos que ajudam na interação com pessoas mais jovens, geralmente mais inseridas no ambiente virtual. “É uma via para que o idoso tenha acesso ao que hoje o mundo oferece, de se sentir dentro de uma realidade tão diferente daquela em que vivia na juventude”, explica psicanalista.

Carlos Moura/CB/D.A Press
Aos 60 anos, o vendedor Vanderlei matriculou-se em um curso de informática. Uma das intenções é usar o conhecimento no trabalho (foto: Carlos Moura/CB/D.A Press)
Na escola
A oferta maior de cursos pensados especialmente aos idosos também sinaliza que o contato dos mais velhos com o mundo virtual só tende a crescer. Esse sinal do mercado ajuda, inclusive, a quebrar as resistências. Até junho, o vendedor Vanderlei Fidelis, 60 anos, não sabia sequer “como colocar o computador na tomada”. Depois de ver um panfleto que anunciava aulas gratuitas de informática para a terceira idade, ele resolveu arriscar-se pelo mundo virtual. Mesmo com pouco tempo, Vanderlei garante que já está apto a realizar todas as atividades que lhe interessam no computador. “Sempre fui curioso, tinha muita vontade (de aprender) e achei a oportunidade certa”, conta.

Vanderlei acredita que é importante que sejam oferecidos mais cursos aos idosos e que eles sejam mais divulgados. “Assim como eu, muitas pessoas têm vontade de saber como utilizar a internet, o computador, e não têm oportunidades.” Ele, que hoje utiliza a internet para pesquisar e buscar novos conhecimentos, quer também trazer a informática para a vida profissional. “Muitos colegas vendedores usam, acredito que será muito útil profissionalmente para mim também”, afirma.

Especialista ressaltam a necessidade de que os professores estejam preparados para lidar com o público mais velho e entendam as especificidades que a passagem dos anos traz aos alunos. Uma abordagem cognitiva distinta, que leve em conta as dificuldades comuns aos idosos, e mais paciência são algumas das adaptações necessárias. “É preciso ter uma metodologia própria para esse público para que o aprendizado flua”, ressalta Andréa Freire.

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Ana Nery usa a internet para conversar com a filha e os netos que moram na Espanha e fazer compras em sites (foto: Carlos Moura/CB/D.A Press)
Diminuindo as distâncias
Ter a possibilidade de comunicar-se com familiares distantes é uma razão forte pela qual idosos ingressam em cursos de informática ou buscam, por si sós, aprender a lidar com a web. “Em sua maioria, eles começam a interagir com a web quando percebem que podem usufruir desses benefícios”, explica a cientista da computação Silvana Maria Affonso de Lara.

Aos 60 anos, a aposentada Ana Nery resolveu que aprenderia a manejar um computador e a acessar a internet. A principal motivação de Ana era a vontade de se comunicar por meio de softwares de chamadas por vídeo com a filha e os netos que moram na Espanha. “Queria ter contato com ela, vê-la com os meus netos na webcam”, conta.

Ana saiu à procura de um curso gratuito de informática e, assim que descobriu, passou a frequentar as aulas. O encanto com a rede mundial de computadores tornou-se ainda maior assim que o curso começou, há três meses. “Logo na primeira aula, eu fiquei deslumbrada com o que o professor mostrava”, lembra. “Hoje, a pessoa que não está ligada à internet é considerada burra, vou aprendendo cada dia mais”, afirma a aposentada, que também usa o computador para fazer compras on-line.

Ana acredita que os mais velhos encontram um pouco mais de dificuldade para se adaptar às novas tecnologias e, por isso, o aprendizado tem de acontecer aos poucos. “Não fez parte da minha geração, por isso, nós, os mais velhos, temos mais dificuldades e vamos aprendendo devagar”, diz. A entrada no curso lhe possibilitou conhecer novas pessoas e fazer contatos com os colegas, além disso Ana diz que a mente se tornou mais ativa depois das aulas de informática. “Quando estou usando, não dá vontade de largar de jeito nenhum. É tão bom, quero continuar aprendendo sempre mais”, afirma.

Mesmo buscando um contato maior por meio do mundo virtual, a maioria dos idosos, ao contrário do que acontece com os mais jovens, tenta manter as relações fora do ambiente digital. O cuidado, segundo afirma a psicanalista Andréa Freire, é importante e deve ser estimulado. “Eles continuam a valorizar o contato pessoal, a presença física, o que é positivo, evitando que se afastem do convívio social e não privilegiando apenas a relação virtual”, avalia.



Aprender sempre
“Alguns idosos têm erroneamente a ideia de que a aprendizagem se restringe aos bancos escolares formais e que, ao envelhecer, a pessoa perde a capacidade de aprender algo novo. No entanto, sabe-se que a aprendizagem acontece ao longo da vida. Não há uma idade limite para aprender, incluindo as tecnologias de informação e de comunicação, que estão cada vez mais presentes e são indispensáveis para nossa rotina diária”

Letícia Machado, especialista em gerontologia e informática educacional