De acordo com Vanessa Ridaura, principal autora do trabalho, as fezes de quatro gêmeas adultas, sendo os pares formados por uma mulher obesa e outra magra, foram transplantadas em ratos livres de germes. O processo também poderia ser realizado com a inoculação de bactérias cultivadas a partir das amostras fecais das voluntárias. Após algumas semanas, Ridaura registrou um aumento total no tamanho do corpo e na quantidade de gordura das cobaias. A pesquisadora conta que também reparou que fenótipos associados à obesidade apareceram nos animais quando eles receberam a microbiota da doadora obesa.
O mesmo não foi percebido nos ratos que receberam as bactérias da gêmea magra. Esses, por sua vez, conseguiram manter o peso, o que indica que a transmissão de características físicas é possível a partir do transplante de bactérias intestinais. A segunda etapa da pesquisa consistiu em colocar ratos obesos e magros na mesma gaiola. Segundo Ridaura, a interação entre os dois grupos de animais permitiu uma colonização bem-sucedida das bactérias dos ratos magros nos obesos, o que impediu que os gordinhos ganhassem mais peso. Esses animais, inclusive, conseguiram emagrecer, e os resultados foram muito mais expressivos com a adoção de uma dieta pobre em gordura e rica em fibras.
Apesar das evidências, os cientistas desconhecem quais bactérias estão envolvidas nesse processo. Análises das fezes dos ratos indicaram que micro-organismos do gênero dos Bacteroides conseguiram ser transmitidos das cobaias magras para as obesas, sugerindo que eles, em grande parte, são responsáveis pela proteção contra o aumento da adiposidade. Para Alan Walker, pesquisador de genoma e patógenos do Wellcome Trust Sanger Institute, no Reino Unido, o curioso é que, quando os camundongos obesos dividiram a jaula com os magros inoculados com uma mistura simples de bactérias, incluindo as Bacteroides, não houve diminuição da adiposidade. “Isso indica que interações bacterianas mais complexas estão por trás da proteção contra o aumento de massa corporal e podem estar associadas ao distúrbio metabólico”, especula o pesquisador.
O cirurgião Carlos Domene, do Centro de Gastroenterologia e Cirurgia Bariátrica e Metabólica do Hospital 9 de Julho (SP), explica que, embora a medicina ainda não saiba exatamente qual bactéria está envolvida no emagrecimento, já é conhecida a importância desses micro-organismos para o funcionamento do corpo humano. “O que sabemos é que existe uma influência da flora intestinal no metabolismo e no organismo como um todo. Esses micro-organismos não existem só para conviver pacificamente com a gente, mas nos ajudam a absorver vitaminas. Consideramos hoje a flora intestinal como um sistema orgânico e metabólico que integra o corpo como um todo”, detalha o médico.
Técnicas incipientes
Segundo Domene, as técnicas de transplante fecal ainda são incipientes e restritas a alguns tratamentos de doenças e infecções causadas por bactérias, como a diarreia crônica. “No caso da obesidade, precisamos entender qual organismo está por trás do emagrecimento e como ele pode ser usado para tratar as pessoas. É preciso saber quem é quem para podermos isolar essas bactérias e transformá-las em um produto comercial”, analisa. O médico cogita a possibilidade de o transplante surtir menos efeitos em pessoas que já se encontram em um estado grave de obesidade.
“Talvez, tenha mais resultado em pessoas mais magras, mas não será muito eficaz em um grande obeso. A obesidade é uma doença que não tem um único componente, mas centenas deles. Por isso emagrecer é tão difícil. O tratamento aplicado experimentalmente em animais, dentro de condições controladas, tem efeito muito bom. Mas pode ser que não tenha um resultado brilhante fora de um grupo controlado. Apesar disso, é muito interessante; vamos aprender muito com as novas descobertas”, acredita.
Uma das principais atividades da microbiota intestinal é quebrar e fermentar fibras ingeridas em ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), como acetato, propionato e butirato, fonte de 5% a 10% da dose diária de energia. “O estudo mostrou que a microbiota dos ratos magros produziu mais AGCC, especialmente propionato e butirato, o que ajudou na digestão das fibras. Isso não foi visto nos ratos obesos que se alimentaram com uma dieta desregulada”, conta Walker. A equipe de Ridaura constatou que a dieta, além das bactérias, é essencial para o emagrecimento.
Metabolismo ajustado
De acordo com a nutricionista Gisele França, professora da Faculdade de Medicina de Petrópolis (RJ), a microbiota intestinal auxilia na fermentação de carboidratos não digeríveis ou resistentes à digestão, convertendo-os em AGCC, que são utilizados como nutrientes para as células, principalmente as do intestino grosso. Dessa forma, o ganho de peso em ratos obesos não resulta do aumento da absorção de energia. Os resultados do estudo americano apoiam estudos anteriores que mostram que, embora os AGCCs sejam uma fonte de energia, eles promovem a magreza inibindo o acúmulo de gordura no tecido adiposo e aumentando também o gasto de energia e a produção de hormônios associados à saciedade.
Para França, os resultados apresentados pelo estudo americano foram muito significativos, porém esperados. Afinal, uma vez que a microflora intestinal saudável é recuperada, pode-se observar melhora no aproveitamento metabólico dos nutrientes e na saúde da mucosa intestinal. “Há também uma diminuição nos quadros de disbiose intestinal, uma alteração causada pela mudança na microflora intestinal que induz a hiperpermeabilidade intestinal e é apontada como uma das causas de obesidade, síndrome metabólica, alergias, doenças articulares, entre outras. E esses fatores contribuem com a promoção da perda de peso em indivíduos obesos”, pontua.
A nutricionista ressalta que a melhor maneira para emagrecer é cultivar hábitos alimentares saudáveis que envolvam macronutrientes, micronutrientes, prebióticos, probióticos, glutamina, ácidos graxos insaturados e compostos bioativos com ação antioxidante. “De que adiantaria um transplante fecal se o paciente permanecesse com os hábitos alimentares inadequados?”, questiona.
Agentes precisam ser identificados
Mais estudos devem ser reproduzidos para confirmar se essas culturas podem transmitir um fenótipo e determinar quais componentes da microbiota intestinal são responsáveis por isso. Esse assunto e essas hipóteses são importantes para identificar as próximas gerações de pró e prebióticos. O principal desafio atualmente está em identificar bactérias benéficas que ajudem no controle da obesidade e desordens metabólicas relacionadas. A literatura diz que estudiosos têm observado que camundongos geneticamente modificados para obesidade tinham em sua microbiota 50% menos bacterioidetes e maior proporção de firmicutes se comparados a camundongos magros. Quando submetidos à dieta para perda de peso, a microbiota se tornava muito similar à dos camundongos magros. As cobaias convencionais têm maior quantidade de gordura do que as sem microbiota, apesar de terem uma ingestão calórica 30% menor e um metabolismo de repouso maior, o que sugere um papel importante da microbiota no metabolismo energético desses animais.”
Milene Amarante Pufal, nutricionista do Centro da Obesidade e Síndrome Metabólica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul