Se o uso de fraldas de pano sequer motiva a discussão de muitas famílias que adotam a praticidade das peças descartáveis como uma evolução tecnológica dos cuidados com o bebê e do modo de vida das sociedades contemporâneas e ocidentais, imagine então deixar de lado essa dicotomia e abandoná-las por completo? Não é um novo método ou sequer um modismo. Trata-se da higiene natural ou Elimination Communication (EC) – termo usado em inglês que significa eliminação e comunicação - e que existe desde sempre. “É simplesmente a maneira como foram criados todos os bebês em todas as culturas do mundo até 100 anos atrás quando o mundo moderno começou a usar fraldas”. A afirmação é de Tamara Hiller, natural da Alemanha. Há sete anos morando no Brasil, a parteira profissional é uma das pioneiras em difundir a prática no país.
Há 15 anos, segundo Tamara, mães modernas de países como Estados Unidos e Alemanha começaram a se questionar sobre a dependência da fralda e qual a maneira de voltar atrás. O movimento cresce lentamente e as informações na internet já trazem experiências descritas em português. A higiene natural consiste em ler os sinais que o bebê dá antes de fazer xixi e cocô e oferecer um penico, balde ou até o vaso sanitário para a criança antes que o ato aconteça. No caso dos recém-nascidos, é importante apoiar as costas deles. As mães e os pais também podem se orientar pelos padrões dos filhos. Alguns bebês, por exemplo, sempre fazem xixi quando acordam ou cocô depois da mamada.
Na higiene natural o bebê pode ficar sem fraldas inclusive à noite. Clique aqui e leia a entrevista completa com Tamara Hiller
“As pessoas criticam com o argumento de que o desfralde acontece sem a criança estar preparada, mas na verdade, é um processo de não fraldar. Ninguém está pedindo para a criança controlar os esfíncteres ou segurar a vontade, estamos apenas oferecendo um lugar que não seja a fralda”, defende Gabriel Siqueira, administrador, pai de Nara Rosa, 5 anos, e Ravi, de 2. Sim, já é na primeira semana de vida que o processo começa. A chave da higiene natural é a observação, o entendimento de como o bebê comunica as suas necessidades. “Recomendo não se estressar e primeiro estabelecer a amamentação para ganhar confiança como mãe de primeira viagem. Tente começar no primeiro mês, ou pelo menos nos primeiros três meses, período em que os bebês dão muitos sinais”, afirma Tamara.
Opine: Você usaria a higiene natural no seu filho?
Gabriel gosta de lembrar que os acidentes acontecem. “Não é uma preocupação de pegar todos os xixis, também não é prova de nada – de que a criança é inteligente ou os pais maravilhosos. Tem idas e vindas. Há dias que a gente não pega nenhum xixi. O importante é não focar no resultado, mas focar na relação”. Na época em que Nara Rosa nasceu, ele e a esposa moravam em Florianópolis, uma cidade mais fria, e muitas vezes os pais não conseguiam tirar as roupas a tempo. “Aqui na Bahia o Ravi já fica pelado e foi mais fácil. Ele não é uma criança cheia de camadas”, brinca. Para ele, o foco é comunicação e não o comportamento. “Em muitas vezes não percebemos sinal algum”, relata.
Para o administrador, o conceito da higiene natural é interessante principalmente para o homem que não estabelece uma relação instantânea com o filho ou a filha. “O pai sempre tem o desafio de criar o vínculo com a criança e ele tem que ser pró-ativo. Eu peguei o primeiro cocô da Nara Rosa e foi mágico. Pra mim foi muito rico, consegui perceber padrões na minha filha, o que fortaleceu meu papel de pai”, relata. Gabriel lembra também que existe um prazer da criança quando ela é entendida. “Pegar o cocô ou o xixi é uma consequência marginal da relação que estava construindo com minha filha”, completa.
A forma como Gabriel relata a experiência dele e da esposa, a psicóloga Renata, é resultado de uma escolha de vida, a começar pelo parto domiciliar. A família vive em uma região rural de Itacaré, na Bahia, e a mãe conseguiu ficar um ano e meio ao lado da filha. Em seguida, foi a vez de Gabriel passar mais um ano e meio na companhia de Nara Rosa. Ambos se revezam na atenção integral aos filhos e conseguem trabalhar de casa.
Esse é um outro ponto de questionamento e preconceito com o método. Muitas famílias acreditam ser impossível realizar a higiene natural e conciliá-la com a rotina de trabalho e de casa. Talvez seja, mas Tamara Hiller faz questão de dizer para os desavizados: “a mãe não deixa seu bebê 24 horas em fraldas, mas também não precisa criar sem nenhuma fralda”.
A enfermeira Lorena Andrade, de 27 anos, mãe de Mariah, de 4, descobriu a higiene natural em um estágio em uma casa de parto. “Quando minha filha nasceu pensei: é oportunidade de tentar”. Não deu certo. “Acredito que foram várias coisas. Moro em Juiz de Fora, o inverno aqui é muito frio e tinha dificuldades em deixá-la sem roupa para observar seus movimentos. O puerpério também foi pesado pra mim. Eu tive síndrome da barriga vazia [quando a mãe se sente insegura com a criança fora da barriga] e chorava muito. Eu até insisti, mas acabei abortando a ideia antes do primeiro mês para não sentir que estava falhando”, diz.
Na tentativa, a pequena Mariah sujou muita roupa, consequência natural do processo, mas Lorena conta que se sentiu estressada e desatenta aos sinais profundos de seu bebê. “Foi pesando”, lembra. Tamara Hiller admite que a sensação de fracasso e pressão pode acontecer e sobrecarregar a mãe. “Mas só se o EC for mal entendido, o que infelizmente é comum. Hoje, nós esperamos regras e uma garantia a sucesso. Na verdade, criar um bebê não funciona assim. Com o EC não tem dar certo ou não dar certo. Um bebê está simplesmente eliminando e nós estamos ajudando da melhor maneira possível. Não deve entrar estresse, objetivos e a noção de sucesso ou fracasso”, afirma.
Lorena acredita que se o homem tivesse uma inserção maior na vida do bebê talvez a mulher não se sentisse tão sobrecarregada. “A finalidade do pai na nossa cultura é muito de apêndice, embora não deva ser e não seja”, reflete.
Mônica Maria de Almeida Vasconcelos é pediatra e professora da Faculdade de Medicina da UFMG
"O desfraldamento é um marco do desenvolvimento da criança e existem poucas pesquisas que abordam o impacto da retirada precoce de fraldas nas primeiras semanas de vida e de como, quando e qual a melhor forma de treinar os esfíncteres. Do ponto de vista maturacional, a partir de 1 ano e meio já se pode começar a retirada, mas não existe receita de bolo. Mas já sabemos que, apesar de não controlar, a criança dá alguns sinais quando quer fazer xixi e cocô. Na higiene natural é isso que a mãe aprende a entender. O que é importante lembrar é que no primeiro ano de vida, o desenvolvimento é tão rápido, que é importante não canalizar a energia para uma coisa só. Não temos elementos para rechaçar esse método, quem trabalha com ciência não pode fechar os olhos para nada.
Precisamos observar se a prática se aplica à nossa realidade. Na Mongólia, por exemplo, os meninos têm um triângulo aberto na fralda desde bem cedo, é cultural. A higiene natural é um processo que exige demais da mãe, que já é cobrada por tanta coisa: a amamentação, a vacinação em dia, um bebê sem assadura".
Há 15 anos, segundo Tamara, mães modernas de países como Estados Unidos e Alemanha começaram a se questionar sobre a dependência da fralda e qual a maneira de voltar atrás. O movimento cresce lentamente e as informações na internet já trazem experiências descritas em português. A higiene natural consiste em ler os sinais que o bebê dá antes de fazer xixi e cocô e oferecer um penico, balde ou até o vaso sanitário para a criança antes que o ato aconteça. No caso dos recém-nascidos, é importante apoiar as costas deles. As mães e os pais também podem se orientar pelos padrões dos filhos. Alguns bebês, por exemplo, sempre fazem xixi quando acordam ou cocô depois da mamada.
Na higiene natural o bebê pode ficar sem fraldas inclusive à noite. Clique aqui e leia a entrevista completa com Tamara Hiller
“As pessoas criticam com o argumento de que o desfralde acontece sem a criança estar preparada, mas na verdade, é um processo de não fraldar. Ninguém está pedindo para a criança controlar os esfíncteres ou segurar a vontade, estamos apenas oferecendo um lugar que não seja a fralda”, defende Gabriel Siqueira, administrador, pai de Nara Rosa, 5 anos, e Ravi, de 2. Sim, já é na primeira semana de vida que o processo começa. A chave da higiene natural é a observação, o entendimento de como o bebê comunica as suas necessidades. “Recomendo não se estressar e primeiro estabelecer a amamentação para ganhar confiança como mãe de primeira viagem. Tente começar no primeiro mês, ou pelo menos nos primeiros três meses, período em que os bebês dão muitos sinais”, afirma Tamara.
Opine: Você usaria a higiene natural no seu filho?
Gabriel gosta de lembrar que os acidentes acontecem. “Não é uma preocupação de pegar todos os xixis, também não é prova de nada – de que a criança é inteligente ou os pais maravilhosos. Tem idas e vindas. Há dias que a gente não pega nenhum xixi. O importante é não focar no resultado, mas focar na relação”. Na época em que Nara Rosa nasceu, ele e a esposa moravam em Florianópolis, uma cidade mais fria, e muitas vezes os pais não conseguiam tirar as roupas a tempo. “Aqui na Bahia o Ravi já fica pelado e foi mais fácil. Ele não é uma criança cheia de camadas”, brinca. Para ele, o foco é comunicação e não o comportamento. “Em muitas vezes não percebemos sinal algum”, relata.
Para o administrador, o conceito da higiene natural é interessante principalmente para o homem que não estabelece uma relação instantânea com o filho ou a filha. “O pai sempre tem o desafio de criar o vínculo com a criança e ele tem que ser pró-ativo. Eu peguei o primeiro cocô da Nara Rosa e foi mágico. Pra mim foi muito rico, consegui perceber padrões na minha filha, o que fortaleceu meu papel de pai”, relata. Gabriel lembra também que existe um prazer da criança quando ela é entendida. “Pegar o cocô ou o xixi é uma consequência marginal da relação que estava construindo com minha filha”, completa.
A forma como Gabriel relata a experiência dele e da esposa, a psicóloga Renata, é resultado de uma escolha de vida, a começar pelo parto domiciliar. A família vive em uma região rural de Itacaré, na Bahia, e a mãe conseguiu ficar um ano e meio ao lado da filha. Em seguida, foi a vez de Gabriel passar mais um ano e meio na companhia de Nara Rosa. Ambos se revezam na atenção integral aos filhos e conseguem trabalhar de casa.
Esse é um outro ponto de questionamento e preconceito com o método. Muitas famílias acreditam ser impossível realizar a higiene natural e conciliá-la com a rotina de trabalho e de casa. Talvez seja, mas Tamara Hiller faz questão de dizer para os desavizados: “a mãe não deixa seu bebê 24 horas em fraldas, mas também não precisa criar sem nenhuma fralda”.
A enfermeira Lorena Andrade, de 27 anos, mãe de Mariah, de 4, descobriu a higiene natural em um estágio em uma casa de parto. “Quando minha filha nasceu pensei: é oportunidade de tentar”. Não deu certo. “Acredito que foram várias coisas. Moro em Juiz de Fora, o inverno aqui é muito frio e tinha dificuldades em deixá-la sem roupa para observar seus movimentos. O puerpério também foi pesado pra mim. Eu tive síndrome da barriga vazia [quando a mãe se sente insegura com a criança fora da barriga] e chorava muito. Eu até insisti, mas acabei abortando a ideia antes do primeiro mês para não sentir que estava falhando”, diz.
Na tentativa, a pequena Mariah sujou muita roupa, consequência natural do processo, mas Lorena conta que se sentiu estressada e desatenta aos sinais profundos de seu bebê. “Foi pesando”, lembra. Tamara Hiller admite que a sensação de fracasso e pressão pode acontecer e sobrecarregar a mãe. “Mas só se o EC for mal entendido, o que infelizmente é comum. Hoje, nós esperamos regras e uma garantia a sucesso. Na verdade, criar um bebê não funciona assim. Com o EC não tem dar certo ou não dar certo. Um bebê está simplesmente eliminando e nós estamos ajudando da melhor maneira possível. Não deve entrar estresse, objetivos e a noção de sucesso ou fracasso”, afirma.
Lorena acredita que se o homem tivesse uma inserção maior na vida do bebê talvez a mulher não se sentisse tão sobrecarregada. “A finalidade do pai na nossa cultura é muito de apêndice, embora não deva ser e não seja”, reflete.
Mônica Maria de Almeida Vasconcelos é pediatra e professora da Faculdade de Medicina da UFMG
"O desfraldamento é um marco do desenvolvimento da criança e existem poucas pesquisas que abordam o impacto da retirada precoce de fraldas nas primeiras semanas de vida e de como, quando e qual a melhor forma de treinar os esfíncteres. Do ponto de vista maturacional, a partir de 1 ano e meio já se pode começar a retirada, mas não existe receita de bolo. Mas já sabemos que, apesar de não controlar, a criança dá alguns sinais quando quer fazer xixi e cocô. Na higiene natural é isso que a mãe aprende a entender. O que é importante lembrar é que no primeiro ano de vida, o desenvolvimento é tão rápido, que é importante não canalizar a energia para uma coisa só. Não temos elementos para rechaçar esse método, quem trabalha com ciência não pode fechar os olhos para nada.
Precisamos observar se a prática se aplica à nossa realidade. Na Mongólia, por exemplo, os meninos têm um triângulo aberto na fralda desde bem cedo, é cultural. A higiene natural é um processo que exige demais da mãe, que já é cobrada por tanta coisa: a amamentação, a vacinação em dia, um bebê sem assadura".