Pesquisadores pretendem modificar o vírus H7N9 em laboratório e criar versões que sejam mais transmissíveis e poderosas contra mamíferos. A iniciativa tem como objetivo medir a resistência e a virulência de possíveis mutações do micro-organismo e evitar uma possível pandemia da gripe aviária. Os termos para os experimentos foram definidos por um consórcio de 22 cientistas de todo o mundo, que publicaram as regras simultaneamente nas revistas científicas Science e Nature. No documento, o grupo aponta que pretende interferir nos genes do vírus para compreender o verdadeiro potencial da doença, além de desenvolver vacinas e tratamentos mais eficientes contra possíveis mudanças genéticas. O Departamento de Saúde norte-americano (HHS) também anunciou um novo processo de aprovação para esse tipo de experimento.
A cepa H7N9 da gripe aviária passou a preocupar a comunidade científica em março, quando infectou um homem de 87 anos. Até então, esse subtipo só havia sido encontrado em aves. Desde que passou a atingir humanos, mais de 130 pessoas foram diagnosticadas com o micro-organismo, e 43 morreram com a doença. O número de casos tem diminuído rapidamente nos últimos meses, mas especialistas temem que a gripe possa ganhar força depois de se adaptar ao organismo humano ou adquirir resistência aos remédios mais usados. Na última terça-feira, foi divulgado o possível primeiro caso de transmissão do vírus em humanos. Uma mulher de 32 anos teria adoecido depois de cuidar do pai infectado em março deste ano. O homem visitou um mercado com aves vivas antes de contrair a doença, a filha, não.
Os cientistas propõem que o processo de evolução do vírus seja reproduzido em laboratório, onde seria possível observar que tipo de mutações o tornariam mais forte, além de induzir uma resposta imune mais eficiente contra ele. Outros aspectos na mira dos pesquisadores são o potencial de resistência a drogas, o risco pandêmico e os mecanismos que tornam o vírus mais patogênico (veja infográfico). “O risco de uma pandemia causada pela influenza aviária existe na natureza”, assegura o documento publicado hoje. “Como membros da comunidade de pesquisa da influenza, acreditamos que o surto do vírus H7N9 requer pesquisa focada e conduzida por investigadores responsáveis, com instalações apropriadas e planos de diminuição de riscos.”
Reações
Existe, no entanto, o temor de que esses vírus mutantes provoquem justamente a pandemia que os cientistas tentam combater. Até o momento, a gripe aviária ainda é transmitida pelo contato direto com aves contaminadas, um cenário que pode ser controlado com mudanças de hábitos, como o fechamento dos mercados de animais vivos e o cozimento apropriado da carne. Mas, se a doença for transmitida com facilidade entre humanos, como uma gripe comum, ela poderia se espalhar pelo mundo rapidamente. Outros pesquisadores chineses já mostraram como um subtipo da doença pode ser transmitido entre furões. “Experimentos com o vírus H7N9 devem ser direcionados para responder a questões bem direcionadas”, alerta John McCauley, do Centro de Referência e Pesquisa em influenza, da Organização Mundial da Saúde (OMS).
A maioria dos especialistas se posicionou a favor da iniciativa dos pesquisadores de interferir na evolução natural do vírus. Para alguns deles, esses estudos podem mudar a forma como entendemos a transmissibilidade dos vírus influenza. “Na verdade, esses estudos podem ajudar a entender por que os vírus H5N1, H7N7 e H7N9 não se tornaram pandêmicos, enquanto outros, como o H1N1 de 2009, se tornou”, acredita Peter Horby, pesquisador da Unidade de Pesquisa do Vietnã da Universidade de Oxford. A especialista em influenza Wendy Barclay é assertiva: “Experimentos com indução de funções são uma extensão natural do trabalho que já mostrou transmissão limitada dos tipos naturais do vírus. Seria absurdo não fazê-los”, enfatiza a professora da Imperial College London.
A revista Nature também se posicionou em um editorial, em que diz que “cientistas que impulsionam esse tipo de pesquisa deveriam ter cautela ao exagerar os benefícios para a saúde pública, ao menos no curto prazo, para justificar os riscos tomados”. De acordo com o artigo de opinião, “cientistas não podem prever pandemias” ao criar mutações que tornem o vírus mais transmissível. O processo natural poderia muito bem resultar em outros tipos de combinações, imunes aos novos tratamentos desenvolvidos.
Cada experimento deve passar pelo crivo de comitês de biossegurança institucionais, formados por especialistas em doenças infecciosas e em saúde pública. O Departamento de Saúde dos Estados Unidos também deve reforçar a avaliação de estudos que usem os fundos da divisão para criar um vírus H7N9 com maior transmissibilidade entre mamíferos. A avaliação deve levar em conta “a aceitabilidade desses experimentos, considerando os benefícios científicos e de saúde pública, assim como riscos de biossegurança”. O departamento garante que a abordagem vai assegurar os interesses de segurança, além de permitir que as pesquisas sejam conduzidas rapidamente.
Diretrizes criadas
A proposta de determinar regras mais claras para experiências genéticas com o vírus influenza surgiu de uma controvérsia causada por uma pesquisa que resultou em um tipo de supervírus H5N1 capaz de ser transmitido entre mamíferos por um simples espirro. A cepa mutante foi criada em laboratório em 2011 por um grupo liderado pelos pesquisadores Yoshihiro Kawaoka, da Universidade de Tóquio, e o holandês Ron Fouchier, do Centro Médico Erasmus, na Holanda. Os mesmos cientistas são os que publicaram hoje a carta com os termos para os novos experimentos com o H7N9.
Na época, o Painel Consultivo sobre Biossegurança dos Estados Unidos (NSABB) pediu que as revistas científicas “omitissem os detalhes sobre a metodologia e as mutações específicas dos vírus no estudo”, adiando a publicação dos resultados. A organização temia que a metodologia aplicada na pesquisa fosse usada na criação de uma arma biológica eficiente contra humanos. Os trabalhos foram publicados em maio e junho do ano passado, e as pesquisas, retomadas em janeiro deste ano.
Para Kawaoka e Fouchier, a discussão levantada pelos experimentos com o H5N1 tiveram um efeito positivo para a biossegurança científica. A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou diretrizes para pesquisas sobre a transmissão da gripe aviária e novas políticas foram propostas e colocadas em prática nos Estados Unidos. Alguns periódicos até passaram a encorajar pesquisadores a incluir medidas de biossegurança em seus artigos.
A cepa H7N9 da gripe aviária passou a preocupar a comunidade científica em março, quando infectou um homem de 87 anos. Até então, esse subtipo só havia sido encontrado em aves. Desde que passou a atingir humanos, mais de 130 pessoas foram diagnosticadas com o micro-organismo, e 43 morreram com a doença. O número de casos tem diminuído rapidamente nos últimos meses, mas especialistas temem que a gripe possa ganhar força depois de se adaptar ao organismo humano ou adquirir resistência aos remédios mais usados. Na última terça-feira, foi divulgado o possível primeiro caso de transmissão do vírus em humanos. Uma mulher de 32 anos teria adoecido depois de cuidar do pai infectado em março deste ano. O homem visitou um mercado com aves vivas antes de contrair a doença, a filha, não.
saiba mais
-
Gripe aviária da China ainda é uma ameaça
-
Ministério lança cartilhas de prevenção da gripe aviária
-
Vírus da gripe aviária pode ser transmitido pelo ar
-
Nova cepa mutante da gripe aviária pode contaminar humanos
-
Coquetel de anticorpos barra o vírus ebola
-
Estudo alerta para subtipos potencialmente perigosos da gripe aviária
-
Gripe H7N9 mata 44 pessoas na China
Reações
Existe, no entanto, o temor de que esses vírus mutantes provoquem justamente a pandemia que os cientistas tentam combater. Até o momento, a gripe aviária ainda é transmitida pelo contato direto com aves contaminadas, um cenário que pode ser controlado com mudanças de hábitos, como o fechamento dos mercados de animais vivos e o cozimento apropriado da carne. Mas, se a doença for transmitida com facilidade entre humanos, como uma gripe comum, ela poderia se espalhar pelo mundo rapidamente. Outros pesquisadores chineses já mostraram como um subtipo da doença pode ser transmitido entre furões. “Experimentos com o vírus H7N9 devem ser direcionados para responder a questões bem direcionadas”, alerta John McCauley, do Centro de Referência e Pesquisa em influenza, da Organização Mundial da Saúde (OMS).
A maioria dos especialistas se posicionou a favor da iniciativa dos pesquisadores de interferir na evolução natural do vírus. Para alguns deles, esses estudos podem mudar a forma como entendemos a transmissibilidade dos vírus influenza. “Na verdade, esses estudos podem ajudar a entender por que os vírus H5N1, H7N7 e H7N9 não se tornaram pandêmicos, enquanto outros, como o H1N1 de 2009, se tornou”, acredita Peter Horby, pesquisador da Unidade de Pesquisa do Vietnã da Universidade de Oxford. A especialista em influenza Wendy Barclay é assertiva: “Experimentos com indução de funções são uma extensão natural do trabalho que já mostrou transmissão limitada dos tipos naturais do vírus. Seria absurdo não fazê-los”, enfatiza a professora da Imperial College London.
A revista Nature também se posicionou em um editorial, em que diz que “cientistas que impulsionam esse tipo de pesquisa deveriam ter cautela ao exagerar os benefícios para a saúde pública, ao menos no curto prazo, para justificar os riscos tomados”. De acordo com o artigo de opinião, “cientistas não podem prever pandemias” ao criar mutações que tornem o vírus mais transmissível. O processo natural poderia muito bem resultar em outros tipos de combinações, imunes aos novos tratamentos desenvolvidos.
Cada experimento deve passar pelo crivo de comitês de biossegurança institucionais, formados por especialistas em doenças infecciosas e em saúde pública. O Departamento de Saúde dos Estados Unidos também deve reforçar a avaliação de estudos que usem os fundos da divisão para criar um vírus H7N9 com maior transmissibilidade entre mamíferos. A avaliação deve levar em conta “a aceitabilidade desses experimentos, considerando os benefícios científicos e de saúde pública, assim como riscos de biossegurança”. O departamento garante que a abordagem vai assegurar os interesses de segurança, além de permitir que as pesquisas sejam conduzidas rapidamente.
Diretrizes criadas
A proposta de determinar regras mais claras para experiências genéticas com o vírus influenza surgiu de uma controvérsia causada por uma pesquisa que resultou em um tipo de supervírus H5N1 capaz de ser transmitido entre mamíferos por um simples espirro. A cepa mutante foi criada em laboratório em 2011 por um grupo liderado pelos pesquisadores Yoshihiro Kawaoka, da Universidade de Tóquio, e o holandês Ron Fouchier, do Centro Médico Erasmus, na Holanda. Os mesmos cientistas são os que publicaram hoje a carta com os termos para os novos experimentos com o H7N9.
Na época, o Painel Consultivo sobre Biossegurança dos Estados Unidos (NSABB) pediu que as revistas científicas “omitissem os detalhes sobre a metodologia e as mutações específicas dos vírus no estudo”, adiando a publicação dos resultados. A organização temia que a metodologia aplicada na pesquisa fosse usada na criação de uma arma biológica eficiente contra humanos. Os trabalhos foram publicados em maio e junho do ano passado, e as pesquisas, retomadas em janeiro deste ano.
Para Kawaoka e Fouchier, a discussão levantada pelos experimentos com o H5N1 tiveram um efeito positivo para a biossegurança científica. A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou diretrizes para pesquisas sobre a transmissão da gripe aviária e novas políticas foram propostas e colocadas em prática nos Estados Unidos. Alguns periódicos até passaram a encorajar pesquisadores a incluir medidas de biossegurança em seus artigos.