Segundo os pesquisadores, ao longo dos últimos 30 anos, a conscientização e a triagem levaram a uma ênfase no diagnóstico precoce do câncer com o objetivo principal de reduzir as taxas de incidência e de mortalidade. Porém, ensaios clínicos e dados populacionais já teriam demonstrado que essas metas não foram cumpridas, inclusive com aumentos significativos nas primeiras fases da doença, quando acontece o diagnóstico precoce, sem uma diminuição proporcional na doença em estágio avançado. “A palavra câncer muitas vezes invoca o espectro de um processo inexoravelmente letal, no entanto, os cânceres são heterogêneos e podem seguir vários caminhos, nem todos evoluem para metástase e morte e incluem a doença indolente, que não causa dano durante a vida do paciente”, explicam os pesquisadores, no texto publicado.
A partir dessas informações, eles propõem uma adaptação do rastreio do câncer, focando a identificação e o tratamento de condições provavelmente associadas com a morbidade e a mortalidade. Dessa forma, eles identificaram padrões específicos de alguns tipos de câncer que merecem maior ou menor atenção para a frequência de rastreamento. Por exemplo, pelos dados analisados, a triagem para o câncer de mama e de próstata, pareceu detectar um maior número de cânceres que potencialmente são clinicamente insignificantes, segundo os cientistas. O câncer de pulmão também poderia seguir esse padrão se o rastreio de alto risco for adotado. “Esôfago de Barrett e carcinoma ductal da mama são exemplos para os quais a detecção e remoção de lesões consideradas pré-cancerígenas não levaram à menor incidência de câncer invasivo.”
No extremo oposto, estariam os cânceres do cólon e do colo do útero, alvo hoje de programas de rastreio eficazes em todo o mundo. Nesses casos, a detecção precoce e a remoção de lesões pré-cancerígenas reduziram substancialmente a incidência das doenças. Para os pesquisadores, a frequência de triagem ideal depende da taxa de crescimento do câncer, já que, no caso de um tumor indolente, a detecção é potencialmente prejudicial, pois pode resultar em excesso de tratamento.
Genética determinante
Segundo o diretor-geral do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, Paulo Hoff, a sugestão pela troca da definição de câncer é feita porque apenas a menção à palavra tende a provocar uma reação imediata em busca do tratamento contra o mal agressivamente. “Hoje já está muito claro que, para alguns pacientes, o tratamento vai ser muito pior que a doença porque, na realidade, essa doença não evoluiria.”
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A grande questão ainda sem resolução dentro do debate é justamente saber qual câncer progredirá e qual estacionará ou mesmo regredirá. “Isso não está disponível. O que você tem muito claro é que, em algumas situações, já é possível identificar pacientes nos quais você poderia acompanhar, fazer a observação de uma possível progressão da doença”, diz Hoff.
Coordenador do Departamento de Oncologia Clínica do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC), Daniel Cubero explica que a discussão não é novidade. Os especialistas do instituto americano, no entanto, propõem medidas mais práticas para que as políticas de prevenção em câncer sejam revistas. “O princípio da questão é deixar claro que os tumores não são todos iguais e que nem sempre diagnosticar mais cedo é vantajoso, o que parece um contrassenso”, avalia.
Cubero explica que o ponto básico é que uma parte dos tumores é tão indolente que as pessoas morreriam com o problema sem ao menos saber que o tiveram. “Há tumores que crescem de uma maneira tão lenta que, durante a vida toda, passam despercebidos. O perigo é esse. Diagnosticar demais pacientes com esse problema, submetê-los a tratamentos mutiladores por tumores que não os matariam. Se o tratamento fosse inócuo, tudo bem, faríamos. Mas, algumas vezes, o tratamento pode ser muito pior que a doença.”