Pesquisadores sugerem mudanças no diagnóstico, no tratamento e na definição do câncer

Os atuais exageros nas intervenções contra o mal podem causar mais prejuízos aos pacientes que os próprios tumores

por Bruna Sensêve 30/07/2013 09:54

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Arte: CB/D.A Press
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Um grupo de trabalho americano abre uma discussão ainda preliminar sobre mudanças radicais no diagnóstico e no tratamento do câncer. Uma lista de recomendações publicada na edição desta semana da revista científica Journal of the American Medical Association (Jama) discorre sobre um possível excesso no diagnóstico precoce da doença e no consequente tratamento excessivo contra o mal. Juntos, os problemas podem levar o paciente a consequências mais graves que as que surgiriam pela própria doença. Entre as soluções para o problema, os estudiosos, ligados ao Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, sugerem mudanças na definição do que seria o câncer e até uma renomeação da doença, especialmente em casos de tumores pré-malignos com prognóstico indolente, os casos que não vão progredir para uma situação letal.

Segundo os pesquisadores, ao longo dos últimos 30 anos, a conscientização e a triagem levaram a uma ênfase no diagnóstico precoce do câncer com o objetivo principal de reduzir as taxas de incidência e de mortalidade. Porém, ensaios clínicos e dados populacionais já teriam demonstrado que essas metas não foram cumpridas, inclusive com aumentos significativos nas primeiras fases da doença, quando acontece o diagnóstico precoce, sem uma diminuição proporcional na doença em estágio avançado. “A palavra câncer muitas vezes invoca o espectro de um processo inexoravelmente letal, no entanto, os cânceres são heterogêneos e podem seguir vários caminhos, nem todos evoluem para metástase e morte e incluem a doença indolente, que não causa dano durante a vida do paciente”, explicam os pesquisadores, no texto publicado.

A partir dessas informações, eles propõem uma adaptação do rastreio do câncer, focando a identificação e o tratamento de condições provavelmente associadas com a morbidade e a mortalidade. Dessa forma, eles identificaram padrões específicos de alguns tipos de câncer que merecem maior ou menor atenção para a frequência de rastreamento. Por exemplo, pelos dados analisados, a triagem para o câncer de mama e de próstata, pareceu detectar um maior número de cânceres que potencialmente são clinicamente insignificantes, segundo os cientistas. O câncer de pulmão também poderia seguir esse padrão se o rastreio de alto risco for adotado. “Esôfago de Barrett e carcinoma ductal da mama são exemplos para os quais a detecção e remoção de lesões consideradas pré-cancerígenas não levaram à menor incidência de câncer invasivo.”

No extremo oposto, estariam os cânceres do cólon e do colo do útero, alvo hoje de programas de rastreio eficazes em todo o mundo. Nesses casos, a detecção precoce e a remoção de lesões pré-cancerígenas reduziram substancialmente a incidência das doenças. Para os pesquisadores, a frequência de triagem ideal depende da taxa de crescimento do câncer, já que, no caso de um tumor indolente, a detecção é potencialmente prejudicial, pois pode resultar em excesso de tratamento.

Genética determinante

Segundo o diretor-geral do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, Paulo Hoff, a sugestão pela troca da definição de câncer é feita porque apenas a menção à palavra tende a provocar uma reação imediata em busca do tratamento contra o mal agressivamente. “Hoje já está muito claro que, para alguns pacientes, o tratamento vai ser muito pior que a doença porque, na realidade, essa doença não evoluiria.”

Hoff explica que o que determina se o câncer vai ficar indolente ou vai evoluir é o componente genético, extremamente variável de um paciente para o outro, e de um diagnóstico para o outro. Clinicamente, o câncer de próstata é uma condição que já pode ser tratada dessa forma. A evolução de exames para a detecção precoce do mal proporcionou um aumento dramático no número de casos detectados em estágio bastante inicial, mas o número de casos avançados não mudou. “Ou seja, você começou a detectar tumores que jamais incomodariam o paciente. Em outros tipos de câncer isso acontece também”, explica.

A grande questão ainda sem resolução dentro do debate é justamente saber qual câncer progredirá e qual estacionará ou mesmo regredirá. “Isso não está disponível. O que você tem muito claro é que, em algumas situações, já é possível identificar pacientes nos quais você poderia acompanhar, fazer a observação de uma possível progressão da doença”, diz Hoff.

Coordenador do Departamento de Oncologia Clínica do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC), Daniel Cubero explica que a discussão não é novidade. Os especialistas do instituto americano, no entanto, propõem medidas mais práticas para que as políticas de prevenção em câncer sejam revistas. “O princípio da questão é deixar claro que os tumores não são todos iguais e que nem sempre diagnosticar mais cedo é vantajoso, o que parece um contrassenso”, avalia.

Cubero explica que o ponto básico é que uma parte dos tumores é tão indolente que as pessoas morreriam com o problema sem ao menos saber que o tiveram. “Há tumores que crescem de uma maneira tão lenta que, durante a vida toda, passam despercebidos. O perigo é esse. Diagnosticar demais pacientes com esse problema, submetê-los a tratamentos mutiladores por tumores que não os matariam. Se o tratamento fosse inócuo, tudo bem, faríamos. Mas, algumas vezes, o tratamento pode ser muito pior que a doença.”