“Não estamos dizendo que os pobres são menos inteligentes que os outros”, esclarece o economista Sendhil Mullainathan, pesquisador de Harvard e principal autor do estudo. Segundo ele, o que acontece é que os problemas são tantos que as pessoas não conseguem se concentrar, dificultando a execução de tarefas que exigem compromisso intelectual. Isso não significa, contudo, que a condição cognitiva seja permanente. À medida que diminuem as preocupações com comida, escola para os filhos, acesso ao serviço de saúde e contas para pagar, entre outras, os indivíduos voltam a ser tão intelectualmente capazes quanto qualquer outro.
Mullainathan compara a situação com um computador. “Imagine que você está na frente de um computador e ele está extremamente lento. Então, você percebe que ele está fazendo o download de um vídeo realmente pesado. Não é o computador que é lento, é que ele está executando outra tarefa, então parece devagar para você”, diz. O mesmo fato acontece, de acordo com o economista, com pessoas de baixa renda. A capacidade cognitiva real não diminui. Mas, como a mente está ocupadíssima com diversos problemas para resolver, a capacidade efetiva fica deficitária.
Eldar Shafir, pesquisador de psicologia da Universidade de Princeton e coautor do artigo, explica que o caso é diferente das pressões enfrentadas por executivos e outros profissionais que também têm de lidar com diversas questões ao longo do dia, muitas vezes correndo contra o tempo. “Isso é preocupação crônica. O estresse, sozinho, não significa que uma pessoa vai executar mal uma tarefa, na verdade, a pressão pode até melhorar o desempenho”, diz. “Nós estamos falando de preocupação com recursos financeiros limitados, como saber se vai continuar a ter um teto no dia seguinte ou se não vai conseguir pagar o aluguel e, por isso, será despejado. É esse o tipo de preocupação a que nos referimos”, conta Shafir.
Antes e depois
Uma das populações pesquisadas no estudo, por exemplo, são os cortadores de cana-de-açúcar da zona rural da Índia. Esses trabalhadores recebem apenas uma vez por ano, depois da colheita. “No mês da safra, eles ficam com muito dinheiro, mas um mês antes, quando a quantia já acabou, os trabalhadores estão muito pobres”, descreve Mullainathan. Para testar se a preocupação financeira de fato tem um papel crucial sobre a mente das pessoas, os pesquisadores aplicaram testes de QI em 464 agricultores antes e depois da safra. Os resultados mostraram que o mesmo indivíduo apresenta desempenho diferente, que se traduziu em uma variação de 10 pontos no exame, sendo que os piores resultados ocorreram justamente no período em que o dinheiro ganho na colheita já estava no fim.
O outro experimento conduzido pelos pesquisadores ocorreu em um shopping de Nova Jersey e envolveu 400 participantes aleatórios, com renda média anual entre US$ 70 mil e US$ 20 mil. Eles tinham de dizer como resolveriam problemas financeiros — por exemplo, de que forma lidariam com um problema inesperado no carro, cujo conserto custaria de US$ 150 a US$ 1.500. Enquanto pensavam, eles fizeram testes de QI. Os voluntários foram divididos em dois grupos, denominados “pobres” e “ricos”. Quando o cenário era tranquilo — o reparo do veículo não pesaria tanto no bolso —, o desempenho dos participantes nos exames de inteligência foi similar. Contudo, quando eram levados a imaginar a situação de um conserto caro, aqueles que tinham uma renda menor se saíram pior nos testes.
Para Sendhil Mullainathan, o estudo poderá ter implicações na formulação de políticas públicas. Como exemplo, ele cita a falta de creches públicas. “Muitos pais se preocupam excessivamente ao sair para trabalhar por não terem onde deixar as crianças. Aumentar a oferta de creches não vai apenas deixar os pais mais livres, mas impulsionar o QI dessas pessoas.”