Alguns indivíduos com essas placas, também chamadas de ateroscleróticas, podem não sentir qualquer sintoma do problema por décadas, até que a ruptura de uma delas, aparentemente menos estável, forma coágulos no tecido exposto, bloqueando o fluxo sanguíneo e resultando em ataque cardíaco ou acidente vascular cerebral.
É possível, porém, que um grupo de pesquisadores do Instituto Karolinska, na Suécia, e da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, tenha descoberto uma forma de silenciar esse perigo à saúde. A equipe liderada por Goran Hansson, do Instituto Karolinska, relata no artigo publicado na edição desta semana da Science Translational Medicine que as placas ateroscleróticas podem ser estabilizadas pela molécula interleucina-17 (IL-17).
Os pesquisadores utilizaram uma linhagem de camundongos geneticamente modificados para o desenvolvimento de níveis elevados de colesterol e de aterosclerose. Em laboratório, estimularam, no sistema imunológico das cobaias, as células T — produtoras da IL-17. A surpresa foi grande quando perceberam que a estratégia modificou o formato das placas.
“Uma tampa grossa foi formada com fibras de colágeno e ela estabilizou as placas. Em estudos de cultura de células, foi possível demonstrar que a IL-17 faz com que as células dos vasos sanguíneos produzam colágeno”, detalha Hansson ao Correio. Segundo o cientista, o time de pesquisa liderado por ele também teve acesso a um biobanco de artérias com aterosclerose oriundas de tecido humano e retiradas durante cirurgias. A equipe analisou os genes e as proteínas desse material. “Nas amostras de doentes em que o gene da IL-17 foi ligado, houve também alta produção de colágeno. Esses resultados são importantes, uma vez que indicam que o mesmo princípio com os animais experimentais se aplica a humanos.”
Para testar a teoria inicial, os pesquisadores também promoveram a inibição da IL-17 por meio de anticorpos neutralizantes, diminuindo, assim, a estabilidade das placas de gordura. Dessa forma, a expressão da molécula passou a ser correlacionada com a de componentes da capa fibrosa de colágeno nas placas de gordura. A possibilidade de usar a descoberta farmaceuticamente em seres humanos não foi avaliada nesse estudo, mas os resultados fornecem informação importante sobre a função do sistema imunitário na aterosclerose.
Aplicações
Para Clarissa Thiers, do Instituto Nacional de Cardiologia, a estratégia é bastante promissora, principalmente por tratar de uma doença com altos níveis de mortalidade. Ela acredita, no entanto, que os frutos desse estudo só poderão ser colhidos em um futuro distante. “Mas investigar a patologia ajuda bastante para que a gente consiga encontrar mecanismos de prevenir os fatores que possam promover a estabilidade da placa.”
A cardiologista conta que a IL-17 já era conhecida pela comunidade médica e produzida a partir de células inflamatórias. Segundo ela, a grande novidade do trabalho de Hansson é entender os fatores que fazem com que esse processo seja desencadeado, além de conseguir documentá-lo por meio de culturas de células e de organismos vivos, o que facilita o desenvolvimento de novas pesquisas.
Thiers imagina dois possíveis caminhos para a descoberta. O primeiro seria conseguir um marcador biológico capaz de predizer se um determinado paciente pode estabilizar a placa. “É um ponto muito promissor”, avalia. “O segundo caminho, que vai ser mais tardio, é conseguir fazer ensaios clínicos em que a modulação desses efeitos da molécula possa inibir a instabilidade de placas em que haja a suspeita de maior chance de ruptura”, explica.
Para que o experimento possa ser repetido na prática clínica, no entanto, muitas etapas de estudo vão ser necessárias. No artigo publicado na Science Translational Medicine, os cientistas ressaltam que os dados também sugerem que pacientes tratados com bloqueadores do receptor da IL-17 devem ser cuidadosamente monitorizados para eventos cardiovasculares e indicam também a modulação da produção da IL-17 como uma opção terapêutica para prevenir a erupção das placas de gordura.
...Goran K. Hansson, professor do Instituto Karolinska, do Hospital Universitário Karolinska, em Estolcomo, na Suécia
A molécula de IL-17 já era conhecida?
Sim. Era conhecida há vários anos como uma molécula do sistema imune. Ela desempenha um papel na defesa contra helmintos — vermes parasitas que causam uma grande variedade de doenças infecciosas. Além disso, um bloqueador de IL-17 é atualmente testado contra a psoríase, uma doença de pele comum.
Os resultados eram esperados?
Nós esperávamos que a estimulação das células T tivesse efeitos completamente diferentes sobre a aterosclerose. Ficamos bastante surpresos quando descobrimos que as placas desenvolveram tampas mais grossas, com mais colágeno. Essa constatação levou-nos a desvendar o mecanismo.
Qual pode ser o impacto do trabalho?
Há uma grande necessidade de uma terapia que possa estabilizar as placas ateroscleróticas. Hoje, nenhum medicamento tem esse efeito. Tendo em vista as nossas descobertas, a IL-17 deve ser avaliada como um possível alvo para a terapia. Além disso, os pacientes atualmente tratados com agentes bloqueadores de IL-17 devem ser avaliados em relação à saúde cardiovascular.