Saúde

Senado francês aprova fim de concurso de beleza infantil para conter "sexualização excessiva" das crianças

Políticos de diferentes partidos e movimentos feministas travaram intenso debate nos últimos meses sobre a 'hipersexualização' de meninas e participação de menores de 16 anos em concursos de beleza

Letícia Orlandi

Os senadores franceses aprovaram nesta quarta-feira, com 146 votos a favor e apenas um contra, a proibição de concursos de beleza para meninas menores de 16 anos, sob pena de multa e prisão. De acordo com os parlamentares, a medida é um esforço para conter a "sexualização excessiva" das crianças. A proposta inicial foi apresentada por Chantal Jouanno, ex-ministra do Esporte, como parte de um projeto de lei para promover a igualdade entre os sexos. "Não permitamos que nossas meninas acreditem desde cedo que seu único valor está na aparência e que os interesses comerciais pesem mais que os interesses sociais", disse Joaunno aos senadores.


Océane Scharre (11 anos) e Mathilde Florin foram escolhidas as misses da França em 2011
A proposta recebeu diversas críticas sobre seu conteúdo excessivamente moralista, mas a parlamentar defendeu que "legisladores não têm a missão de moralizar, mas temos o dever de defender os interesses mais elevados das crianças". A proibição ao que os franceses denominam "concursos de minimisses" foi combatida pela senadora socialista Virginie Klès, que apresentou o projeto original para promoção da igualdade entre os sexos. A porta-voz do governo francês e ministra dos Direitos da Mulher, Najat Vallaud-Belkacem, também considerou que as penas propostas eram severas demais. Ela havia proposto um outro projeto, exigindo uma autorização prévia para concursos, mas o texto foi arquivado.

Os organizadores de concursos que desobedecerem a proibição do limite mínimo de idade podem enfrentar pena de até dois anos de prisão e multa de 30 mil euros (cerca de R$90 mil reais). Em relatório legislativo apresentado em março de 2012, Jouanno expressou preocupação quanto à "sexualização excessiva" de meninas jovens, incluindo a "sexualização de suas expressões, posturas ou roupas de forma precoce demais". Jouanno declarou, então, que "o fenômeno está mais e mais presente".

Isabella Barrett, Little Miss America, tem 6 anos. Ela participa de concursos desde os 4, tem milhões de dólares e uma linha de jóias, roupas e maquiagem para crianças. Sua postura 'adultizada' - tanto na televisão quanto em redes sociais - provoca polêmica nos Estados Unidos
O texto, alterado e aprovado no senado francês, ainda será reconduzida à Assembleia Nacional (câmara baixa do Legislativo), para aprovação.

Mania em vários países
Concursos de 'minimiss' são realizados nos Estados Unidos, por exemplo, desde a década de 60. Lá, existe até um reality show – transmitido no Brasil pelo canal pago Discovery Home&Health – que acompanha a rotina de meninas participantes de concursos. O programa é campeão de audiência e também de críticas negativas.

Na França, a polêmica se recrudesceu em 2012. No fim de setembro, um concurso de beleza infantil em Bordeaux teve de ser cancelado devido a protestos de parlamentares e de organizações feministas. Segundo parlamentares envolvidos na proposta aprovada hoje, os eventos colocam as crianças como "objetos de sedução, avaliados por adultos, com uma perda total da inocência". Sites de jornais franceses também realizaram enquetes e os resultados indicaram que a maioria da população é contra os concursos.

Os concursos de beleza com meninas multiplicaram-se na França nos últimos anos. "Miss Princesa" (de 7 a 9 anos), "Miss Rainha" (de 10 a 12 anos), "Graine de Miss" (Grão de Miss, em tradução literal), são alguns exemplos. O "Mini-Miss França" existe há 23 anos e afirma ser a única competição oficial desse tipo. Em função da polêmica, os organizadores criaram uma carta de ética, proibindo maquiagem pesada, salto alto, maiô e roupas consideradas "inapropriadas". As regras proíbem meninas menores de 7 anos, mas mantêm o vestido de princesa.

Os organizadores alegam ainda que o concurso francês é muito diferente do norte-americano, onde as crianças chegam a usar dentes e cabelos postiços e maquiagem pesada.

Efeito Lolita
A polêmica do reality show sobre as pequenas misse noa EUA já havia motivado a discussão de especialistas. A professora de jornalismo e comunicação de massa na Universidade de Iowa (EUA), Meenakshi Gigi Durham, identifica os mitos criados pela mídia no tratamento da sexualidade, com efeitos nocivos para o desenvolvimento das meninas e a a liberdade das mulheres É o que ela chama de Efeito Lolita, ou seja, cada vez mais a mídia atinge garotas mais jovens.

Vencedoras de concurso de 'minimiss' nos subúrbios de Paris, em 2012
Segundo a autora, é imposto a crianças e jovens um único padrão de beleza possível. E, como as imagens de garotas estampadas nas revistas são irreais, as meninas têm que comprar produtos que vão de cosméticos à cirurgias plásticas para atingir a perfeição e ser sexy. “Outros aspectos de suas vidas são relegados a segundo plano. O verdadeiro problema com o Efeito Lolita é que as garotas não têm controle sobre essa situação”, diz Durham.

A professora diz ainda que é necessária a criação de grupos de discussão com participação efetiva dos jovens como forma de combater esse trabalho cruel feito pela mídia comercial, que divulga e reforça o papel dos concursos de beleza para crianças.

Com informações de agências