Há três anos, um estudo publicado também na Nature concluiu que jogos com o objetivo de aprimorar as habilidades cognitivas não conseguiam ultrapassar os limites das tarefas executadas durante a brincadeira. Os pesquisadores recrutaram cerca de mil jovens e indivíduos de meia-idade para praticar regularmente tarefas on-line desenvolvidas para melhorar funções cerebrais, como memória, planejamento e raciocínio. Como esperado, eles realmente ficaram cada vez mais espertos nas tarefas pedidas pelo treinamento, mas não houve qualquer alteração de desempenho em outras habilidades cognitivas. Segundo Adam Gazzaley, que liderou o estudo publicado hoje, provavelmente, o resultado registrado anteriormente se deve à idade dos participantes, já que abaixo dos 60 anos a reposição da perda cognitiva talvez não seja tão evidente.
Gazzaley e sua equipe desenvolveram um jogo de computador chamado NeuroRacer. Nele, os participantes são convidados a dois tipos de atividade. No modo tarefa única, o usuário precisa apenas responder a um comando demonstrado na tela e apertar um botão ou conduzir um veículo por uma estrada utilizando um joystick. No modo multitarefa, as duas atividades são realizadas em conjunto (veja infografia). Em um primeiro momento, foram convocados 174 indivíduos, que representaram todas as décadas de vida de uma pessoa adulta, com idade variando entre 20 e 79 anos, sendo cerca de 30 para cada década. Eles foram divididos em grupos que realizavam a tarefa única e outros dedicados à multitarefa. O objetivo era diagnosticar o deficit cognitivo com o passar dos anos.
Confirmado o decaimento de algumas habilidades com o avançar da idade, o time de pesquisadores realizou um novo experimento, dessa vez, com participantes entre 60 e 85 anos de idade e distribuídos em três grupos: os que jogaram em multitarefa, aqueles que fariam a tarefa única e o grupo de controle. Os últimos não usaram regularmente o jogo e foram usados como uma taxa de cognição de referência. Os outros voluntários deixaram o laboratório da universidade com a missão de praticar o NeuroRacer por uma hora, três vezes na semana e durante um mês. Após esse período, eles retornaram e participaram de novos exames. Eletrodos foram conectados a uma touca para monitorar a atividade cerebral dos indivíduos enquanto eles jogavam novamente.
Os resultados mostraram que a atividade cerebral foi muito aprimorada, superando a do grupo de controle e se aproximando do rendimento cognitivo observado em indivíduos de 20 anos que jogavam pela primeira vez. Os pesquisadores relatam que, seis meses depois, os participantes apresentaram o mesmo desempenho, sugerindo que esse ganho cognitivo pode ser mantido por pelo menos meio ano. Também foi registrado um aumento de atividade na região do cérebro conhecida como córtex pré-frontal, responsável pela tomada de decisão. Os voluntários idosos mostraram-se melhores na retenção de informação a curto prazo e na manutenção da atenção, habilidades que conhecidamente tendem a ser prejudicadas com o avançar da idade.
“Tanto a multitarefa quanto a tarefa única resultaram em melhorias equivalentes no jogo, enquanto apenas a multitarefa levou a grandes melhorias comportamentais, como diminuição de gastos mentais, melhoria de sustentação da atenção e trabalho da memória”, descreve Gazzaley. Para os cientistas, apesar de eles registrarem uma melhora em idosos, esse aprimoramento das atividades cognitivas em jovens com o uso de jogos de computador permanece obscura. No entanto, eles acreditam ser possível que uma versão mais desafiadora de NeuroRacer possa dar conta do recado.
Terapia prazerosa
O que mais chamou a atenção da geriatra e conselheira da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) Elizabete Viana de Freitas é que uma atividade prazerosa e divertida pode também ter efeitos para a cognição. Ela compara o funcionamento do cérebro ao dos músculos. “Quanto mais a pessoa ativa as capacidades, ativa a memória e exercita os diversos domínios da cognição, melhor serão os resultados”, explica.
A geriatra, porém, não esperava que essa melhora mais duradoura na performance poderia acontecer com a utilização de um videogame, uma proposta lúdica. “E com efeitos muito duradouros”, completa. “Esse resultado é muito bom porque é possível reunir um grupo de pessoas em uma situação em que há a interação com o jogo lúdico e o estímulo da presença das pessoas, o que traz também a capacidade de socializar mais”, comenta a geriatra. Ela diz ainda que algumas casas de repouso para idosos já utilizam a estratégia como uma forma de atração para os hóspedes com jogos como o Wii. “É muito bom porque é mais agradável exercer uma atividade que é prazerosa que um exercício mais restrito de memória que também é bom, mas pode ser massante.”
Além dos medicamentos
“Não é uma proposta muito nova. Há pouco mais de 10 anos, na Universidade de Tóquio, no Japão, tem um grupo de cientistas que usa o videogame para estudos voltados para a área de demência e reabilitação cognitiva. Nesse artigo, os pesquisadores fazem, principalmente, uma avaliação para multitarefas em indivíduos com pessoas saudáveis. O que de melhor podemos traduzir para o uso cotidiano das pessoas é que é uma promessa futura da possibilidade de ter um ganho cognitivo de uma forma divertida. Todo o mundo pensa em medicações para melhorar essas habilidades, ter uma qualidade de vida maior, mas é possível que não se precisemos de remédio. Talvez, possamos fazer algo divertido, como jogar videogame e ter um benefício cognitivo. Agora, esse estudo sozinho não significa que as pessoas devem buscar os jogos para alcançar isso. Ainda são necessários mais estudos e esse jogo foi montado para o treinamento apenas.”