“Nós observamos que 90% dos animais que receberam vacinas 'Maps' foram protegidos de uma infecção letal de pneumococo (bactéria que causa a pneumonia)”, comemora, em entrevista ao Correio, Richard Malley, pesquisador da Divisão de Doenças Infecciosas do hospital e coordenador do estudo. “O método pode acelerar o desenvolvimento de novas vacinas para uma gama de sérios agentes infecciosos globais”, completa.
Para entender o que essa forma de proteção tem de diferente, é preciso antes compreender como as imunizações são produzidas atualmente. Malley explica que existem, basicamente, dois tipos de vacinas, que podem ser divididas em celulares (ou vivas) e acelulares (ou de subunidades ou conjugadas), classificadas de acordo com a forma de fabricação.
As primeiras são feitas com células completas de agentes patogênicos enfraquecidos, enquanto as outras, apenas com partes desses agentes. Em geral, as celulares são mais eficazes, pois estimulam uma forte resposta do sistema imunológico. “No entanto, elas podem apresentar efeitos colaterais, devido aos componentes inflamatórios, e são difíceis de se reproduzir de forma padronizada”, acrescenta o pesquisador. Já as vacinas acelulares são uma combinação de partes dos patógenos, feitas de polissacarídeos ou proteínas. Como resultado, elas são mais fáceis de serem padronizadas e geram menos efeitos adversos, mas a resposta imune que provoca nas pessoas acaba se enfraquecendo com o tempo.
Meio-termo
A Maps é uma espécie de meio-termo desses dois procedimentos. “O objetivo desse método é reproduzir a força imunológica das vacinas celulares, mas dentro de um sistema acelular feito com polissacarídeos e proteínas”, prossegue Malley. A técnica conta com a interação de dois componentes que ajudam a conectar as proteínas e os polisscarídeos dos agentes infecciosos: a biotina (molécula da classe das vitaminas) e a rhizavidin (proteína com propriedades similares às da proteína avidina, presente no ovo, e que tem uma forte afinidade com a biotina).
Luciana Leite, doutora em bioquímica e diretora do Centro de Biotecnologia do Instituto Butantan, explica que o processo de fabricação de vacinas conjugadas é demorado devido, por exemplo, à falta de afinidade entre os polissacarídeos do patógeno e as proteínas. “A adição da biotina torna a reação mais eficiente”, atesta a especialista, que não participa do novo estudo.
O complexo que resulta dessa organização é parecida com um andaime de polissacarídeos salpicados com proteínas e pode estimular respostas simultâneas de anticorpos e células T de uma forma bem parecida com as vacinas celulares, o que resulta em uma imunidade mais forte ao agente patogênico. “O Maps é basicamente uma forma de fazer vacina acelular com características celulares. Essa tecnologia permite a inclusão de antígenos de forma bastante precisa”, resume Malley.
Promissor
De acordo com o especialista norte-americano, o sistema pode ser aplicado a diversos tipos de imunização. “Tecnicamente, é possível construir vacinas desse tipo para vírus, parasitas e até câncer”, diz. “A formação modular é viável até mesmo para incluir antígenos de múltiplos agentes infecciosos na mesma fórmula”, acrescenta. Segundo ele, se os testes continuarem sendo bem-sucedidos, vacinas Maps poderão estar disponíveis em cerca de dois anos.
Para Luciana Leite, os resultados, até agora, são muito interessantes, com reais possibilidades de diminuição de custos e ampliação da resposta imunológica. Produtos mais baratos, ressalta a brasileira, são importantíssimos para nações mais pobres. “Países em desenvolvimento, muitas vezes, não conseguem comprar vacinas acelulares, que chegam a custar US$ 20 (a dose)”, lembra. “Com o Maps, poderíamos ter mais vacinas que custam centavos de dólar, como é o caso da tríplice viral (contra sarampo, rubéola e parotidite).”
Glóbulos brancos
A célula T, ou linfócito T, é um tipo de leucócito (glóbulo branco). Ela é responsável pela imunidade celular e pela produção de anticorpos sanguíneos, representando entre 65% e 75% dos linfóticos presentes no sangue.
Mais doses
Esse efeito foi observado, por exemplo, na vacina tríplice bacteriana (DPT), contra difteria, coqueluche e tétano. “As vacinas acelulares para coqueluche estão menos eficientes. Está sendo preciso aplicar mais doses por conta dessa insurgência da doença”, diz Luciana Leite, do Instituto Butantan.