Todo mundo já ouviu dizer que a música faz um bem danado para nossa saúde, que alivia o estresse, melhora o humor e traz alegria. Mas o que ninguém sabia é que as canções influenciam na escolha do paladar. Pode até parecer estranho, mas foi a conclusão de uma dissertação de mestrado da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp defendida este ano. Feita com 120 consumidores, a pesquisa mostrou que os vários estilos de música podem contribuir para ampliar ou diminuir a aceitação de um alimento. E ainda alerta que o rock, tão difundido no mundo nos dias de hoje, pode estar ajudando a aumentar um grande mal do século 21: a obesidade.
Para quem nunca ouviu falar sobre a relação do que se ouve com o que se come é bom começar a prestar atenção nos ritmos que se escuta quando se está diante das refeições. Estudos no mundo inteiro têm buscado entender essa relação e os resultados surpreendem.
O maestro e músico David Wesley Silva foi quem estudou o tema aqui no Brasil e conta que, graduado em música pela Universidade de São Paulo (USP), a nutrição sempre lhe interessou. “Uma boa alimentação para um músico, por exemplo, influencia no seu trabalho”, destaca, definindo tanto o que comemos como o que ouvimos como arte. “Para esse trabalho, minha orientadora, a professora Helena Maria André Bolin, aproveitou que sou músico para propor o desafio de relacionar a nutrição com os ritmos”, diz.
Assim, em 2012, deu-se início à primeira parte do estudo: o desenvolvimento de um minibolo com características especiais. O pesquisador extraiu da receita tradicional farinha de trigo, açúcar, ovo e leite, de modo que o alimento pudesse ser consumido por celíacos, diabéticos e vegetarianos, além de pessoas preocupadas em manter uma dieta mais saudável. No lugar desses ingredientes, ele adicionou milho, biomassa (polpa de banana verde), edulcorantes (adoçantes sucralose e estévia), amêndoa e coco.
Foram ao todo seis variações da receita. “Fizemos com que 120 consumidores experimentassem a novidade, e a maior aceitação foi aquele minibolo que não continha ovos, leite ou trigo, mas continha açúcar”, destaca.
Satisfeito com o sucesso das receitas, David partiu para a segunda etapa do estudo, em que os mesmos consumidores tiveram que experimentar as formulações ouvindo algum tipo de música. Eles foram submetidos à audição de quatro gêneros musicais (rock, chorinho, música clássica e romântica). Os avaliadores degustaram os minibolos sem ouvir músicas, para estabelecer um controle que permitisse comparação. “Usamos músicas consagradas do público. Todas em versões instrumentais, para que não houvesse influência das letras. Usamos Mozart, Van Halen, roda de choro e outros.”
O bolinho com estévia experimentado ao som do rock, foi bem menos aceito. “Quando feito com sacarose, teve ótima aceitação ao ser saboreado ao som da música romântica”, diz. Os estilos musicais não foram misturados nas mesmas sessões. A cada semana era um. “Há três anos a ciência está debruçada sobre esse assunto e, agora, temos a primeira pesquisa que confirma que há, sim, uma interferência da música no paladar”, diz o pesquisador. “No caso do chorinho, nossa hipótese é de que ele exerce esse tipo de influência por ser agitado e ao mesmo tempo nostálgico. No caso do rock, há a questão da agitação. Em comum, os dois apresentam padrões rítmicos enfatizados sobre os outros elementos musicais (melodia, harmonia, e outros), o que pode desviar a atenção do provador. Relacionamos também estudos que apontam para uma atuação fisiológica no sistema nervoso, o que pode influenciar a resposta sensorial”, arrisca o autor da dissertação.
Em relação a algumas amostras provadas, a música influenciou em até 14,4% nas médias de aceitação em comparação com as obtidas sem a música. “Esse dado sinaliza que a música pode potencializar a aceitação de um determinado alimento, principalmente no momento em que o consumidor está elaborando sua avaliação. Por hipótese, a música pode vir a ser utilizada como uma forte aliada por parte de restaurantes, até mesmo com finalidade terapêutica ou dietética”, acrescenta a professora e orientadora Helena Maria.
ROCK
Segundo David, mais estudos precisam ser feitos, mas, por enquanto, já dá para afirmar que o rock, por exemplo, está associado a dois efeitos: fisiológico e psicológico. Foi comprovado que quem escuta rock aumenta os batimentos cardíacos. “Em um restaurante, se você colocar uma música agitada seu cliente vai comer e sair rápido. É uma ótima ferramenta para os fast foods. Porém, é algo péssimo para o consumidor”, defende David, justificando que a degustação precisa de calma. “O rock, hoje, é completamente aceito pela sociedade. Ele pode estar ajudando a comermos mais rápido, influenciando, assim, o quadro da obesidade”, suspeita.
Ele conta que o rock, inconscientemente, age na repetição. “Se como batata frita ouvindo esse estilo musical, tendo a repetir o hábito, inconscientemente, ao longo dos anos.” A música calma, no caso a clássica, ajuda, de acordo com o estudo, a comer mais devagar e a mastigar melhor. “A pessoa vai comer sem pressa, vai ter tempo de degustar os nutrientes. Muitos restaurantes já entenderam isso.”
A nutricionista Junia Bethonico, mesmo sem ter base em estudos, já percebia que o que se ouve durante as refeições influencia muito na qualidade de vida. Ela conta que quando amamentava seu filho Rafael, de 3 anos, colocava sempre uma música calma para o momento. “Percebia que isso ajudava na alimentação dele”, diz. Até hoje ela se preocupa em colocar um som tranquilo para se sentar à mesa. “O ambiente tem que estar calmo, porque a pessoa foca sua atenção naquilo que está comendo”, observa.
estudos Os pesquisadores mencionam outra pesquisa na qual voluntários degustaram um sorvete de bacon e ovos. Durante a degustação, os cientistas colocaram sons de pintinhos no quintal, o que fez com que o alimento fosse percebido tendo mais gosto de ovo. Quando trocaram para som de fritura, os provadores relacionavam o sabor de bacon no sorvete, demonstrando que o som influencia o paladar.
Há três anos, o Laboratório de Pesquisa Crossmodal da Universidade de Oxford, na Inglaterra, investiga o som de instrumentos musicais relacionados aos sabores. No estudo mais recente (2012), foram compostas duas trilhas sonoras: uma com ‘elementos musicais doces’ e outra com ‘elementos musicais amargos’.
Assim, quando voluntários provavam o cinder toffee (doce de café e caramelo), uma tradicional sobremesa inglesa, ouvindo os ‘sons doces’, eles assinalaram que a sobremesa era doce. Quando ouviam o ‘som amargo’, diziam que tinham comido algo amargo.”
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O maestro e músico David Wesley Silva foi quem estudou o tema aqui no Brasil e conta que, graduado em música pela Universidade de São Paulo (USP), a nutrição sempre lhe interessou. “Uma boa alimentação para um músico, por exemplo, influencia no seu trabalho”, destaca, definindo tanto o que comemos como o que ouvimos como arte. “Para esse trabalho, minha orientadora, a professora Helena Maria André Bolin, aproveitou que sou músico para propor o desafio de relacionar a nutrição com os ritmos”, diz.
Assim, em 2012, deu-se início à primeira parte do estudo: o desenvolvimento de um minibolo com características especiais. O pesquisador extraiu da receita tradicional farinha de trigo, açúcar, ovo e leite, de modo que o alimento pudesse ser consumido por celíacos, diabéticos e vegetarianos, além de pessoas preocupadas em manter uma dieta mais saudável. No lugar desses ingredientes, ele adicionou milho, biomassa (polpa de banana verde), edulcorantes (adoçantes sucralose e estévia), amêndoa e coco.
Foram ao todo seis variações da receita. “Fizemos com que 120 consumidores experimentassem a novidade, e a maior aceitação foi aquele minibolo que não continha ovos, leite ou trigo, mas continha açúcar”, destaca.
Satisfeito com o sucesso das receitas, David partiu para a segunda etapa do estudo, em que os mesmos consumidores tiveram que experimentar as formulações ouvindo algum tipo de música. Eles foram submetidos à audição de quatro gêneros musicais (rock, chorinho, música clássica e romântica). Os avaliadores degustaram os minibolos sem ouvir músicas, para estabelecer um controle que permitisse comparação. “Usamos músicas consagradas do público. Todas em versões instrumentais, para que não houvesse influência das letras. Usamos Mozart, Van Halen, roda de choro e outros.”
O bolinho com estévia experimentado ao som do rock, foi bem menos aceito. “Quando feito com sacarose, teve ótima aceitação ao ser saboreado ao som da música romântica”, diz. Os estilos musicais não foram misturados nas mesmas sessões. A cada semana era um. “Há três anos a ciência está debruçada sobre esse assunto e, agora, temos a primeira pesquisa que confirma que há, sim, uma interferência da música no paladar”, diz o pesquisador. “No caso do chorinho, nossa hipótese é de que ele exerce esse tipo de influência por ser agitado e ao mesmo tempo nostálgico. No caso do rock, há a questão da agitação. Em comum, os dois apresentam padrões rítmicos enfatizados sobre os outros elementos musicais (melodia, harmonia, e outros), o que pode desviar a atenção do provador. Relacionamos também estudos que apontam para uma atuação fisiológica no sistema nervoso, o que pode influenciar a resposta sensorial”, arrisca o autor da dissertação.
Em relação a algumas amostras provadas, a música influenciou em até 14,4% nas médias de aceitação em comparação com as obtidas sem a música. “Esse dado sinaliza que a música pode potencializar a aceitação de um determinado alimento, principalmente no momento em que o consumidor está elaborando sua avaliação. Por hipótese, a música pode vir a ser utilizada como uma forte aliada por parte de restaurantes, até mesmo com finalidade terapêutica ou dietética”, acrescenta a professora e orientadora Helena Maria.
ROCK
Segundo David, mais estudos precisam ser feitos, mas, por enquanto, já dá para afirmar que o rock, por exemplo, está associado a dois efeitos: fisiológico e psicológico. Foi comprovado que quem escuta rock aumenta os batimentos cardíacos. “Em um restaurante, se você colocar uma música agitada seu cliente vai comer e sair rápido. É uma ótima ferramenta para os fast foods. Porém, é algo péssimo para o consumidor”, defende David, justificando que a degustação precisa de calma. “O rock, hoje, é completamente aceito pela sociedade. Ele pode estar ajudando a comermos mais rápido, influenciando, assim, o quadro da obesidade”, suspeita.
Ele conta que o rock, inconscientemente, age na repetição. “Se como batata frita ouvindo esse estilo musical, tendo a repetir o hábito, inconscientemente, ao longo dos anos.” A música calma, no caso a clássica, ajuda, de acordo com o estudo, a comer mais devagar e a mastigar melhor. “A pessoa vai comer sem pressa, vai ter tempo de degustar os nutrientes. Muitos restaurantes já entenderam isso.”
A nutricionista Junia Bethonico, mesmo sem ter base em estudos, já percebia que o que se ouve durante as refeições influencia muito na qualidade de vida. Ela conta que quando amamentava seu filho Rafael, de 3 anos, colocava sempre uma música calma para o momento. “Percebia que isso ajudava na alimentação dele”, diz. Até hoje ela se preocupa em colocar um som tranquilo para se sentar à mesa. “O ambiente tem que estar calmo, porque a pessoa foca sua atenção naquilo que está comendo”, observa.
estudos Os pesquisadores mencionam outra pesquisa na qual voluntários degustaram um sorvete de bacon e ovos. Durante a degustação, os cientistas colocaram sons de pintinhos no quintal, o que fez com que o alimento fosse percebido tendo mais gosto de ovo. Quando trocaram para som de fritura, os provadores relacionavam o sabor de bacon no sorvete, demonstrando que o som influencia o paladar.
Há três anos, o Laboratório de Pesquisa Crossmodal da Universidade de Oxford, na Inglaterra, investiga o som de instrumentos musicais relacionados aos sabores. No estudo mais recente (2012), foram compostas duas trilhas sonoras: uma com ‘elementos musicais doces’ e outra com ‘elementos musicais amargos’.
Assim, quando voluntários provavam o cinder toffee (doce de café e caramelo), uma tradicional sobremesa inglesa, ouvindo os ‘sons doces’, eles assinalaram que a sobremesa era doce. Quando ouviam o ‘som amargo’, diziam que tinham comido algo amargo.”