Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) fizeram uma descoberta que está chamando a atenção de cientistas de todo o mundo. Durante pesquisas de regeneração hepática com a insulina, o pesquisador e pós-doutorando André Oliveira percebeu que alguns receptores da substância, marcados por meio do processo de imunofluorescência, que os faz brilhar, estavam no núcleo das células. O questionamento, óbvio, era como e por que eles chegaram até lá.
Investigando o fenômeno, a equipe fez uma descoberta que deverá mudar os livros de fisiologia humana. A insulina, além da função metabólica, em que capta e armazena nutrientes para nosso organismo utilizar como combustível, tem outra função até então desconhecida: ela penetra a célula por meio de um receptor específico. “É como uma chave e uma fechadura. A insulina é a chave e tem uma fechadura na célula, que é seu receptor. Uma vez conectado, esse receptor vai com a insulina para dentro do núcleo. Lá dentro, ela estimula a liberação de cálcio, que, por sua vez, dá início ao processo de multiplicação celular”, explica a professora e pesquisadora Maria de Fátima Leite, do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biológicas (ICB). A novidade está documentada em imagens em movimento.
O cálcio tem o papel de regular a taxa de proliferação da célula, um processo fisiológico importante na sobrevivência do ser humano. É por meio dele que uma pessoa ganha estatura e cicatriza feridas, entre várias outras situações normais do organismo. “A proliferação celular é considerada um efeito mais tardio da insulina, e esse mecanismo foi desvendado. Mostramos, em nosso estudo, como a insulina regula a regeneração hepática. O fígado é um órgão com alto potencial regenerativo, processo fisiológico importante, visto que é um órgão desintoxicador do corpo. Para exemplificar, ao se removerem dois terços do fígado em seres humanos, o órgão regenera (volta à sua função normal) em algumas semanas. Ou seja, a multiplicação das células hepáticas é muito alta. Esse processo está condicionado a estímulos que vêm de hormônios ou de fatores de crescimento”, pondera Gustavo Menezes, professor de biologia celular da UFMG. “É por isso que os diabéticos, que não produzem insulina, enfrentam maior dificuldade para a cicatrização de ferimentos”, completa Maria de Fátima Leite.
Pela primeira vez, uma equipe descreveu exatamente como a insulina estimula a proliferação celular. E a descoberta abre novas possibilidades de tratamento para o câncer, por exemplo. Ainda segundo Leite, esse fenômeno de multiplicação celular é crucial na saúde e na doença. “Mostramos que o cálcio é um requisito necessário para as células carcinogênicas (que se multiplicam em alta velocidade) replicarem. Então, nesse caso, usamos terapia gênica para reduzir a quantidade de cálcio no nucleoplasma das células, com o objetivo de baixar também a multiplicação celular. Associamos a terapia gênica com a radioterapia e obtivemos sucesso, observando uma diminuição na taxa de sobrevida das células carcinogênicas, o que indica menor taxa de recidiva do câncer. Foi um estudo in vitro, realizado em células, e já estamos bem avançados nos estudos in vivo, em animal”, detalha.
Terapia
A multiplicação celular por meio do chamado maquinário de cálcio ocorre numa velocidade muito alta. Nessa avaliação de tratamento, a equipe constatou que o efeito foi apenas nas células cancerígenas, que estão se multiplicando rapidamente. Outra abordagem que a descoberta permite se dá no tratamento de casos de falência do fígado.
“Apesar de se recuperar muito rapidamente, alguns processos, como a cirrose e a fibrose, destroem o órgão ainda mais rápido. Podemos estudar como ativar esse mecanismo de multiplicação celular pela insulina, para acelerar ainda mais o processo e reverter o quadro. Pode-se evitar a necessidade de transplantes e salvar vidas com isso, já que uma pessoa com o fígado comprometido não vive mais do que uma semana”, esclarece Menezes. “Há ainda a hipótese de se criar uma pomada à base de insulina para aplicar em ferimentos e auxiliar na cicatrização, que, basicamente, depende de uma multiplicação celular.”
O estudo, publicado na última edição da revista Hepatology, da Associação Americana para Estudos sobre Doenças Hepáticas, mostra, em termos técnicos, como uma subpopulação dos receptores de insulina se transloca da membrana plasmática para o interior da célula e, ao chegar ao núcleo, ativa a maquinaria de cálcio intranuclear, que regula a taxa de multiplicação celular. “Já se sabia que a insulina é um fator de crescimento, mas não se conhecia o mecanismo pelo qual esse hormônio regula a proliferação de células hepáticas”, reitera a pesquisadora.
GLOSSÁRIO:
Processo que usa anticorpos específicos para o receptor estudado, que vai reconhecer a proteína desse receptor e se “ligar” a ele, podendo ser rastreado por absorver e emitir luz ultravioleta (UV), permitindo sua observação ao microscópio de fluorescência.
Trata-se de uma construção genética feita em laboratório, que usa um vírus, por exemplo, como veículo de entrada para informações genéticas na
célula ou no indivíduo.
Reconstrução tridimensional de células marcadas com anticorpos e sondas fluorescentes permitem visualizar diferentes compartimentos intracelulares. A célula superior na imagem acima mostra a membrana plasmática em vermelho, o núcleo em azul e a proteína de interesse (verde), indicando translocação proteica da membrana plasmática para o interior nuclear (imagem capturada pela pós-doutoranda Erika Alvarenga). Logo abaixo, um hepatócito (azul) binuclear, o envelope nuclear em verde e a marcação intranuclear do DNA em vermelho.
Uma das pesquisas que derivam desse trabalho é a produção de gel, para uso tópico, que usa nanotecnologia para estimular a rápida regeneração de tecidos e, assim, promover a cicatrização de feridas. Realizado em parceria com o professor Rodrigo Resende, do Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB, o estudo é subsidiado pelo edital Capes/SUS e tem como principal alvo pacientes diabéticos. A intenção é produzir o medicamento, que deve chegar à população a preço baixo.
O gel, com estruturas de nanocarbono, está sendo desenvolvido em parceria com o Departamento de Física da UFMG. “Mostramos como a insulina estimula a proliferação celular, atividade fundamental na cicatrização”, comenta a pesquisadora.
Investigando o fenômeno, a equipe fez uma descoberta que deverá mudar os livros de fisiologia humana. A insulina, além da função metabólica, em que capta e armazena nutrientes para nosso organismo utilizar como combustível, tem outra função até então desconhecida: ela penetra a célula por meio de um receptor específico. “É como uma chave e uma fechadura. A insulina é a chave e tem uma fechadura na célula, que é seu receptor. Uma vez conectado, esse receptor vai com a insulina para dentro do núcleo. Lá dentro, ela estimula a liberação de cálcio, que, por sua vez, dá início ao processo de multiplicação celular”, explica a professora e pesquisadora Maria de Fátima Leite, do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biológicas (ICB). A novidade está documentada em imagens em movimento.
O cálcio tem o papel de regular a taxa de proliferação da célula, um processo fisiológico importante na sobrevivência do ser humano. É por meio dele que uma pessoa ganha estatura e cicatriza feridas, entre várias outras situações normais do organismo. “A proliferação celular é considerada um efeito mais tardio da insulina, e esse mecanismo foi desvendado. Mostramos, em nosso estudo, como a insulina regula a regeneração hepática. O fígado é um órgão com alto potencial regenerativo, processo fisiológico importante, visto que é um órgão desintoxicador do corpo. Para exemplificar, ao se removerem dois terços do fígado em seres humanos, o órgão regenera (volta à sua função normal) em algumas semanas. Ou seja, a multiplicação das células hepáticas é muito alta. Esse processo está condicionado a estímulos que vêm de hormônios ou de fatores de crescimento”, pondera Gustavo Menezes, professor de biologia celular da UFMG. “É por isso que os diabéticos, que não produzem insulina, enfrentam maior dificuldade para a cicatrização de ferimentos”, completa Maria de Fátima Leite.
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Terapia
A multiplicação celular por meio do chamado maquinário de cálcio ocorre numa velocidade muito alta. Nessa avaliação de tratamento, a equipe constatou que o efeito foi apenas nas células cancerígenas, que estão se multiplicando rapidamente. Outra abordagem que a descoberta permite se dá no tratamento de casos de falência do fígado.
“Apesar de se recuperar muito rapidamente, alguns processos, como a cirrose e a fibrose, destroem o órgão ainda mais rápido. Podemos estudar como ativar esse mecanismo de multiplicação celular pela insulina, para acelerar ainda mais o processo e reverter o quadro. Pode-se evitar a necessidade de transplantes e salvar vidas com isso, já que uma pessoa com o fígado comprometido não vive mais do que uma semana”, esclarece Menezes. “Há ainda a hipótese de se criar uma pomada à base de insulina para aplicar em ferimentos e auxiliar na cicatrização, que, basicamente, depende de uma multiplicação celular.”
O estudo, publicado na última edição da revista Hepatology, da Associação Americana para Estudos sobre Doenças Hepáticas, mostra, em termos técnicos, como uma subpopulação dos receptores de insulina se transloca da membrana plasmática para o interior da célula e, ao chegar ao núcleo, ativa a maquinaria de cálcio intranuclear, que regula a taxa de multiplicação celular. “Já se sabia que a insulina é um fator de crescimento, mas não se conhecia o mecanismo pelo qual esse hormônio regula a proliferação de células hepáticas”, reitera a pesquisadora.
GLOSSÁRIO:
- Imunofluorescência
Processo que usa anticorpos específicos para o receptor estudado, que vai reconhecer a proteína desse receptor e se “ligar” a ele, podendo ser rastreado por absorver e emitir luz ultravioleta (UV), permitindo sua observação ao microscópio de fluorescência.
- Organelas
- Terapia gênica
Trata-se de uma construção genética feita em laboratório, que usa um vírus, por exemplo, como veículo de entrada para informações genéticas na
célula ou no indivíduo.
- Compartimentos intracelulares
Reconstrução tridimensional de células marcadas com anticorpos e sondas fluorescentes permitem visualizar diferentes compartimentos intracelulares. A célula superior na imagem acima mostra a membrana plasmática em vermelho, o núcleo em azul e a proteína de interesse (verde), indicando translocação proteica da membrana plasmática para o interior nuclear (imagem capturada pela pós-doutoranda Erika Alvarenga). Logo abaixo, um hepatócito (azul) binuclear, o envelope nuclear em verde e a marcação intranuclear do DNA em vermelho.
- Gel nanotecnológico
Uma das pesquisas que derivam desse trabalho é a produção de gel, para uso tópico, que usa nanotecnologia para estimular a rápida regeneração de tecidos e, assim, promover a cicatrização de feridas. Realizado em parceria com o professor Rodrigo Resende, do Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB, o estudo é subsidiado pelo edital Capes/SUS e tem como principal alvo pacientes diabéticos. A intenção é produzir o medicamento, que deve chegar à população a preço baixo.
O gel, com estruturas de nanocarbono, está sendo desenvolvido em parceria com o Departamento de Física da UFMG. “Mostramos como a insulina estimula a proliferação celular, atividade fundamental na cicatrização”, comenta a pesquisadora.