Saúde

Dias frios prejudicam o coração

Quanto menor é a temperatura maiores são os riscos de as pessoas sofrerem um infarto, dizem cientistas belgas. O estudo foi apresentado em congresso na Holanda

Luciane Evans

Parecem não fazer mal a ninguém. São bons para namorar, dormir até mais tarde e comer coisas gostosas. No entanto, os dias frios, declamados como bucólicos por muitos poetas, nada têm de românticos e passaram a ser vistos, agora, como inimigos do coração. O alerta vem de um estudo belga, apresentado pela primeira vez na Europa, durante congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia, na semana passada, em Amsterdã. Pesquisadores descobriram, depois de três anos de estudo, que quanto mais baixas são as temperaturas, maiores são os riscos de infarto agudo do miocárdio. Apesar de os médicos brasileiros já conhecerem essa face do inverno, eles apontam que a pesquisa serve para confirmar cientificamente o que já se suspeitava na medicina.


Pesquisadores descobriram, depois de três anos de estudo, que quanto mais baixas são as temperaturas, maiores são os riscos de infarto agudo do miocárdio
Entre 2006 e 2009, os cardiologistas belgas reuniram dados de 32 centros de saúde da Bélgica sobre pacientes que sofreram infarto. As informações foram correlacionadas com a média semanal de relatórios meteorológicos obtidos em 73 sites de monitoramento do ar de todo aquele país. A coleta, de acordo com o pesquisador Marc Claeys, incluiu a poluição do ar, temperatura e umidade relativa. Depois de uma análise multivariada, os resultados mostraram que para cada redução de 10% na temperatura mínima, houve um significativo aumento, de 7 %, na incidência de infartos. “A poluição do ar não teve efeito significativo”, ressaltou Marc.

Para o pesquisador, o aumento do risco associado à diminuição da temperatura inclui a estimulação de receptores de frio na pele e do sistema nervoso simpático, um dos componentes do sistema nervoso autônomo, responsável pelo controle involuntário de vários órgãos internos. “Issto, juntamente com o volume de plasma reduzido e aumento da viscosidade do sangue durante a exposição ao frio, provoca trombose, consequentemente, o infarto”, defendeu Marc, alertando as pessoas com risco para o mal a evitar se expor a mudanças bruscas de temperatura e a usar roupas adequadamente quentes ao ar livre quando há quedas nos termômetros.

O QUE É INFARTO DO MIOCÁRDIO? O infarto é definido como uma lesão isquêmica do músculo cardíaco (miocárdio), que deve-se à falta de oxigênio e nutrientes. Os vasos sanguíneos que irrigam o miocárdio (artérias coronárias) podem apresentar depósito de gordura e cálcio, levando a uma obstrução e comprometendo a irrigação do coração. As placas de gordura localizadas no interior das artérias podem sofrer uma fissura causada por motivos desconhecidos, formando um coágulo que obstrui a artéria e deixa parte do coração sem suprimento de sangue. É assim que ocorre o infarto do miocárdio. Ele pode ocorrer também em vasos coronarianos normais quando as artérias coronárias apresentam um espasmo, ou seja, uma forte contração que determina um déficit parcial ou total no suprimento de sangue ao músculo cardíaco irrigado por esse vaso contraído.
O coordenador de relações institucionais da Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas, Márcio Jansen de Oliveira Figueiredo, presente no congresso em Amsterdã, comenta que a relação do frio com os problemas de coração sempre foi algo conhecido da medicina, mas “ninguém tinha mostrado isso cientificamente”. Ele destaca que a imagem clássica de um infarto é um homem adulto, grisalho, segurando uma maleta, numa noite fria, e com dores. “Essa figura é clássica para o tema”, diz. Figueiredo comenta que nos dias frios o organismo descarta alguns mecanismos de defesa, fazendo com que o sistema nervoso simpático seja ativado, o que favorece a ocorrência de infarto e de arritmias cardíacas. “O estudo não nos sugere estratégias para evitar isso. O melhor é que as pessoas estejam agasalhadas”, indica.

Mas o cardiologista Marcus Vinícius Bolívar Malachias, professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, é cauteloso diante da comprovação dos pesquisadores. “A baixa temperatura, em muitos casos, pode até proteger o paciente que fez uma cirurgia cardíaca. Mas, de fato, o organismo, durante os dias frios, contrai as artérias, e para quem já tem alguma doença cardíaca, a estação passa a ser um risco. É um risco também para quem viaja para o exterior, já que no Brasil não temos o frio europeu. Mas, quando é verão aqui, em época de férias, nós, brasileiros, gostamos de ir à Europa, e lá é inverno com temperaturas abaixo de zero. Por isso, é preciso cuidado”, analisa.

MEDICAÇÕES
Com o foco nas doenças cardiovasculares, o congresso na Holanda reuniu cerca de 20 mil médicos de todo o mundo. Do Brasil, cardiologistas que participaram do evento apontaram que, entre os assuntos em discussão, o que mais chamou atenção, além dos novos estudos, foram as pesquisas de novas medicações para os problemas de coração. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), os males cardiovasculares são a primeira causa de morte no mundo, com 17 milhões de óbitos somente em 2011.

Marcus Bolívar destacou os novos anticoagulantes orais como parte importante nas discussões do congresso, assim como Márcio Jansen. “Esses novos fármacos têm melhorado a qualidade de vida dos pacientes”, afirmou Bolívar, lembrando que a indústria farmacêutica apresentou também suas falhas, como os resultados da fase II Re-Align, na qual o estudo mostrou que o tratamento com o anticoagulante etexilato de dabigatrana resultou em um maior número de complicações tromboembólicas e hemorragias em doentes com válvulas cardíacas mecânicas do que com o tratamento padrão usando o medicamento warfarina. O estudo, apresentado por Frans van de Werf, do Hospital Universitário de Leuven, na Bélgica, e publicado simultaneamente no New England Journal of Medicine, foi interrompido precocemente por causa dos resultados decepcionantes.

Por outro lado, foram apresentados resultados do medicamento que tem como princípio ativo a  rivaroxabana. No mercado  desde 2009, a medicação era indicada para prevenção e tratamento contra o trombolismo venoso e prevenção da fibrilação atrial. Novas pesquisas, no entanto, mostraram que o remédio é eficaz e seguro também para o tratamento de embolia pulmonar.
 
* A repórter viajou a convite da Bayer