Processo das lembranças irreais é igual à evocação dos eventos verdadeiros

Grupo de pesquisadores consegue criar falsas recordações em ratos por meio de estimulação cerebral

27/07/2013 11:50

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SXC.hu/Banco de Imagens
Recordar algo nunca ocorrido é comum e pode acontecer com pessoas de qualquer idade (foto: SXC.hu/Banco de Imagens)
Durante mais de uma década, Jean Piaget acreditou que havia sido vítima de tentativa de rapto aos 2 anos. A lembrança do quase sequestro era, aliás, sua memória mais antiga. Ele se recordava de detalhes, como estar sentado na cadeirinha, vendo a babá defendê-lo do bandido, enquanto este arranhava o rosto da heroína. Em seguida, um policial de capa e cassetete conseguiu evitar o crime. O fato era contado frequentemente pela babá, por familiares e por outras pessoas que tinham ouvido falar no caso. Contudo, isso jamais aconteceu. Quando o psicólogo infantil francês estava na adolescência, a empregada escreveu uma carta, confessando que havia inventado tudo. “Escutei a história na infância, a projetei para o passado em forma de memória visual, que era a memória de uma memória, mas falsa”, contou Piaget mais tarde.

Recordar algo nunca ocorrido é comum e pode acontecer com pessoas de qualquer idade. Muitos indivíduos nem sequer percebem que determinadas lembranças foram criadas, pois as cenas e até os sons evocados pelo cérebro surgem com a mesma nitidez e grau de detalhamento das memórias reais. Agora, pesquisadores do Centro de Circuitos Genéticos Neurais Riken-MIT, uma parceria entre cientistas japoneses e americanos, demonstraram como o processo de implantar falsas recordações se dá no nível neuronal. Para isso, eles utilizaram uma tecnologia de ponta, a optogenética, que usa pulsos de luz para identificar e estimular redes dentro do cérebro. O resultado do estudo foi publicado na edição desta semana da revista Science.

De acordo com os neurocientistas, as memórias são armazenadas em sistemas celulares comparados a pecinhas de Lego. Quando a pessoa se recorda de uma sequência de eventos, o cérebro reconstrói o passado juntando os “tijolos” de dados, mas somente o ato de acessar as lembranças já modifica e distorce a realidade. Juntando uma fonte externa ao processo — no caso de Piaget, foi a babá —, a probabilidade de haver confusões é ainda maior. “A memória é algo extremamente não confiável”, comenta Susumu Tonegawa, diretor do Centro de Circuitos Genéticos Neurais Riken-MIT e professor do Instituto de Ciências Cerebrais Riken, no Japão.