A descoberta foi um choque para a jovem de 26 anos, mãe de um filho pequeno, dois empregos e muitos planos em mente. Priscila, porém, teve sorte. Conseguiu descobrir o que tinha em apenas seis meses. A média de tempo para se obter o diagnóstico de artrite reumatoide é de quatro anos, como revela recente pesquisa feita com 10.171 pacientes em 42 países, inclusive o Brasil. O resultado do estudo “RA: Join the Fight” foi, recentemente, divulgado em Madri, onde ocorreu, em junho, um congresso mundial de reumatologia.
O professor adjunto de reumatologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Levy Roger, um dos membros do comitê global da pesquisa, tem um palpite para tamanha demora. Ao sentir os primeiros sintomas, geralmente dores articulares, a tendência do paciente é procurar um ortopedista. Com os remédios, as dores melhoram e os sintomas acabam mascarados, mas a doença não é tratada. “Dificilmente, um reumatologista será procurado inicialmente. O reumatologista ainda não é conhecido e o número de especialistas é pequeno para a demanda”, diz o médico. Ele explica que há 25, 30 anos, tratar a artrite reumatoide por um ortopedista ou por um reumatologista até não fazia tanta diferença. “Porque o que a gente tinha para oferecer não era muito diferente do que ortopedista sabia fazer. Hoje, não. O universo é diferente. O tratamento evoluiu.”
No início do ano, Eduardo Ramos, 50 anos, começou a sentir um incômodo no ombro, não conseguia sequer levantar o braço. Pensou se tratar de um problema ortopédico. Um dia, amanheceu com os joelhos inchados. Sem plano de saúde, passou por uma peregrinação até conseguir uma consulta na Rede Sarah. Em pouco tempo, todas as suas articulações tinham sido atacadas: dedos, pulsos, ombros, joelhos, cotovelos. Ele chegou a perder 24kg. No Sarah, os médicos começaram a investigar o caso e, depois de uma bateria de exames e de várias suspeitas descartadas, inclusive lúpus, fecharam o diagnóstico: artrite reumatoide. “Não tinha a mínima ideia do que era aquilo. Achava que reumatismo era coisa de velho”, confessa.
A desinformação entre os pacientes e as famílias ainda é um problema. O resultado da pesquisa promovida pela Abbvie — empresa baseada em pesquisa biofarmacêutica, formada em 2013 a partir da separação da Abbott — aponta que, apesar de a maioria dos pacientes conhecer um volume de informações de alto a médio (74%), quase metade dos entrevistados (46%) não reconhece que são irreversíveis os danos causados pela doença nas articulações. “Um dado assustador foi muitos pacientes acharem que uma erosão do osso é possível de ser revertida, e, uma vez que você tenha uma erosão, o dano é irreversível. É possível, porém, prevenir que ele tenha a primeira erosão”, exemplificou Roger.
O estudo aponta que os portadores de AR até sabem que o mal requer um controle contínuo (no Brasil, quatro em cinco pacientes), mas somente três em cinco compreendem a natureza degenerativa da doença e o fato de que ela pode afetar outras partes do corpo além das juntas.
A artrite reumatoide é uma doença sem causas conhecidas que afeta cerca de 1,5% da população mundial. Seu diagnóstico é clínico, mas, como alerta Levy Roger, se várias pessoas na família têm AR, é possível fazer um exame de sangue que mostra esse fator genético, um marcador que indica se você tem predisposição maior à doença. “A pessoa que tem essa predisposição e, além disso, fuma, não faz exercício e é gorda, fatores que aumentam o risco, pode ter a doença mais cedo e mais agressivamente. Você consegue, com algumas medidas, diminuir as chances de o mal aparecer, mas nada é 100% prevenível.”
Um tempo para se adaptar
Como causa dores muito fortes e, em alguns casos, deformidades, encontrar apoio em outras pessoas com a mesma doença tem sido uma saída para muitos. Priscila Torres buscou esse caminho. Logo depois do diagnóstico, ela começou a compartilhar seu sofrimento e suas vitórias em um blog pessoal. Sem perceber, acabou se transformando em uma ativista da causa. Hoje, com outras quatro mediadoras, mantém um site, o EncontrAR, e uma página no Facebook, que conta com 2.300 membros cadastrados. Mensalmente, promove ainda encontros presenciais em São Paulo, onde mora.
Aos 32 anos, Priscila está aposentada, não pretende mais exercer a profissão de enfermeira, mas planeja voltar ao mercado de trabalho. Cursa serviço social, faz aulas de inglês e está quase 24 horas por dia envolvida em brigar pelos direitos dos pacientes de AR. “Nas redes sociais, as pessoas deixam os seus depoimentos e descobrem outras pessoas que passam pela mesma dificuldade. E isso é muito importante para a recuperação delas.”
De acordo com dados da pesquisa, 65% dos pacientes brasileiros participam de organização de portadores de AR ou grupos de apoio, incluindo os informais e as comunidades online, e nove em 10 aprenderam com a experiência de outros pacientes. Vanessa de Almeida Araújo, 33 anos, é uma delas. Diagnosticada com artrite reumatoide há três anos, quando tinha apenas 30, ela busca cumplicidade nas redes sociais. “Só quem tem a mesma doença sabe exatamente pelo que passamos. Muitos pensam que a nossa dor é frescura”, diz a estudante, que se emociona ao lembrar de toda a via crúcis por que passou. Em 2010, Vanessa, casada e mãe de três filhos, teve uma febre muito alta, que a deixou de cama.
Inicialmente, a suspeita era de dengue, mas depois de 20 dias em estado gravíssimo, sem conseguir levantar nem sequer para ir ao banheiro, veio o diagnóstico: doença de Still (uma versão específica da artrite), que está adormecida, e artrite reumatoide. Tratamento iniciado, Vanessa conseguiu se recuperar, mas a partir dali sabia que a sua vida não seria a mesma. “Acordo toda manhã totalmente entrevada. Nesta época fria, então, a situação é quase insuportável. Meu punho está muito debilitado e passei a ter problemas cardíacos.”
Apesar da situação, ela tenta tocar a vida da forma mais normal possível. Exercita-se diariamente, iniciou a faculdade de letras e sonha em voltar ao mercado de trabalho, mesmo admitindo que provavelmente não será fácil. Para tanto, conta com o apoio incondicional dos filhos de 12, 10 e 6 anos e, sobretudo, do marido. “Ele se internou junto comigo”, relembra, emocionada.
O apoio familiar, segundo a pesquisa “RA: Join the Fight”, é realmente fundamental na melhor qualidade de vida do paciente. Mais de três em cinco entrevistados acreditam que seria mais fácil conviver com a doença se seus entes queridos fossem mais solidários. O reumatologista Levy Roger não só concorda como ressalta que, em seu consultório, os familiares são tratados com a maior deferência. “Eles são peças fundamentais no sucesso do tratamento.”
Outra questão que tem consequências diretas com o diagnóstico de artrite reumatoide é a profissional e, consequentemente, a financeira. Eduardo Ramos conhece bem essa realidade. Ele trabalha com a mulher, que é doceira, e, desde que caiu de cama, ficou impossibilitado de ajudar a esposa. “Eu não consigo nem mais enrolar um brigadeiro”, conta. Resultado: tiveram que reduzir a produção, e a loja, um sonho antigo montado com muito esforço há menos de um ano, precisou ser fechada. Justamente em um momento em que as despesas com médico e remédio cresceram exponencialmente. “Não tenho plano de saúde. Quando recebi o diagnóstico, em março, tentei agendar um reumatologista no HUB. Só tinha vaga para dali a seis meses. Tive que recorrer a um médico particular. As despesas só crescem.”
Dados da pesquisa apontam que, no Brasil, mais de um terço dos pacientes teve sua carreira ou força de trabalho incapacitada pela doença, e dois em cada cinco portadores de AR passaram a ter problemas financeiros. Eduardo, agora, pretende estudar para concurso público. “Qualquer cargo, mesmo que não pague bem, está valendo. Quero ao menos garantir um plano de saúde para mim, minha mulher e meus três filhos.”
Planejar-se é preciso
Para os especialistas, manter uma diretriz de tratamento e, sobretudo, metas a serem atingidas, é fundamental para que o paciente de artrite reumatoide tenha uma boa qualidade de vida e o mais perto possível da normalidade. “Os tratamentos são individualizados e as metas variam muito. Tenho um paciente, um senhor já de idade, que me disse que o seu maior sonho é ir sozinho à padaria da esquina”, exemplifica o reumatologista Levy Roger. Em compensação, ele conta, com orgulho, da paciente que, quando entrou em seu consultório, não conseguia segurar uma xícara de café e que, recentemente, lhe enviou uma foto no topo do Everest.
A pesquisa “RA: Join the Fight” mostrou que é importante uma maior conscientização sobre os efeitos da progressão da doença: apenas 56% dos entrevistados em todo o mundo têm um plano de controle da artrite reumatoide. Dados do estudo revelaram ainda que, em comparação com os pacientes que não apresentam uma diretriz de tratamento, aqueles que contam com um plano de controle, compartilhado com o médico, têm duas vezes mais probabilidade de sentirem esperançosos (39% x 23%) e confiantes (31% x 16%) em relação à doença. “Fiquei surpreso em ver que mais de quatro em cinco pacientes reconhecerem que a AR é uma doença grave, progressiva e destrutiva, mas somente 56% têm um plano de controle em andamento”, afirmou Peter Nash, professor associado da Universidade de Queensland, na Austrália, e um dos membros do comitê global da pesquisa.
Larissa Jansen, 36 anos, sempre teve essa diretriz em mente e nunca deixou de lutar para ter a melhor qualidade de vida possível. A servidora pública descobriu o problema reumatológico aos 7 anos de idade. Quando brincava no parquinho com os amigos, teve, de repente, uma febre muito alta, que a deixou de cama por dois meses. “Quando digo que fiquei de cama, fiquei de cama mesmo, sem nem levantar para ir ao banheiro.” Na época, ela morava no Rio de Janeiro e foi diagnosticada com doença de Still. Ela também tem artrite reumatoide. Passou a infância indo para os Estados Unidos em busca de tratamento.
Larissa não deixou que a doença, apesar da gravidade, afetasse sua vida. Além do tratamento médico, faz acompanhamento psicológico. Já escreveu livros sobre sua condição e, garante, não pretende parar de trabalhar, apesar de, por lei, ter direito à aposentadoria. “Não gosto de pessoas que usam a doença para se fazer de vítima. Já fiz oito cirurgias, tenho uma série de deformidades, sou cardiopata e posso morrer em consequência das minhas doenças reumatológicas. Nem por isso vou me fazer de coitada e parar de trabalhar.”
Levy Roger ressalta a importância da continuidade do tratamento individualizado, mesmo que aparentemente a doença esteja sob controle. “O especialista precisa vê-lo a cada três, quatro meses, avaliar e até trocar o tratamento para uma nova alternativa se você não tiver respondendo ao atual. Mesmo que você esteja se sentindo a melhor pessoa do mundo, mesmo que você nem lembre de mim, daqui a três meses quero te ver, com o exame, para saber se você está bem. Eu tenho como avaliar com os exames se o tratamento está dando certo ou se tem uma coisa melhor. Esse é o tratamento mais moderno.” Segundo a pesquisa, 66% dos pacientes acreditam erroneamente que a ausência de dor significa que a AR está sob controle.
Vivendo com AR
- As articulações dos joelhos (58%) são as juntas mais afetadas pela doença, segundo os brasileiros participantes da pesquisa.
- 48% declaram que podem realizar atividades rotineiras, mas precisam de ajuda para isso.
- Três em 4 pacientes afirmam que a doença está sob controle.
- Pouco menos da metade afirma ter tido mais dias bons do que ruins na última semana. Contudo, mais de 9 em 10 pacientes afirmam que a AR teve impacto negativo em algum aspecto de suas vidas.
- Em média, os pacientes brasileiros vivem com os sintomas por 4 anos e foram diagnosticados há cerca de 3 anos e meia.
Entenda a doença
- A artrite reumatoide pode causar morte prematura, incapacidade física e comprometer a qualidade de vida.
- O surgimento da AR normalmente ocorre em pessoas entre 25 e 55 anos de idade, apesar de poder ocorrer em qualquer idade.
- Geralmente, a AR afeta mais mulheres do que homens: há três vezes mais mulheres sofrendo com a doença do que os homens.
- Muitas pessoas que vivem com artrite reumatoide têm dificuldades em desempenhar tarefas rotineiras, como abrir uma torneira.